Como vai responder a política ao 25 de Maio?
“Se queremos salvar a Europa,
temos de a mudar.”
Análise Jorge
Almeida Fernandes / 1 jun 2014 / PÚBLICO
A reacção aos resultados das eleições
europeias, à esquerda e à direita, começou em registo de alarme: “surto da
extremadireita”; “vaga eurófoba”, “maré populista”. Lendo os resultados mais
atentamente, verificamos que os partidos neofascistas recuaram; que aumentou o
voto populista de esquerda; e que, sobretudo, cresceram os partidos de direita
radical e os conservadores eurocépticos.
Em lugar de falar
em ascensão da extrema-direita deve falarse em surto do eurocepticismo e de uma
pulsão nacionalista para os países se fecharem sobre si mesmos. Bruxelas e o
euro tornaram-se um “federador dos descontentamentos”. Assinala-se também o
desgaste dos sistemas políticos, um inquietante descrédito da política e dos
partidos do “sistema”.
Uma análise dos
efeitos começa inevitavelmente pela França, não só por ter sido
o caso
“impressionante” da noite de 25 de Maio, mas pela engrenagem que pode
desencadear na Europa.
É inútil
minimizar a vitória de Marine Le Pen. A FN foi o partido mais votado e com uma
vantagem clara (cinco pontos sobre a direita conservadora e dez sobre o PS). Não
foi surpresa, confirmou meses de sondagens. Não foi a abstenção que provocou o
seu triunfo. Multiplicou por oito o número de mandatos em Bruxelas. Está a
fidelizar os eleitores. Alargou a implantação no eleitorado popular. Foi o
partido-líder na faixa dos 18-35 anos. Marine Le Pen prepara desde já as
presidenciais de 2017: sem uma mudança substancial na relação de forças, é
candidata a disputar a segunda volta.
O contexto é mais
preocupante do que os números. Continua a crescer o eurocepticismo e a
desconfiança dos franceses perante a política atinge níveis recorde. “Em 2009,
o nível de desconfiança era já muito elevado. Hoje tornou-se vertiginoso”,
observa Pascal Perrineaud, responsável pelo Barómetro da Confiança Política,
anualmente realizado pelo Centre de Recherches Politiques de Sciences Po
(Cevipof ).
Em 2009, 48% dos
franceses pensavam que a democracia funcionava mal. Hoje são 69%. “A degradação
é espectacular e a desconfiança geral, ao reforçar-se, acaba por lançar dúvidas
sobre o próprio mecanismo democrático”, explica Perrineau. Metade dos
inquiridos são seduzidos por uma democracia de tipo “bonapartista”, dirigida
por “um homem forte que não tenha de se preocupar nem com o Parlamento nem com
eleições”.
Escreve o Monde
que “o 25 de Maio é mais grave do que o 21 de Abril”. Em 21 de Abril de 2002 a eliminação do
socialista Lionel Jospin por Jean-Marie Le Pen, na primeira volta das
presidenciais, provocou um “sobressalto democrático”. E agora? “A vitória histórica
da FN numa eleição nacional não provoca uma reacção colectiva, como se o
encefalograma democrático permanecesse desesperadamente plano.”
Hollande tem a
confiança de apenas 18% dos franceses. Acusam-no de “sonambulismo”. A UMP
(direita liberal e conservadora) está enredada em escândalos e crises internas.
Maioria e oposição, ambas descoladas da realidade, perdem dia a dia a
capacidade de iniciativa — na França e na Europa.
Por que importa
tanto o resultado das europeias? Não faltam os diagnósticos. Observa Pieter
Cleppe, do think tank Open Europe: “O voto de protesto terá um enorme impacto
nos partidos e nas políticas nacionais. O surto desses partidos pode tornar particularmente
difícil centralizar poderes na UE, especialmente no relativo à gestão da
crise.”
Os governos
europeus e a UE defrontam-se com múltiplos problemas. Em primeiro lugar não
podem ignorar o significado do voto de protesto. Volta-se a citar a famosa
fórmula de Laurent Fabius, nos anos 1980, quando era primeiro-ministro: “A
Frente Nacional levanta as verdadeiras questões e dá as respostas erradas.” Com
todas as suas simplificações, os populistas têm o mérito de pôr o dedo numa
ferida sensível: não apenas a crise, mas o estado da política e o mal-estar
democrático na Europa. O seu programa — escreveu há anos o historiador
anglo-americano Tony Judt — é “um prolongado grito de ressentimento — contra os
imigrantes, o desemprego, o crime e a insegurança, a ‘Europa’, e em geral
‘contra eles’, que provocaram isto”.
O ressentimento
actual — assinalou o espanhol José Ignacio Torreblanca — tem muito a ver com o
fatídico ano de 2011: “A letal combinação de hesitações, preconceitos, miopia,
falta de liderança, divisões entre os países e uma exasperante lentidão
institucional conseguiu converter uma profunda crise económica numa crise
existencial que pôs em causa a sobrevivência do euro.” A crise não é apenas
económica, “mas também política e de legitimidade, já que dentro da UE se abriu
uma brecha entre elites e cidadãos e entre devedores e credores”.
Por outro lado,
esta crise — na senda das reacções à globalização — reabriu e radicalizou o
debate sobre federalismo e Estado-nação. A responsabilidade começa nos Estados,
governos e partidos nacionais, incapazes de dar um horizonte de esperança aos cidadãos.
Foi a mola da vitória de Le Pen. Nestas eleições só os populistas tinham uma
“oferta política forte”.
A “onda
populista” não foi geral e teve notáveis excepções como
“Sem um governo
em Paris que disponha de um mandato popular europeísta não parece viável
nenhuma iniciativa que modifique o actual quadro das instituições europeias”,
argumenta o economista italiano Carlo Bastasin. “O voto em Le Pen é um poderoso
aviso sobre os perigos da inacção. Os populistas não podem desmantelar a UE.
Mas uma França debilitada pode”, alerta o analista Philip Stephans, do
Financial Times.
Escreve no Monde
o filósofo alemão Wolf Lepenies: “Se não fossem os resultados das eleições na
Grã-Bretanha, poder-se-ia minimizar o sucesso eleitoral da FN e, a despeito da
ascensão dos eurocépticos e partidos antieuropeus noutros países, tomá-lo como
uma ‘excepção francesa’. É o triunfo dos antieuropeus de Nigel Farage que faz
da vitória da FN um mau presságio político para a Europa.” E enfraquece a UE
perante os Estados Unidos.
A Itália de
Matteo Renzi não pode ocupar o papel da França, mas abre uma janela. Renzi diz
algo que deve ser escutado noutras capitais europeias: “Se a Itália e outros
países têm problemas, não é por culpa da Europa.” O imobilismo europeu é que
agrava esses problemas. “Se queremos salvar a Europa, temos de a mudar.”
A nova força de
Roma decorre do exemplo. “A única maneira de ser credível na Europa não está
ligada aos 40,8% do Partido Democrático, mas ao facto de se apresentar com
medidas que permitem aos outros acreditar que desta vez a Itália faz as coisas
com seriedade. (...) Se fizermos reformas e formos credíveis, [o populismo] não
terá futuro.”
A construção
europeia sempre foi feita de sobressaltos. Fica a pergunta: como vai responder
a política ao 25 de Maio?
Sem comentários:
Enviar um comentário