sábado, 7 de junho de 2014

Nos mercados já se está à espera que o BCE faça mais




Nos mercados já se está à espera que o BCE faça mais

Sérgio Aníbal
06/06/2014 - PÚBLICO

Euro resiste e não cumpre para já o desejo de depreciação formulado pelo BCE. Vítor Constâncio limita as expectativas, dizendo que é preciso esperar até ao final do ano para perceber qual o impacto das medidas tomadas.
No dia seguinte ao Banco Central Europeu (BCE) ter lançado a política mais expansionista da sua história, os mercados reagiram com muita cautela e com o sentimento geral de que mais cedo ou mais tarde Mario Draghi terá de fazer mais. No BCE contudo a prioridade parece ser já a de reduzir as expectativas em relação a novas medidas, ao mesmo tempo que, na Alemanha, o sentimento prevalente é que já se foi longe demais.

Depois de ter baixado as taxas de juro (colocando a taxa de depósito pela primeira vez em terreno negativo), anunciado novos empréstimos de longo prazo a taxas baixas para os bancos no valor de 400 mil milhões de euros e acabado com a esterilização das compras de obrigações feitas no passado, uma das coisas que o BCE está à espera que o euro reduza o seu valor face às restantes divisas mundiais. É lógico que tal aconteça, uma vez que as medidas que o banco central está a lançar fazem aumentar a oferta de euros nos mercados, e o BCE deseja que tal se torne realidade porque o actual euro forte é, como assume o próprio Mario Draghi, uma das causas para que retoma da economia europeia seja mais lenta e a taxa de inflação fique tão baixa.

No entanto, nas reacções imediatas ao anúncio de medidas do BCE, o euro resiste. Caiu face ao dólar durante a primeira hora após a conferência de imprensa de Draghi na quinta-feira, mas acabou o dia já a subir. Esta sexta-feira, o seu valor manteve-se estável, praticamente sem qualquer alteração.

Esta capacidade de resistência da moeda única tem surpreendido desde o início do ano, num cenário em que a progressiva retirada de estímulo da Fed em conjunto com uma atitude mais activa do BCE faria prever o contrário. Nos primeiros quatro meses registou uma subida de 4%, que muito tem contribuído para que a inflação na zona euro esteja a aproximar-se cada vez mais de zero.

O que aconteceu nas horas a seguir às decisões do BCE, segundo a generalidade dos analistas de mercados citados pelas agências noticiosas internacionais, é que os mercados, adivinhando futuras compras de activos por parte do BCE, decidiram investir em obrigações e acções europeias, o que aliás conduziu durante esta sexta-feira a uma descida das taxas de juro da dívida pública (incluindo da portuguesa) e uma subida do valor das acções. Ao investirem em activos denominados em euros, a moeda evitou uma descida.

O problema para o banco central é que, mesmo depois de ter usado vários dos instrumentos que tem à disposição, se arrisca a ficar muito rapidamente pressionado a fazer mais. Bastará uma nova descida imprevista da inflação para que nas vésperas de uma nova reunião mensal do conselho de governadores, os mercados se ocupem a fazer apostas em relação à disponibilidade do BCE para agir, nomeadamente através de uma compra de activos, o instrumento de política monetária mais poderoso contra a deflação.

Essa expectativa é reforçada pelo facto de, na quinta-feira, Mario Draghi ter não só assinalado que o BCE intensificou a preparação de um programa de compra de créditos titularizados, como voltou a não colocar de lado a hipótese de se começarem a comprar obrigações em larga escala, caso tal se revelasse necessário.

Esta sexta-feira, contudo, os responsáveis máximos do BCE entraram numa clara gestão de expectativas. Vítor Constâncio, o vice-presidente do banco, disse que será preciso esperar até ao final do ano para que se perceba o verdadeiro impacto das medidas tomadas. “Só depois da segunda tranche do empréstimo [de longo prazo aos bancos] em Dezembro é que iremos avaliar o impacto, porque nessa altura a avaliação aos bancos estará completa e estes saberão qual é a sua situação”, afirmou o ex-governador do Banco de Portugal. Constâncio explicou ainda em que circunstâncias extremas é que o BCE avançaria para um programa agressivo de compra de obrigações. “Se virmos um género de círculo vicioso a emergir da inflação [baixa], uma desancoragem das expectativas e um choque externo que crie uma espiral reversiva, tal exigiria um programa vasto de compras de activos”, afirmou, citado pela Reuters.

Jens Weidman, o presidente do Bundesbank, foi ainda mais decidido a colocar de lado novas medidas a curto prazo, dizendo que “é preciso esperar mais tempo para ver o impacto” e que “seria absurdo” que se começasse já a falar de novas medidas. Weidman votou favoravelmente em relação às medidas aprovadas na quinta-feira, mas deixou agora claro que “houve uma forte discussão” no BCE.

O presidente do banco central alemão sentiu no seu país o incómodo criado pela estratégia mais agressiva para fazer subir a inflação. “Já se foram os dias em que os guardiões da moeda europeia se focavam apenas na estabilidade de preços como se os fantasmas da inflação de 1923 espreitassem em cada esquina”, escreve-se na edição desta sexta-feira do jornal alemão Sueddeutsche Zeitung. Jürgen Stark, um ex-membro do conselho executivo do BCE que se demitiu em 2011 em desacordo com Mario Draghi, acusou o banco central de estar apenas a tentar ajudar os países periféricos à custa da zona euro como um todo. “Esta é uma tentativa, que se pode dizer desesperada, de colocar o crédito a fluir outra vez, mas os problemas estruturais destes países não se resolvem desta maneira.

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