terça-feira, 3 de junho de 2014

Milhares de espanhóis pedem na rua um referendo à monarquia. Porto junta-se a cidades espanholas com protestos contra monarquia.

 






Milhares de espanhóis pedem na rua um referendo à monarquia



Sofia Lorena

02/06/2014 - PÚBLICO

No próprio dia do anúncio da abdicação de Juan Carlos, dezenas e dezenas de cidades de Espanha foram palco de concentrações pela defesa da república.

Manifestações em Espanha não são algo raro e, nos últimos anos, tornaram-se habituais os protestos convocados por grupos de activistas de forma quase espontânea, através das redes sociais. Foi isso que aconteceu esta segunda-feira: horas depois do anúncio da abdicação do rei Juan Carlos, dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se em defesa da república e da realização de um referendo onde os espanhóis possam dizer se querem continuar a viver numa monarquia.

Em Madrid, segundo a polícia, citada pelo El País, ao final do dia estavam pelo menos 20 mil pessoas concentradas na Porta do Sol. Em Barcelona, na igualmente central e simbólica Praça da Catalunha, juntaram-se umas 5000 pessoas, entre bandeiras independentistas catalãs e bandeiras republicanas de Espanha.

Na Catalunha, que no final de 2012 pôr em marcha um processo que o governo regional quer ver terminado com um referendo sobre a independência – recusado como inconstitucional pelo Governo de Madrid e pelos maiores partidos nacionais –, a abdicação do rei, num contexto de crise das instituições, não pode ser dissociada das ambições independentistas que as sondagens mostram ser partilhadas por pouco mais de 50% dos catalães.

No centro da Praça da Catalunha, no chão, foi então deitada uma grande estelada, a bandeira independentista da região, ao lado de uma outra com a frase “Queremos votar 9N 2014”. Artur Mas, o presidente da Generalitat (governo regional), e os partidos com representação parlamentar pró-referendo anunciaram a realização da consulta para o dia 9 de Novembro deste ano. Entretanto, o Executivo conservador de Mariano Rajoy tem feito tudo para travar esse processo – em Abril, Partido Popular e socialistas chumbaram na Assembleia Nacional o pedido do parlamento catalão para avançar com a consulta.

O líder catalão lamentou então que no Congresso que os grandes partidos (PP e PSOE) se tenham “entrincheirado atrás de umas leis sem entenderem que se essas leis são usadas para negar a realidade não mudam a realidade, só fazem com que o problema ganhe raízes”. Depois, prometeu esgotar todas as vias legais para referendar a independência. A Assembleia Nacional Catalã, grupo da sociedade civil que organizou as grandes marchas pró-referendo dos últimos dois anos, já fixou até uma data, 23 de Abril de 2015, para a proclamação da independência.

Mas as manifestações espontâneas do final do dia e do início da noite em defesa da realização de um referendo sobre a monarquia não se limitaram às duas maiores cidades espanholas. Na Catalunha, aconteceram ainda em Tarragona, Girona ou Lleida. No País Basco, 2000 pessoas juntaram-se no centro de Bilbao, enquanto 3000 se manifestavam numa praça de Sevilha, na Andaluzia. Valência, Saragoça e Granada juntaram perto de 2000 manifestantes cada. Em Salamanca houve mais de mil na rua.

 Em Palma de Maiorca, segundo os jornais espanhóis, os manifestantes também ultrapassaram os mil, enquanto que Badajoz, Cáceres e Mérida (Extremadura) foram cenário da concentração de várias centenas de pessoas.

As convocatórias, feitas e difundidas através das redes sociais, chegaram a dezenas de cidades europeias, incluindo Porto, Bruxelas, Paris ou Berlim, palco de protestos de dimensões naturalmente mais reduzidas.

À maior das manifestações, a da capital espanhola, juntaram-se cinco deputados do Esquerda Unida (IU), partido que pediu logo pela manhã a convocatória de um referendo, encabeçados pelo coordenador geral do partido, Cayo Lara.






Os desafios de Felipe VI, o sucessor do rei Juan Carlos


Nuno Ribeiro

03/06/2014 – PÚBLICO


Pode a monarquia sobreviver ao fim do “juancarlismo”, a forma como o actual monarca exerceu o seu cargo?

Quando, ainda este mês, for coroado Felipe VI, o primogénito do rei Juan Carlos tem pela frente uma agenda carregada. Um autêntico caderno de encargos. São vários dos desafios de Felipe VI que parte para a missão com o cognome oficioso de “o preparado”.
“Nem o rei está cansado, nem o príncipe impaciente”. A frase é da rainha Sofia e esta declaração no livro La Reina Muy de Cerca, “A Rainha de perto”, teve o efeito contrário ao pretendido. O objectivo, a poucos dias do monarca fazer 70 anos, era acabar com os rumores que, já há seis anos, tornavam credível a abdicação. De que o rei morreria na cama. O resultado, no entanto, foi o relançamento da polémica.
“O rei está consciente das críticas, doem-lhe mais as da direita, as que o acusam de falta de actuação na defesa da unidade de Espanha”, disse ao PÚBLICO, na altura, o historiador Charles Powell. As primeiras manifestações, ainda ontem, de sectores republicanos e nacionalistas que aproveitam o anúncio da abdicação para pedir um referendo sobre a vigência da monarquia, revelam a acuidade da questão. Este é o primeiro desafio do futuro monarca.

A novidade é que a polémica ocorre quando a popularidade das instituições democráticas em Espanha, Coroa incluída, está num mau momento. “Darão um bonito casal para o exílio”, diziam dois jovens, na Praça 2 de Maio de Madrid, no dia do casamento de Felipe com Letizia. Era uma manifestação alternativa à margem dos festejos oficiais de 22 de Maio de 2004, e quem o dizia representava uma minoria. Hoje, a sucessão é marcada, como o próprio monarca o disse esta quinta-feira, pela necessidade de um novo impulso.

É certo que as consequências das pressões nacionalistas, pois a discussão da Monarquia vem de mão dada com a independência de alguns dos territórios, são travadas por Bruxelas pelas disposições do Tratado de Lisboa que consagra a estabilidade das fronteiras dos Estados-membros. Mas não é menos verdade que episódios recentes, afectando os usos e costumes da Família Real, delapidaram o antigo prestígio. Alicerçado num paradoxo curioso: mais que monárquicos, os espanhóis foram “juancarlistas” – adeptos de Juan Carlos – a quem agradeceram o seu papel no fim da ditadura.

Se Felipe ainda conheceu Franco, o seu percurso foi em democracia. Não teve, nem podia ter pela idade, qualquer papel histórico decisivo. E ter sido porta-estandarte da delegação espanhola aos Jogos Olímpicos de Barcelona de 1992 é, para os críticos da unidade de Espanha, um cartão-de-visita de má memória. Saberá Felipe VI tornear o problema? De que capital dispõe para a tarefa?
Preparado para rei, Felipe Juan Pablo Alfonso de Todos los Santos de Bourbón e Grécia, teve uma educação diferente à do seu pai. Em Espanha, frequentou o colégio privado “Los Rosales”, de Pozuelo de Alarcón, mas afastou-se dos filhos-família. Esteve em universidades espanholas normais e nas obrigatórias Academias Militares. Estudou, ainda, no Lakefield College School e na Universidade de Georgetown. Um percurso cosmopolita para um mundo global.
Será suficiente este curriculum para os desafios? Tão importante como a preparação é a capacidade de comunicar e comungar os problemas dos seus concidadãos. A “monarquia de proximidade”, na qual Juan Carlos sempre foi exímio.

Com 46 anos, terá cumplicidades geracionais na política, como o pai, e a sua liderança será reconhecida pela juventude espanhola, como a dos anos 70 se reviu na de Juan Carlos? Casou com a divorciada Letizia Ortiz, da classe média/baixa, antiga pivot de telejornais. Será suficiente para a aproximação à sociedade? Na sua vida pessoal, depois dos namoros com a aristocrata Isabel Sartorius e a modelo Eva Sannum, mais que aguardada é exigida contenção. As companhias femininas fizeram estragos na popularidade do seu pai.

No século XXI, a cumplicidade masculina de outrora não favorece sondagens nem desempenhos. Com poderes limitados constitucionalmente, pode denunciar problemas e flagelos – como o desemprego juvenil –, mas sem decidir. Não tem o poder de influência republicano. Com tais limitações só tem uma solução. O futuro monarca terá de fazer gestos claros. De discrição e contenção. Sem exibicionismo social, malvisto numa sociedade com profundas cicatrizes devido à crise económica. E manter afastada do Palácio da Zarzuela a ganga da corte que o seu pai nunca permitiu.

Só assim poderá lidar com os escândalos que afectam Iñaki Urdangarin, marido da sua irmã Cristina, que em poucos anos de negócios e tráfico de influências trabalhou mais contra o prestígio da monarquia que todas as campanhas dos republicanos espanhóis. Afastar os afectos e impor a razão de Estado é outro dos desafios.

“Encara a estabilidade, tem maturidade e preparação para uma nova etapa”, garantiu Juan Carlos, falando, aos espanhóis, do seu filho. O mesmo monarca que, há três anos, pediu desculpa pelo seu comportamento com uma aristocrata alemã numa caçada no Botswana, recorreu ao capital de sinceridade então conquistado. A resposta aos desafios virá no discurso da coroação. Se Felipe VI conquistar os espanhóis, será Felipe, o continuador do “juancarlismo”. Se assim for, não viverá sobressaltos.

 
Porto junta-se a cidades espanholas com protestos contra monarquia

 Lusa 02/06/2014 - 17:28

Manifestações marcadas para várias cidades espanholas.

Um protesto em frente ao consulado de Espanha no Porto é uma das mais de uma dezena de manifestações marcadas para esta segunda a exigir a realização de um referendo espanhol sobre o futuro da monarquia.

Protestos começaram a ser convocados pelas redes sociais poucos minutos depois do anúncio, hoje, da abdicação do rei Juan Carlos, e já estão previstos para dezenas de localidades espanholas, onde contam com o apoio de partidos e movimentos civis.

 A primeira convocatória foi para um protesto na praça Puerta del Sol em Madrid, hoje às 22h (21h em Lisboa), que rapidamente se alargou a outras cidades e ao estrangeiro - há protestos em cidades como Paris, Bruxelas e Berlim.
“Depois da abdicação do rei da Espanha, o seu filho mais velho (e masculino) será declarado o novo Rei, por herança. Dada esta anormalidade democrática, as redes sociais responderam convocando protestos em todo o país para pedir um referendo sobre a monarquia”, refere uma das notas distribuídas.

Após 39 anos de falsa democracia, após 39 anos de monarquia, cai o bipartidarismo e cairá a monarquia. Agora chegou o tempo de um processo constitucional e uma democracia real”, adianta o texto.

Fonte da Delegação do Governo, em Madrid, afirmou ainda não ter recebido, para já, qualquer pedido de autorização de um protesto na Puerta del Sol.

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