domingo, 1 de junho de 2014

Como vai responder a política ao 25 de Maio? “Se queremos salvar a Europa, temos de a mudar.”

“Assinala-se também o desgaste dos sistemas políticos, um inquietante descrédito da política e dos partidos do “sistema”.

Perante isto, o espectáculo a que fomos obrigados a assistir nos últimos dias, espectáculo aliás preparado, maquiavélicamente com larga antecedência, de perfilamento com ameaças e anúncio de “caminhos abertos” ... demonstra, visto de uma perspectiva Europeia e perante os verdadeiros desafios para o prestígio  da Classe Política e do respectivo Sistema, um total autismo e consequentemente uma deprimente e erosiva irresponsabilidade.
António Sérgio Rosa de Carvalho

Como vai responder a política ao 25 de Maio?
“Se queremos salvar a Europa, temos de a mudar.”
Análise Jorge Almeida Fernandes / 1 jun 2014 / PÚBLICO


 A reacção aos resultados das eleições europeias, à esquerda e à direita, começou em registo de alarme: “surto da extremadireita”; “vaga eurófoba”, “maré populista”. Lendo os resultados mais atentamente, verificamos que os partidos neofascistas recuaram; que aumentou o voto populista de esquerda; e que, sobretudo, cresceram os partidos de direita radical e os conservadores eurocépticos.
Em lugar de falar em ascensão da extrema-direita deve falarse em surto do eurocepticismo e de uma pulsão nacionalista para os países se fecharem sobre si mesmos. Bruxelas e o euro tornaram-se um “federador dos descontentamentos”. Assinala-se também o desgaste dos sistemas políticos, um inquietante descrédito da política e dos partidos do “sistema”.
Uma análise dos efeitos começa inevitavelmente pela França, não só por ter sido
o caso “impressionante” da noite de 25 de Maio, mas pela engrenagem que pode desencadear na Europa.
É inútil minimizar a vitória de Marine Le Pen. A FN foi o partido mais votado e com uma vantagem clara (cinco pontos sobre a direita conservadora e dez sobre o PS). Não foi surpresa, confirmou meses de sondagens. Não foi a abstenção que provocou o seu triunfo. Multiplicou por oito o número de mandatos em Bruxelas. Está a fidelizar os eleitores. Alargou a implantação no eleitorado popular. Foi o partido-líder na faixa dos 18-35 anos. Marine Le Pen prepara desde já as presidenciais de 2017: sem uma mudança substancial na relação de forças, é candidata a disputar a segunda volta.

O contexto é mais preocupante do que os números. Continua a crescer o eurocepticismo e a desconfiança dos franceses perante a política atinge níveis recorde. “Em 2009, o nível de desconfiança era já muito elevado. Hoje tornou-se vertiginoso”, observa Pascal Perrineaud, responsável pelo Barómetro da Confiança Política, anualmente realizado pelo Centre de Recherches Politiques de Sciences Po (Cevipof ).
Em 2009, 48% dos franceses pensavam que a democracia funcionava mal. Hoje são 69%. “A degradação é espectacular e a desconfiança geral, ao reforçar-se, acaba por lançar dúvidas sobre o próprio mecanismo democrático”, explica Perrineau. Metade dos inquiridos são seduzidos por uma democracia de tipo “bonapartista”, dirigida por “um homem forte que não tenha de se preocupar nem com o Parlamento nem com eleições”.
Escreve o Monde que “o 25 de Maio é mais grave do que o 21 de Abril”. Em 21 de Abril de 2002 a eliminação do socialista Lionel Jospin por Jean-Marie Le Pen, na primeira volta das presidenciais, provocou um “sobressalto democrático”. E agora? “A vitória histórica da FN numa eleição nacional não provoca uma reacção colectiva, como se o encefalograma democrático permanecesse desesperadamente plano.”
Hollande tem a confiança de apenas 18% dos franceses. Acusam-no de “sonambulismo”. A UMP (direita liberal e conservadora) está enredada em escândalos e crises internas. Maioria e oposição, ambas descoladas da realidade, perdem dia a dia a capacidade de iniciativa — na França e na Europa.
Por que importa tanto o resultado das europeias? Não faltam os diagnósticos. Observa Pieter Cleppe, do think tank Open Europe: “O voto de protesto terá um enorme impacto nos partidos e nas políticas nacionais. O surto desses partidos pode tornar particularmente difícil centralizar poderes na UE, especialmente no relativo à gestão da crise.”
Os governos europeus e a UE defrontam-se com múltiplos problemas. Em primeiro lugar não podem ignorar o significado do voto de protesto. Volta-se a citar a famosa fórmula de Laurent Fabius, nos anos 1980, quando era primeiro-ministro: “A Frente Nacional levanta as verdadeiras questões e dá as respostas erradas.” Com todas as suas simplificações, os populistas têm o mérito de pôr o dedo numa ferida sensível: não apenas a crise, mas o estado da política e o mal-estar democrático na Europa. O seu programa — escreveu há anos o historiador anglo-americano Tony Judt — é “um prolongado grito de ressentimento — contra os imigrantes, o desemprego, o crime e a insegurança, a ‘Europa’, e em geral ‘contra eles’, que provocaram isto”.
O ressentimento actual — assinalou o espanhol José Ignacio Torreblanca — tem muito a ver com o fatídico ano de 2011: “A letal combinação de hesitações, preconceitos, miopia, falta de liderança, divisões entre os países e uma exasperante lentidão institucional conseguiu converter uma profunda crise económica numa crise existencial que pôs em causa a sobrevivência do euro.” A crise não é apenas económica, “mas também política e de legitimidade, já que dentro da UE se abriu uma brecha entre elites e cidadãos e entre devedores e credores”.
Por outro lado, esta crise — na senda das reacções à globalização — reabriu e radicalizou o debate sobre federalismo e Estado-nação. A responsabilidade começa nos Estados, governos e partidos nacionais, incapazes de dar um horizonte de esperança aos cidadãos. Foi a mola da vitória de Le Pen. Nestas eleições só os populistas tinham uma “oferta política forte”.
A “onda populista” não foi geral e teve notáveis excepções como
“Sem um governo em Paris que disponha de um mandato popular europeísta não parece viável nenhuma iniciativa que modifique o actual quadro das instituições europeias”, argumenta o economista italiano Carlo Bastasin. “O voto em Le Pen é um poderoso aviso sobre os perigos da inacção. Os populistas não podem desmantelar a UE. Mas uma França debilitada pode”, alerta o analista Philip Stephans, do Financial Times.
Escreve no Monde o filósofo alemão Wolf Lepenies: “Se não fossem os resultados das eleições na Grã-Bretanha, poder-se-ia minimizar o sucesso eleitoral da FN e, a despeito da ascensão dos eurocépticos e partidos antieuropeus noutros países, tomá-lo como uma ‘excepção francesa’. É o triunfo dos antieuropeus de Nigel Farage que faz da vitória da FN um mau presságio político para a Europa.” E enfraquece a UE perante os Estados Unidos.
A Itália de Matteo Renzi não pode ocupar o papel da França, mas abre uma janela. Renzi diz algo que deve ser escutado noutras capitais europeias: “Se a Itália e outros países têm problemas, não é por culpa da Europa.” O imobilismo europeu é que agrava esses problemas. “Se queremos salvar a Europa, temos de a mudar.”
A nova força de Roma decorre do exemplo. “A única maneira de ser credível na Europa não está ligada aos 40,8% do Partido Democrático, mas ao facto de se apresentar com medidas que permitem aos outros acreditar que desta vez a Itália faz as coisas com seriedade. (...) Se fizermos reformas e formos credíveis, [o populismo] não terá futuro.”

A construção europeia sempre foi feita de sobressaltos. Fica a pergunta: como vai responder a política ao 25 de Maio?

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