Volta todas as manhãs
PSD
: A nova vida de Santana Lopes
BÁRBARA REIS / PÚBLICO
A maior parte dos portugueses estaria a dormir quando Pedro
Santana Lopes fez o que foi descrito como “o mais relevante” discurso do
congresso do PSD. Exagero ou não, foi diferente. Santana já não é apenas “mais
um” político. É provedor da Santa Casa da Misericórdia e — graças a Deus e
graças a Pedro Passos Coelho, para citar o próprio — acabou por ser o único a
falar do “país real”. E foi assim: “Ser primeiro-ministro é muito complicado.
Ser presidente de câmara também, presidente de junta também. Mas confesso-vos —
eu que já desempenhei as funções públicas que desempenhei — que não fazia ideia
do que é ser provedor de uma misericórdia, ainda por cima em tempo de crise. O
telefone toca de manhã à noite, por razões que nós tendemos a esquecer, até
para nos defendermos, para não sofrermos. Imaginam quantas pessoas me falam
preocupadas com o sítio onde podem instalar os seus pais já velhinhos, porque
os hospitais, caro Pedro Passos Coelho, não podem ficar com as pessoas de idade
quando elas já não têm esperança de vida e porque os hospitais, porque têm
também de poupar, não querem que elas lá fiquem quando já não há esperança de
tratamento?”
Vale a pena ouvir o discurso. Santana colocou-o no Facebook.
E valeria a pena, fica-se a pensar, que, se Santana Lopes precisou de chegar
aos 57 anos para descobrir o mundo, que a solução para o problema da política
portuguesa está encontrada. Basta virar o sistema de pernas para o ar. Tal como
se definem objectivos para a aprendizagem das crianças (primeiro aprendem as letras,
depois a desenhá-las, a seguir a juntá-las e, passado uns anos, é garantido que
escrevem e lêem com saber), os políticos têm de começar a sua carreira — e não
acabar — como provedores de uma misericórdia.
O modelo tem fragilidades. Ou haveria menos políticos ou
multiplicávamos as misericórdias. Mas evitaríamos que Santana descobrisse tão
tarde que “só quando nos sentamos lá, numa daquelas cadeiras [de um lar de
terceira idade], cheios de saudades da família, à espera do dia, pensamos: o
tempo que eu perdi, as responsabilidades que eu tive e o que eu deixei de fazer
por tanta gente que precisava que eu tivesse feito alguma coisa”.
A vida, concluiu Santana, “dá muitas voltas”. É verdade.
Sendo inteligente e um competente orador de massas, Santana antecipou a
hipótese do cinismo. “E vão dizer: este agora por ser provedor acha que tem
mais sensibilidade que os outros? Não! Tenho obrigação de dar testemunho do que
vou vendo no dia-a-dia. É esta a realidade do país concreto, que ainda sofre, e
sofre muito.”
Fica portanto a proposta: antes de se ser presidente de uma
junta, de câmara, deputado na Assembleia da República, secretário de Estado,
ministro, primeiro-ministro e Presidente, os políticos têm de começar pela
Misericórdia.
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