quarta-feira, 5 de março de 2014

Alterações climáticas podem deixar Jerónimos e centro histórico do Porto debaixo de água


Alterações climáticas podem deixar Jerónimos e centro histórico do Porto debaixo de água
RICARDO GARCIA 05/03/2014 - 14:56 / PÚBLICO
Estudo avalia efeito da subida do nível do mar nos sítios classificados como Património Mundial da UNESCO.

O Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, o centro histórico do Porto, parte das vinhas da ilha do Pico e a zona central de Angra do Heroísmo estão entre dezenas de sítios classificados como Património Mundial pela UNESCO que podem ficar debaixo de água devido ao aumento da temperatura da Terra, segundo um estudo científico publicado esta quarta-feira. Mas não é para já. Nem para o fim do século. Será nos próximos dois mil anos.

Nessa altura, a civilização humana, se ainda existir, será completamente diferente. Mas a subida do nível do mar será em grande parte um reflexo do que está a acontecer agora, com a crescente concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera.

O estudo – realizado pelos investigadores Ben Marzeion, da Universidade de Innsbruck, na Áustria, e Anders Levermann, da Universidade de Potsdam, na Alemanha – baseia-se em modelos sobre a expansão térmica do oceano e o derretimento do gelo dos glaciares, da Antárctida e da Gronelândia. Tudo somado, por cada grau adicionado à temperatura do planeta, o mar ficará em média 2,3 metros mais elevado ao fim de dois milénios, em comparação com agora.

As consequências deste aumento podem ser brutais, em vários sentidos. Mas o estudo procurou avaliar um aspecto de que se tem falado pouco: o que acontecerá com aquilo que a humanidade considera ser os seus maiores tesouros culturais.

Combinando a subida do nível do mar com a topografia do planeta, os cientistas concluem que, se a temperatura se mantiver três graus Celsius acima do nível pré-industrial, as águas poderão submergir parcialmente 136 sítios classificados como Património Mundial – ou 19% dos 720 que hoje existem. Com cinco graus Celsius a mais, o número sobe para 149 (21%).

Mesmo que a temperatura se mantenha ao nível actual – 0,8 graus acima dos valores anteriores à Revolução Industrial –, 47 sítios têm os dias contados, embora sejam muitos milhares de dias, caso não se tomem medidas de adaptação. “Dada a escala milenar da vida do dióxido de carbono na atmosfera, os nossos resultados indicam que são necessárias decisões fundamentais sobre o património cultural da humanidade”, escrevem os autores do artigo.

A longa lista de sítios em risco inclui monumentos emblemáticos, como a Estátua da Liberdade ou a Torre de Londres, e muitas zonas históricas de cidades como Bruges, Nápoles e São Petersburgo.

Publicado na revista Environmental Research Letters, o estudo identifica especificamente o aumento de temperatura a partir do qual cada local fica ameaçado. Em Portugal, o centro de Angra do Heroísmo já está comprometido com os actuais 0,8 graus Celsius a mais do que na era pré-industrial. As vinhas do Pico ficarão com 1,3 graus a mais, o Mosteiro dos Jerónimos com 1,6 graus e o centro do Porto com 2,5 graus.

Na prática, três destes quatro sítios portugueses estarão em risco mesmo se a humanidade conseguir manter o aumento da temperatura a dois graus Celsius. Este objectivo está expresso em acordos internacionais, mas a sua concretização depende de mudanças profundas no uso da energia, hoje largamente baseado na queima de combustíveis fósseis.

O património natural é apenas a ponta do icebergue de um vasto conjunto de efeitos muito mais problemáticos que a subida do nível do mar pode ter no futuro. O próprio estudo estima que entre 2,2 e 10,5% da população mundial vivem em zonas que podem ficar alagadas, caso a Terra fique um a cinco graus mais quente, respectivamente. Treze países – sobretudo pequenas nações-ilhas do Pacífico – podem perder mais de 50% da sua área.

Tudo isto poderá acontecer em dois mil anos, um prazo dilatado em comparação com a escala de décadas que está na agenda política climática. Mas, para o físico Filipe Duarte Santos, nomeado recentemente pelo Governo para rever a estratégia de gestão da zona costeira em Portugal, faz sentido raciocinar a longuíssimo prazo. “É absolutamente legítimo pensar nisso”, afirma.


Os oceanos, diz o investigador, absorvem 90% do excesso de energia que resulta do actual desequilíbrio térmico da Terra. “O que se vai passar durante centenas de anos é que a energia térmica se vai propagar no oceano em profundidade”, completa. “Não há muitas hipóteses de inverter isso.”

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