Poder votar
sem poder escolher: o problema do Euro nas democracias europeias
Face ao sentimento de
austeridade permanente e de retrocesso do bem-estar em Itália, o que estamos a
assistir é um regresso das preferências dos eleitores pela forma de governação
económica tradicional do país — inflação e moeda fraca.
JOSÉ PEDRO TEIXEIRA FERNANDES
1 de Junho de 2018, 7:39
1. Os eleitores podem votar em partidos com programas
anti-Euro, ou anti-União Europeia, mas tais partidos devem ser impedidos de
governar se puserem em causa as regras de governação da Zona Euro. Esta é uma
regra (limitação) que não está inscrita nos Tratados europeus, nem nas
constituições nacionais, mas é praticamente consensual entre o establishment
europeísta. É vista como uma necessária "válvula de segurança" para
preservar a integração — a excepção a esse consenso era o Reino Unido, que está
da saída da União Europeia. Mas na actual União são crescentes as tensões entre
essa regra, ou prática europeísta, e o princípio da escolha democrática a nível
nacional. As últimas eleições legislativas em Itália, ocorridas a 4/03/2018,
mostraram, de uma forma aguda, essas tensões. Está em curso um choque entre a
governação da Zona Euro, tal como está prevista nos Tratados e — sobretudo — é
posta em prática pelas instituições europeias (Comissão, BCE e
Conselho/Eurogrupo), e as escolhas dos eleitores nacionais em vários Estados.
Importa lembrar que o vencedor em Itália foi o Movimento 5 Estrelas (M5S), de
Luigi Di Maio, com 32,7% e, de alguma forma também, a Liga de Matteo Salvini
com 17,4% dos sufrágios. Assim, cerca de 50% do eleitorado votou em partidos
contestatários da União Europeia, ou, pelo menos, das suas políticas, na sua
formulação e prática actual. A tensão entre o Euro, tal como foi arquitectado a
nível europeu, e as escolhas políticas democráticas que podem ser feitas a
nível nacional, merece assim, uma análise.
2. É necessário não iludir a realidade. A economia italiana,
tal como a generalidade das economias do Sul da Europa, tem evidenciado
importantes dificuldades em adaptar-se às regras de governação económica da
Zona Euro. Em Itália, uma parte substancial da população vê — com maior ou
menor fundamento —, na perda da soberania monetária uma causa maior dos seus
problemas económicos e de bem-estar. Na memória estão os tempos de dinamismo
económico da Itália dos anos 1980, quando dispunha de moeda nacional (a lira).
O contexto actual parece corroborar essa percepção comum. Numa altura em que a
Zona Euro voltou a ter níveis de crescimento económicos bastante significativos
(média de 2,5% em 2017), a Itália ficou entre os mais baixos (1,5%). O país
acumula também uma das dívidas públicas mais elevadas da Zona Euro e do mundo
(131,8% do PIB). A par da Itália, o problema é, como já notado, um problema
mais generalizado, com intensidades variáveis, afectando o Sul da Europa, com a
dívida pública a atingir na Grécia 178,6 % do PIB, em Portugal 125,7 % e em
Espanha 98,3%. Para termos um padrão de comparação, esse valor é de 9% na
Estónia, 56,7% na Holanda, 61,4% na Finlândia e 64,1% na Alemanha.
3. "Embora a questão mais urgente seja a de conter a
insolvência potencial em que se encontram os países do grupo ‘Euro fraco’, a
questão verdadeiramente central é a de esclarecer se os países deste grupo se
conseguem adaptar às exigências do regime monetário do Euro, sem sacrificar a
capacidade de realizar o seu potencial económico e de satisfazer as aspirações
de bem-estar das respectivas sociedades. Ou se apenas conseguirão atingir este
desiderato deixando a união monetária e regressando a um regime monetário com
que viveram mais confortavelmente pelo menos as três décadas anteriores à
criação da moeda única.” Essa foi a questão crucial levantada, de forma
particularmente lúcida, por Vítor Bento durante a grave crise que afectou a
Zona Euro entre 2010 e 2015. Ao contrário do que se poderia pensar, o questão
não foi ultrapassada pela recuperação económica ocorrida a partir de 2015.
Estamos perante um problema estrutural, não resolvido da Zona Euro. Como este
notou também, o Euro juntou, "sob um mesmo regime monetário, dois grupos
de países habituados a conviver com regimes monetários ajustados à sua cultura
e às preferências sociais que dela emanam, diferentes entre si, e conducentes a
divergentes resultados económicos. De um lado, um regime monetário
inclinadamente inflacionário e gerador de uma moeda fraca, e, do outro, um regime
comprometido com a estabilidade de preços e gerador de uma moeda forte."
Antes do Euro, a tradição de governo económico em Itália, de inflação e moeda
fraca como instrumentos de manter a competitividade da sua economia, sempre
esteve do lado do primeiro.
4. Face ao sentimento de austeridade permanente e de
retrocesso do bem-estar em Itália, o que estamos a assistir é um regresso das
preferências dos eleitores pela forma de governação económica tradicional do
país — inflação e moeda fraca. O problema fundamental é que esta colide com a
lógica instituída na Zona Euro. Poderia ser apenas um conflito de visões
divergentes sobre a política monetária e económica. Mas a questão adquire uma nova intensidade —
nacionalismo versus europeísmo —, pelo facto de as regras da Zona Euro serem as
usuais da Alemanha do pós-guerra e da Europa do Norte. Para uns, são sinónimo
de um benévolo e necessário “europeísmo”. Para outros, de uma malévola
imposição "estrangeira" (alemã) aos italianos. No já referido
"Euro Forte, Euro Fraco" de Vítor Bento, há também pistas para
compreender este problema que reemergiu. "A arquitectura institucional
definida para governar a Zona Euro alinhou-se pelo regime ‘Euro forte’
[Alemanha / Europa do Norte], pelo que os países do grupo habituado ao outro regime
[Itália / Europa do Sul], para poderem ter sucesso económico dentro da
União", necessitam de modificar "os seus comportamentos
compatibilizando-os com os requisitos do regime monetário comum." Por
outras palavras, necessitam, como já dito, de se adaptar (submeter para os mais
críticos), a uma lógica de governação europeia fundamentalmente moldada pela
Alemanha e Norte da Europa. A recusa do Presidente da República Italiana,
Sergio Mattarella — um político do centro europeísta —, de Paolo Savona como
Ministro da Economia e Finanças num governo de coligação entre M5S e a Liga é o
choque frontal destas duas visões. O “pecado” de Paolo Savona seria ter um
“Plano B” para uma possível saída de Itália do Euro. E ser também um forte
contestatário do domínio monetário germânico da União Europeia, chamando ao
Euro uma “prisão alemã”.
5. Poder votar sem poder escolher é a visão que se começa a
instalar em muitos cidadãos eleitores não apenas em Itália, mas um pouco por
toda a União Europeia. Acaba por colocar em causa a própria legitimidade da
governação democrática. Encarregar Carlo Cottarelli — um tecnocrata do sector
financeiro e antigo director do FMI — de formar um governo é uma solução muito
discutível do ponto de vista democrático. Mesmo tendo em conta que, dada a
falta de apoio parlamentar, será provavelmente um governo de mera gestão até
novas eleições. Mas o recurso a essa “válvula de segurança” para preservar a
integração europeia de Itália poderá ter um efeito inverso, amplificando o
sentimento anti-Euro/anti-União Europeia. Reforça o argumento de Matteo Salvini
da Liga, de que a Itália é “um país de soberania limitada” e a sondagens
comprovam-no: dão-lhe uma subida para 25% das intenções de voto dos eleitores,
em parte à custa da descida do M5S par 27,5%. Numa hipotética coligação
eleitoral entre a Liga e o M5S os dois partidos poderiam mesmo vencer em cerca
de 90% dos círculos uninominais. Assim, iludir o voto dos eleitores, mesmo que
com a intenção de os proteger de “más escolhas”, traz, potencialmente, problemas
políticos (ainda mais) graves. Corrompe a lógica da escolha democrática. A
Itália é apenas a face mais visível de um problema estrutural da construção
europeia, sempre adiado. A questão é saber se este é resolúvel pela
"reforma da Zona Euro", seja o que for que isto signifique em
concreto. A via tecnocrática pode ir
mantendo a arquitectura do Euro e a estabilidade económica-financeira, mas
colide com escolhas democráticas nacionais. Mais tarde ou mais, a contradição,
se não for ultrapassada, vai tornar-se explosiva.
European commission
president says Italy’s problems can’t all be blamed on the EU
Stephanie Kirchgaessner in Rome and Daniel Boffey in
Brussels
Thu 31 May 2018 17.41 BST First published on Thu 31 May 2018
11.22 BST
Days after the Italian president, Sergio Mattarella,
defended Italy’s place in the eurozone against the country’s populist leaders,
the president of the European commission said he was in “deep love” with “bella
Italia”, but could not accept that all the country’s problems should be blamed
on the EU or the commission.
“Italians have to take care of the poor regions of Italy.
That means more work; less corruption; seriousness,” Juncker said. “We will
help them as we always did. But don’t play this game of loading with
responsibility the EU. A country is a country, a nation is a nation. Countries
first, Europe second.”
Officials in Brussels and markets around the world are
awaiting the outcome of ongoing talks between Italy’s two populist leaders,
Luigi Di Maio of the Five Star Movement (M5S) and Matteo Salvini of the
far-right League, on forming a new government.
After making the remarks during a question and answer
session in Brussels, Juncker added it would be best to be “silent and prudent
and cautious” this week, whenever he was asked about Italy. “I have full
confidence in the genius of the Italian people,” he said.
Talks between Di Maio and Salvini have revived hopes that
Italy might stave off a snap election, a prospect that shook Italian markets
this week because of fears that a new poll might bolster populist and anti-euro
forces in the country.
Juncker’s comments are likely to be met with scorn among
some in Italy, as officials including Mattarella have sought to allay growing
feelings of animosity towards Brussels and doubts about the benefits of
inclusion in the eurozone.
Mattarella vetoed a proposal to appoint a vehemently
anti-euro economist, Paolo Savona, to serve as finance minister. The move was
deeply controversial and was initially met with calls for his impeachment, but
Mattarella sought to justify his decision with a rousing defence of Italy’s
role in the eurozone, and spoke of the importance of sending the right signals
to the markets.
Matteo Salvini, leader of the far-right League, at a rally
for local elections in Tuscany on Wednesday. Photograph: Riccardo Dalle
Luche/EPA
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His move was praised by European leaders, and it prompted
Donald Tusk, president of the European council, to admonish a German budget
commissioner who had suggested that a collapse in the markets might teach
Italians not to vote for populists. “We are there to serve them, not to lecture
them,” Tusk said in response to Günther Oettinger’s remarks.
Italian press reports have indicated that any agreement to
form a new government involving the League, formerly known as the Northern
League, and M5S would include the nomination – again – of Giuseppe Conte, a
formerly obscure law professor, to serve as prime minister.
But Di Maio and Salvini are expected to back down on their
earlier insistence that Savona should serve as finance minister.
There were also small indications that the populists would
try to assure the markets they were not planning any big moves to hasten an
Italian exit from the euro.
In Milan, a roadside sign outside the headquarters of the
League that had previously declared “Basta Euro!” – a call to leave the
currency – was painted over overnight.
Mattarella, who would have to formally approve the new
government’s leader and slate of ministers, signalled on Wednesday evening that
he was ready to install a technocratic government if a deal could not be
reached, but decided to give Di Maio and Salvini more time to draw up a list of
ministers that could be accepted by all parties.
The decision to “slow things down” – taken three months
after an election that resulted in a hung parliament – was an attempt to try to
head off a snap election, which would have to be held if the political impasse
lasts much longer.
A bitter row between Mattarella and the two populists at the
weekend had prompted the latter to step back – at least temporarily – from
their plan to assume power.
On Sunday night, Mattarella refused to endorse the
nomination of Savona for the finance brief, setting off a chain of events that
caused turmoil on Italian markets: Conte resigned as prime minister-in-waiting
and new elections appeared to be imminent, worrying markets and officials in
Brussels. Their concern was that new elections could strengthen populist gains
in Italy, leading to even greater uncertainty about the country’s future in the
eurozone.
Those fears were slightly allayed on Wednesday after Di Maio
opened the door to new talks with Salvini, and suggested he was open to
reaching a compromise that could satisfy Mattarella’s objections.
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