Nos mercados já se está à espera que o BCE faça mais
Sérgio Aníbal
06/06/2014 - PÚBLICO
Euro resiste e não cumpre para já o desejo de depreciação
formulado pelo BCE. Vítor Constâncio limita as expectativas, dizendo que é
preciso esperar até ao final do ano para perceber qual o impacto das medidas
tomadas.
No dia seguinte ao Banco Central Europeu (BCE) ter lançado a
política mais expansionista da sua história, os mercados reagiram com muita
cautela e com o sentimento geral de que mais cedo ou mais tarde Mario Draghi
terá de fazer mais. No BCE contudo a prioridade parece ser já a de reduzir as
expectativas em relação a novas medidas, ao mesmo tempo que, na Alemanha, o
sentimento prevalente é que já se foi longe demais.
Depois de ter baixado as taxas de juro (colocando a taxa de
depósito pela primeira vez em terreno negativo), anunciado novos empréstimos de
longo prazo a taxas baixas para os bancos no valor de 400 mil milhões de euros
e acabado com a esterilização das compras de obrigações feitas no passado, uma
das coisas que o BCE está à espera que o euro reduza o seu valor face às
restantes divisas mundiais. É lógico que tal aconteça, uma vez que as medidas
que o banco central está a lançar fazem aumentar a oferta de euros nos
mercados, e o BCE deseja que tal se torne realidade porque o actual euro forte
é, como assume o próprio Mario Draghi, uma das causas para que retoma da
economia europeia seja mais lenta e a taxa de inflação fique tão baixa.
No entanto, nas reacções imediatas ao anúncio de medidas do
BCE, o euro resiste. Caiu face ao dólar durante a primeira hora após a
conferência de imprensa de Draghi na quinta-feira, mas acabou o dia já a subir.
Esta sexta-feira, o seu valor manteve-se estável, praticamente sem qualquer
alteração.
Esta capacidade de resistência da moeda única tem
surpreendido desde o início do ano, num cenário em que a progressiva retirada
de estímulo da Fed em conjunto com uma atitude mais activa do BCE faria prever
o contrário. Nos primeiros quatro meses registou uma subida de 4%, que muito
tem contribuído para que a inflação na zona euro esteja a aproximar-se cada vez
mais de zero.
O que aconteceu nas horas a seguir às decisões do BCE,
segundo a generalidade dos analistas de mercados citados pelas agências
noticiosas internacionais, é que os mercados, adivinhando futuras compras de activos
por parte do BCE, decidiram investir em obrigações e acções europeias, o que
aliás conduziu durante esta sexta-feira a uma descida das taxas de juro da
dívida pública (incluindo da portuguesa) e uma subida do valor das acções. Ao
investirem em activos denominados em euros, a moeda evitou uma descida.
O problema para o banco central é que, mesmo depois de ter
usado vários dos instrumentos que tem à disposição, se arrisca a ficar muito
rapidamente pressionado a fazer mais. Bastará uma nova descida imprevista da
inflação para que nas vésperas de uma nova reunião mensal do conselho de
governadores, os mercados se ocupem a fazer apostas em relação à
disponibilidade do BCE para agir, nomeadamente através de uma compra de
activos, o instrumento de política monetária mais poderoso contra a deflação.
Essa expectativa é reforçada pelo facto de, na quinta-feira,
Mario Draghi ter não só assinalado que o BCE intensificou a preparação de um
programa de compra de créditos titularizados, como voltou a não colocar de lado
a hipótese de se começarem a comprar obrigações em larga escala, caso tal se
revelasse necessário.
Esta sexta-feira, contudo, os responsáveis máximos do BCE
entraram numa clara gestão de expectativas. Vítor Constâncio, o vice-presidente
do banco, disse que será preciso esperar até ao final do ano para que se
perceba o verdadeiro impacto das medidas tomadas. “Só depois da segunda tranche
do empréstimo [de longo prazo aos bancos] em Dezembro é que iremos avaliar o
impacto, porque nessa altura a avaliação aos bancos estará completa e estes
saberão qual é a sua situação”, afirmou o ex-governador do Banco de Portugal.
Constâncio explicou ainda em que circunstâncias extremas é que o BCE avançaria
para um programa agressivo de compra de obrigações. “Se virmos um género de
círculo vicioso a emergir da inflação [baixa], uma desancoragem das
expectativas e um choque externo que crie uma espiral reversiva, tal exigiria
um programa vasto de compras de activos”, afirmou, citado pela Reuters.
Jens Weidman, o presidente do Bundesbank, foi ainda mais
decidido a colocar de lado novas medidas a curto prazo, dizendo que “é preciso
esperar mais tempo para ver o impacto” e que “seria absurdo” que se começasse
já a falar de novas medidas. Weidman votou favoravelmente em relação às medidas
aprovadas na quinta-feira, mas deixou agora claro que “houve uma forte
discussão” no BCE.
O presidente do banco central alemão sentiu no seu país o
incómodo criado pela estratégia mais agressiva para fazer subir a inflação. “Já
se foram os dias em que os guardiões da moeda europeia se focavam apenas na
estabilidade de preços como se os fantasmas da inflação de 1923 espreitassem em
cada esquina”, escreve-se na edição desta sexta-feira do jornal alemão
Sueddeutsche Zeitung. Jürgen Stark, um ex-membro do conselho executivo do BCE
que se demitiu em 2011 em desacordo com Mario Draghi, acusou o banco central de
estar apenas a tentar ajudar os países periféricos à custa da zona euro como um
todo. “Esta é uma tentativa, que se pode dizer desesperada, de colocar o
crédito a fluir outra vez, mas os problemas estruturais destes países não se
resolvem desta maneira.
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