domingo, 17 de junho de 2018

Aprovação do Museu Judaico violou regras urbanísticas para Alfama



Aprovação do Museu Judaico violou regras urbanísticas para Alfama

Juízes que aceitaram providência cautelar contra o projecto dizem que as demolições não foram suficientemente justificadas, como impunham as normas da própria câmara.

João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 15 de Junho de 2018, 21:36

O Tribunal Central Administrativo do Sul entende que a Câmara Municipal de Lisboa violou o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e da Colina do Castelo (PUNHACC) ao autorizar a demolição de casas no Largo de São Miguel para a construção do Museu Judaico.

No acórdão que determinou a suspensão das obras e condenou a autarquia a pagar as custas judiciais de duas instâncias, os juízes dizem que “não podia ter sido autorizada a demolição do edificado”, uma vez que a mesma “só podia ser autorizada se, através de uma vistoria municipal, fosse reconhecido o preenchimento de alguma das condições” previstas no artigo 10º do PUNHACC, que se refere às demolições. Ora, não só não houve qualquer vistoria municipal, como nenhuma das condições do plano se verificava.

Escrevem os juízes: “O edificado existente no local previsto para a construção do Museu Judaico – e do edifício de apoio – não se encontra em ruína iminente, nem existe uma impossibilidade técnica de recuperação ou reabilitação do mesmo, nem uma inviabilidade técnica ou económica de reabilitação do mesmo, por motivo de ruína parcial ou deficiência grave a nível estrutural ou funcional.” Pelo menos uma destas condições teria de se verificar para a demolição ser legal.

A inexistência de uma vistoria dos serviços da câmara é reconhecida pela própria autarquia. Numa informação elaborada pelo Departamento de Projectos Estruturantes a 22 de Setembro de 2016 (um dia depois de o museu ser anunciado publicamente), lê-se a dado ponto que “quanto à viabilidade de demolição das construções existentes, não foi apresentada uma justificação suficiente, designadamente um relatório detalhado do estado de conservação dos edifícios”. A técnica que assina o documento submete “à consideração superior aceitar a demolição” sem mais análise aos edifícios. O processo é despachado favoravelmente pelas várias chefias.

Os juízes lembram que o facto de a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) ter dado consentimento ao projecto do museu não bastava, por si só, para licenciá-lo. Dizem mesmo que a DGPC “apenas” foi chamada a pronunciar-se porque a obra estava prevista para um local abrangido pelas zonas de protecção do Castelo de São Jorge (Monumento Nacional) e da Igreja de São Miguel (Imóvel de Interesse Público). “Face a tal parecer favorável, cumpria ao município de Lisboa determinar se as restantes normas aplicáveis aos pedidos de licenciamento ora em causa eram (ou não) respeitadas, pois caso não fossem não podia aprovar tais pedidos”, lê-se no acórdão.

Os edifícios a ser demolidos para a construção do museu foram comprados pela câmara e os inquilinos que neles havia foram despejados. Depois, a câmara fez um direito de superfície a favor da Associação de Turismo de Lisboa (ATL) para que esta construísse e explorasse o museu. Posteriormente, a ATL apresentou o projecto à câmara, que o deferiu. É esse processo que agora está suspenso, por ordem judicial.

A câmara ainda está a avaliar quais os passos que vai tomar de seguida. Já a Associação do Património e População de Alfama (APPA), que pôs a providência cautelar, mostrou agrado pela decisão agora conhecida, mas diz estar consciente de que esta história ainda não acabou. Ainda está a ser analisada uma acção popular, promovida pela mesma associação, que visa anular todo o processo.

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