Milhares de espanhóis pedem na rua um referendo à monarquia
Sofia Lorena
02/06/2014 - PÚBLICO
No próprio dia do anúncio da abdicação de Juan Carlos,
dezenas e dezenas de cidades de Espanha foram palco de concentrações pela
defesa da república.
Manifestações em Espanha não são algo raro e, nos últimos
anos, tornaram-se habituais os protestos convocados por grupos de activistas de
forma quase espontânea, através das redes sociais. Foi isso que aconteceu esta
segunda-feira: horas depois do anúncio da abdicação do rei Juan Carlos, dezenas
de milhares de pessoas manifestaram-se em defesa da república e da realização
de um referendo onde os espanhóis possam dizer se querem continuar a viver numa
monarquia.
Em Madrid, segundo a polícia, citada pelo El País, ao
final do dia estavam pelo menos 20 mil pessoas concentradas na Porta do Sol. Em
Barcelona, na igualmente central e simbólica Praça da Catalunha, juntaram-se
umas 5000 pessoas, entre bandeiras independentistas catalãs e bandeiras
republicanas de Espanha.
Na Catalunha, que no final de 2012 pôr em marcha um
processo que o governo regional quer ver terminado com um referendo sobre a
independência – recusado como inconstitucional pelo Governo de Madrid e pelos
maiores partidos nacionais –, a abdicação do rei, num contexto de crise das
instituições, não pode ser dissociada das ambições independentistas que as
sondagens mostram ser partilhadas por pouco mais de 50% dos catalães.
No centro da Praça da Catalunha, no chão, foi então
deitada uma grande estelada, a bandeira independentista da região, ao lado de
uma outra com a frase “Queremos votar 9N 2014”. Artur Mas, o
presidente da Generalitat (governo regional), e os partidos com representação
parlamentar pró-referendo anunciaram a realização da consulta para o dia 9 de
Novembro deste ano. Entretanto, o Executivo conservador de Mariano Rajoy tem
feito tudo para travar esse processo – em Abril, Partido Popular e socialistas
chumbaram na Assembleia Nacional o pedido do parlamento catalão para avançar
com a consulta.
O líder catalão lamentou então que no Congresso que os
grandes partidos (PP e PSOE) se tenham “entrincheirado atrás de umas leis sem
entenderem que se essas leis são usadas para negar a realidade não mudam a
realidade, só fazem com que o problema ganhe raízes”. Depois, prometeu esgotar
todas as vias legais para referendar a independência. A Assembleia Nacional
Catalã, grupo da sociedade civil que organizou as grandes marchas pró-referendo
dos últimos dois anos, já fixou até uma data, 23 de Abril de 2015, para a
proclamação da independência.
Mas as manifestações espontâneas do final do dia e do início da noite em defesa da realização de um referendo sobre a monarquia não se limitaram às duas maiores cidades espanholas. Na Catalunha, aconteceram ainda em Tarragona, Girona ou Lleida. No País Basco, 2000 pessoas juntaram-se no centro de Bilbao, enquanto 3000 se manifestavam numa praça de Sevilha, na Andaluzia. Valência, Saragoça e Granada juntaram perto de 2000 manifestantes cada. Em Salamanca houve mais de mil na rua.
As convocatórias, feitas e difundidas através das redes
sociais, chegaram a dezenas de cidades europeias, incluindo Porto, Bruxelas,
Paris ou Berlim, palco de protestos de dimensões naturalmente mais reduzidas.
À maior das manifestações, a da capital espanhola,
juntaram-se cinco deputados do Esquerda Unida (IU), partido que pediu logo pela
manhã a convocatória de um referendo, encabeçados pelo coordenador geral do
partido, Cayo Lara.
Os desafios de
Felipe VI, o sucessor do rei Juan Carlos
Nuno Ribeiro
03/06/2014 – PÚBLICO
Pode a monarquia sobreviver ao fim do “juancarlismo”, a
forma como o actual monarca exerceu o seu cargo?
Quando, ainda este mês, for coroado Felipe VI, o
primogénito do rei Juan Carlos tem pela frente uma agenda carregada. Um
autêntico caderno de encargos. São vários dos desafios de Felipe VI que parte
para a missão com o cognome oficioso de “o preparado”.
“Nem o rei está cansado, nem o príncipe impaciente”. A
frase é da rainha Sofia e esta declaração no livro La Reina Muy de Cerca, “A
Rainha de perto”, teve o efeito contrário ao pretendido. O objectivo, a poucos
dias do monarca fazer 70 anos, era acabar com os rumores que, já há seis anos,
tornavam credível a abdicação. De que o rei morreria na cama. O resultado, no
entanto, foi o relançamento da polémica.“O rei está consciente das críticas, doem-lhe mais as da direita, as que o acusam de falta de actuação na defesa da unidade de Espanha”, disse ao PÚBLICO, na altura, o historiador Charles Powell. As primeiras manifestações, ainda ontem, de sectores republicanos e nacionalistas que aproveitam o anúncio da abdicação para pedir um referendo sobre a vigência da monarquia, revelam a acuidade da questão. Este é o primeiro desafio do futuro monarca.
A novidade é que a polémica ocorre quando a popularidade das instituições democráticas em Espanha, Coroa incluída, está num mau momento. “Darão um bonito casal para o exílio”, diziam dois jovens, na Praça 2 de Maio de Madrid, no dia do casamento de Felipe com Letizia. Era uma manifestação alternativa à margem dos festejos oficiais de 22 de Maio de 2004, e quem o dizia representava uma minoria. Hoje, a sucessão é marcada, como o próprio monarca o disse esta quinta-feira, pela necessidade de um novo impulso.
É certo que as consequências das pressões nacionalistas, pois a discussão da Monarquia vem de mão dada com a independência de alguns dos territórios, são travadas por Bruxelas pelas disposições do Tratado de Lisboa que consagra a estabilidade das fronteiras dos Estados-membros. Mas não é menos verdade que episódios recentes, afectando os usos e costumes da Família Real, delapidaram o antigo prestígio. Alicerçado num paradoxo curioso: mais que monárquicos, os espanhóis foram “juancarlistas” – adeptos de Juan Carlos – a quem agradeceram o seu papel no fim da ditadura.
Se Felipe ainda conheceu Franco, o seu percurso foi em democracia. Não teve, nem podia ter pela idade, qualquer papel histórico decisivo. E ter sido porta-estandarte da delegação espanhola aos Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992 é, para os críticos da unidade de Espanha, um cartão-de-visita de má memória. Saberá Felipe VI tornear o problema? De que capital dispõe para a tarefa?
Preparado para rei, Felipe Juan Pablo Alfonso de Todos los Santos de Bourbón e Grécia, teve uma educação diferente à do seu pai. Em Espanha, frequentou o colégio privado “Los Rosales”, de Pozuelo de Alarcón, mas afastou-se dos filhos-família. Esteve em universidades espanholas normais e nas obrigatórias Academias Militares. Estudou, ainda, no Lakefield College School e na Universidade de Georgetown. Um percurso cosmopolita para um mundo global.
Será suficiente este curriculum para os desafios? Tão importante como a preparação é a capacidade de comunicar e comungar os problemas dos seus concidadãos. A “monarquia de proximidade”, na qual Juan Carlos sempre foi exímio.
Com 46 anos, terá cumplicidades geracionais na política, como o pai, e a sua liderança será reconhecida pela juventude espanhola, como a dos anos 70 se reviu na de Juan Carlos? Casou com a divorciada Letizia Ortiz, da classe média/baixa, antiga pivot de telejornais. Será suficiente para a aproximação à sociedade? Na sua vida pessoal, depois dos namoros com a aristocrata Isabel Sartorius e a modelo Eva Sannum, mais que aguardada é exigida contenção. As companhias femininas fizeram estragos na popularidade do seu pai.
No século XXI, a cumplicidade masculina de outrora não favorece sondagens nem desempenhos. Com poderes limitados constitucionalmente, pode denunciar problemas e flagelos – como o desemprego juvenil –, mas sem decidir. Não tem o poder de influência republicano. Com tais limitações só tem uma solução. O futuro monarca terá de fazer gestos claros. De discrição e contenção. Sem exibicionismo social, malvisto numa sociedade com profundas cicatrizes devido à crise económica. E manter afastada do Palácio da Zarzuela a ganga da corte que o seu pai nunca permitiu.
Só assim poderá lidar com os escândalos que afectam Iñaki Urdangarin, marido da sua irmã Cristina, que em poucos anos de negócios e tráfico de influências trabalhou mais contra o prestígio da monarquia que todas as campanhas dos republicanos espanhóis. Afastar os afectos e impor a razão de Estado é outro dos desafios.
“Encara a estabilidade, tem maturidade e preparação para
uma nova etapa”, garantiu Juan Carlos, falando, aos espanhóis, do seu filho. O
mesmo monarca que, há três anos, pediu desculpa pelo seu comportamento com uma
aristocrata alemã numa caçada no Botswana, recorreu ao capital de sinceridade
então conquistado. A resposta aos desafios virá no discurso da coroação. Se
Felipe VI conquistar os espanhóis, será Felipe, o continuador do
“juancarlismo”. Se assim for, não viverá sobressaltos.
Manifestações marcadas para várias cidades espanholas.
Um protesto em frente ao consulado de Espanha no Porto é
uma das mais de uma dezena de manifestações marcadas para esta segunda a exigir
a realização de um referendo espanhol sobre o futuro da monarquia.
Protestos
começaram a ser convocados pelas redes sociais poucos minutos depois do
anúncio, hoje, da abdicação do rei Juan Carlos, e já estão previstos para dezenas
de localidades espanholas, onde contam com o apoio de partidos e movimentos
civis.
“
Após 39 anos de falsa democracia, após 39 anos de monarquia, cai o bipartidarismo e cairá a monarquia. Agora chegou o tempo de um processo constitucional e uma democracia real”, adianta o texto.
Fonte da Delegação do Governo, em Madrid, afirmou ainda não ter recebido, para já, qualquer pedido de autorização de um protesto na Puerta del Sol.
Sem comentários:
Enviar um comentário