segunda-feira, 18 de junho de 2018

A EDP e a estratégia de Pequim



A EDP e a estratégia de Pequim
18-06-2018 por Bruno Faria Lopes

A OPA sobre a EDP, a concretizar-se, será uma das mais de 100 operações chinesas no sector da energia pelo mundo. A China tem uma estratégia muito ambiciosa para esta área, comercial e geopolítica, o que sugere que não deixará falhar o controlo da EDP - e que poderá vir a pagar mais.

Da compra de 25% da REN em Portugal ao investimento na rede de energia do Chile, passando por um acordo de exportação de energia para o Paquistão, a China vai executando com minúcia de relojoeiro a sua estratégia para a energia. O mapa abaixo, retirado de um excelente artigo no Financial Times (China eyes role as world's power supplier), espelha essa execução. A estratégia é impulsionada directamente pelo Presidente Xi Jinping e tem vários objectivos. A tentativa de controlo da EDP encaixa aí e por isso dificilmente vai falhar - também por isso a actual administração da EDP sabe que é agora que tem poder negocial para melhorar a oferta da China Three Gorges.

Empresas estatais como a Three Gorges e a gigantesca State Grid (a accionista da REN) são as pontas-de-lança de um movimento chinês para criar uma "rede global de interconexão" energética. Nesta rede seria usada a tecnologia de topo de transporte de energia que os chineses aperfeiçoaram para levar energia renovável do interior do País ao litoral. É uma espécie de Internet da energia, um projecto de enorme ambição técnica, comercial e, claro, geopolítica. Poria a China como principal operador energético no mundo. Podia implicar, por exemplo, exportar energia de um país africano para o mercado europeu a um custo mais baixo.
Para Pequim os ganhos não são só comerciais (embora estes sejam enormes: da exportação da energia da suas barragens à criação de um mercado para o seu equipamento eléctrico, passando pelos lucros dos "campeões nacionais"). Há prestígio internacional em jogo. E, mais importante, a expansão numa área tão estrutural como a energia significa também a expansão da influência chinesa em dezenas de países. Tudo isto corre em paralelo com estratégias para liderar nas renováveis e para melhorar a segurança energética. A China importa 60% do petróleo de que precisa e a construção de um pipeline ao longo da Nova Rota da Seda, pela Ásia Central, será um passo importante nesse sentido.

No artigo do FT uma fonte anónima chinesa ligada ao sector energético fala na pressão política de Xi para o sucesso da rede global de energia. A ambição é financiada pelos grandes bancos estatais que acompanham empresas como a Three Gorges e a State Grid. Uma vez compradas, as empresas passam a fazer parte de um projecto industrial diferente daquele que tinham, que obedece naturalmente às prioridades de Pequim.

Por isso percebe-se que a administração de António Mexia puxe pelo preço na OPA à EDP - o comprador pode ir mais longe dado o que está em jogo no grande plano chinês. E percebe-se que, por outro lado, pergunte agora, em nome dos accionistas que ficarem na EDP controlada pelos chineses, qual é o projecto industrial para a empresa - mesmo que estes só precisem de ler bons estudos académicos e a imprensa internacional especializada para terem uma boa ideia sobre o que vai mudar.

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