Aprovação do Museu Judaico violou regras urbanísticas para
Alfama
Juízes que aceitaram providência cautelar contra o projecto
dizem que as demolições não foram suficientemente justificadas, como impunham
as normas da própria câmara.
João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 15 de Junho de 2018, 21:36
O Tribunal Central Administrativo do Sul entende que a
Câmara Municipal de Lisboa violou o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de
Alfama e da Colina do Castelo (PUNHACC) ao autorizar a demolição de casas no
Largo de São Miguel para a construção do Museu Judaico.
No acórdão que determinou a suspensão das obras e condenou a
autarquia a pagar as custas judiciais de duas instâncias, os juízes dizem que
“não podia ter sido autorizada a demolição do edificado”, uma vez que a mesma
“só podia ser autorizada se, através de uma vistoria municipal, fosse
reconhecido o preenchimento de alguma das condições” previstas no artigo 10º do
PUNHACC, que se refere às demolições. Ora, não só não houve qualquer vistoria
municipal, como nenhuma das condições do plano se verificava.
Escrevem os juízes: “O edificado existente no local previsto
para a construção do Museu Judaico – e do edifício de apoio – não se encontra
em ruína iminente, nem existe uma impossibilidade técnica de recuperação ou
reabilitação do mesmo, nem uma inviabilidade técnica ou económica de
reabilitação do mesmo, por motivo de ruína parcial ou deficiência grave a nível
estrutural ou funcional.” Pelo menos uma destas condições teria de se verificar
para a demolição ser legal.
A inexistência de uma vistoria dos serviços da câmara é
reconhecida pela própria autarquia. Numa informação elaborada pelo Departamento
de Projectos Estruturantes a 22 de Setembro de 2016 (um dia depois de o museu
ser anunciado publicamente), lê-se a dado ponto que “quanto à viabilidade de
demolição das construções existentes, não foi apresentada uma justificação
suficiente, designadamente um relatório detalhado do estado de conservação dos
edifícios”. A técnica que assina o documento submete “à consideração superior
aceitar a demolição” sem mais análise aos edifícios. O processo é despachado
favoravelmente pelas várias chefias.
Os juízes lembram que o facto de a Direcção-Geral do
Património Cultural (DGPC) ter dado consentimento ao projecto do museu não bastava,
por si só, para licenciá-lo. Dizem mesmo que a DGPC “apenas” foi chamada a
pronunciar-se porque a obra estava prevista para um local abrangido pelas zonas
de protecção do Castelo de São Jorge (Monumento Nacional) e da Igreja de São
Miguel (Imóvel de Interesse Público). “Face a tal parecer favorável, cumpria ao
município de Lisboa determinar se as restantes normas aplicáveis aos pedidos de
licenciamento ora em causa eram (ou não) respeitadas, pois caso não fossem não
podia aprovar tais pedidos”, lê-se no acórdão.
Os edifícios a ser demolidos para a construção do museu
foram comprados pela câmara e os inquilinos que neles havia foram despejados.
Depois, a câmara fez um direito de superfície a favor da Associação de Turismo
de Lisboa (ATL) para que esta construísse e explorasse o museu. Posteriormente,
a ATL apresentou o projecto à câmara, que o deferiu. É esse processo que agora
está suspenso, por ordem judicial.
A câmara ainda está a avaliar quais os passos que vai tomar
de seguida. Já a Associação do Património e População de Alfama (APPA), que pôs
a providência cautelar, mostrou agrado pela decisão agora conhecida, mas diz
estar consciente de que esta história ainda não acabou. Ainda está a ser
analisada uma acção popular, promovida pela mesma associação, que visa anular
todo o processo.
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