sexta-feira, 22 de junho de 2018

Associação cultural Maumaus vai ser despejada do edifício onde está desde a fundação, em 1992



Associação cultural Maumaus vai ser despejada do edifício onde está desde a fundação, em 1992

Samuel Alemão
Texto
22 Junho, 2018

Uma das mais prestigiadas associações dedicadas à divulgação e ao ensino da arte contemporânea da cidade de Lisboa, a Maumaus, vai ser despejada do local onde se encontra instalada desde a sua fundação, em 1992, no primeiro andar do prédio com o número 100 do Campo dos Mártires da Pátria. Terá de abandonar, até ao final de 2019, as instalações em que se situa a sua sede e onde também, todos os anos, é ministrado um curso frequentado por alunos portugueses e estrangeiros. Já neste verão, no entanto, a instituição deverá deixar vago o apartamento do piso de cima, no qual acolhe, desde 2011, artistas, académicos e alunos, no âmbito de residências artísticas internacionais por si promovidas. Os responsáveis pela associação queixam-se de terem sido apanhados de surpresa e dizem que a continuidade da mesma está em risco. O senhorio, o artista plástico Manuel San Payo, nega, todavia, estar-se perante qualquer processo de despejo, mas sim de “uma não continuidade ou cessação” do contrato.

A Maumaus, criada pelos fotógrafos Álvaro Rosendo – um dos fundadores da Galeria Monumental, que funciona no rés-do-chão do mesmo prédio -, Paulo Mora e Adriana Freire, tem desenvolvido, ao longo de mais um quarto de século de existência, um intenso trabalho de divulgação, ensino e reflexão sobre a criação artística e o pensamento contemporâneo. Isso mesmo é reconhecido pela Direcção Geral das Artes (DG Artes), no último relatório de avaliação do Concurso ao Programa de Apoio Sustentado 2018-2021 – Artes Visuais, através do qual são avaliadas as candidaturas a apoios por parte da administração central. A proposta de associação foi elogiada, tendo o seu papel sido relevado. “O historial da entidade é relevante e único no contexto nacional, fomentando através do programa de estudos críticos um importante conjunto de actividades (como exposições e conferências) cujo carácter é eminentemente público”, lê-se no documento, que atribuiu à Maumaus a segunda maior pontuação a nível nacional e a primeira na área das artes plásticas.

Dada o historial e relevância da instituição, que mantém uma estreita relação com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) – facto devidamente destacado do relatório de avaliação da DG Artes – e com o Goethe Institut, situado do outro lado do Campo dos Mártires da Pátria, os seus responsáveis encaram a notícia de despejo com perplexidade. “Isto deixa-nos estupefactos, é como um banho de chuva fria. É uma situação totalmente inesperada, que nos coloca numa situação difícil em termos de continuação do projecto, pois acontece no pior dos momentos, apanha-nos no pico de uma bolha imobiliária. Sabemos que será extremamente difícil encontrar um espaço com estas características em Lisboa, neste momento”, diz Jurgen Bock, presidente da associação Maumaus, e que a ela se encontra vinculado praticamente desde o início. Em causa, além da continuidade do trabalho de duas décadas e meia, estarão também quatro postos de trabalho.

A “chuva fria” a que Jurgen se refere chegou pelo correio a 12 de Abril passado, quando uma carta endereçada pelo advogado do senhorio dava conta das intenções deste em não prolongar o vínculo contratual de arrendamento, quer para o apartamento destinado às residências artísticas quer, pior, à fracção onde a Maumaus tem funcionado desde sempre. “Não percebemos esta atitude, sempre cumprimos com os nossos deveres escrupulosamente. Temos uma relação de confiança com as pessoas, desde amigos a colaboradores. Temos projectos feitos nos últimos 25 anos”, diz o responsável pela associação cultural, assumindo o desamparo provocado pela “surpreendente decisão do Manuel San Payo”. Se o fim do contrato de arrendamento do andar destinado às residências causa incómodo – “Nunca houve aqui um qualquer subarrendamento. Isto nunca foi uma máquina de fazer dinheiro”, assegura -, o dano maior está, obviamente, relacionado com a também anunciada saída da sede da associação – que tem ainda, desde há nove anos, uma sala de exposições no espaço Lumiar Cité, situado na Alta de Lisboa e cedido pela CML.

 Jurgen Bock destaca, precisamente, esse interesse institucional, tanto da câmara e do Goethe, como da DG Artes, como um inegável atestado da relevância do trabalho desenvolvido pela Maumaus. E em relação ao espaço Lumiar Cité, o responsável destaca mesmo o trabalho feito junto de uma comunidade que, à partida, não mostraria apetência pelo género de proposta cultural apresentada pela associação, tratando-se uma população maioritariamente desfavorecida. “Inventámos um público para aquele espaço e temos feito um trabalho consistente”, diz, com orgulho. Por tudo isso, Jurgen lamenta que, agora, “se ponha tudo em causa”. “Não quero vitimizar-me. Sempre pagámos renda, não queremos uma coisa gratuita. Queremos é pagar uma renda justa”, afirma, sabendo de antemão que, nas actuais condições do mercado imobiliário, é difícil replicar a situação que têm mantido até agora – pelo menos numa zona tão central da cidade. Por cada um dos apartamentos alugados a Manuel San Payo, a MauMaus desembolsa 650 euros.

 Depois da carta recebida a 12 de Abril, um dos funcionário da associação questionou, no próprio dia, o senhorio sobre a razão da cessão do vínculo contratual. E este ter-lhe-á de pronto confirmado as suas intenções de terminar o arrendamento, sem mais acrescentar. O que terá levado a que, mais tarde, o próprio Jurgen se tivesse dirigido a Manuel San Payo, quando o encontrou nas escadas comuns do prédio, interrogando-o sobre as razões de tal decisão – para a qual, porém, admite a O Corvo, o senhorio “tem legitimidade legal” . O proprietário ter-se-á escusado a responder, o que terá levado o responsável pela Maumaus a insistir sobre as razões de pretender afastar dali uma entidade com trabalho reconhecido na área artística e que até havia sido apadrinhada e apoiada por Luísa San Payo, mãe de Manuel San Payo. Este terá respondido à questão com ironia: “Vou abrir uma fábrica, uma fábrica de queijo.”

 Questionado por O Corvo, por escrito, sobre esta versão dos acontecimentos, Manuel San Payo assegura que a mesma “está tingida de um tom emocional desproporcionado ou excessivamente dramatizado”. “Não há qualquer processo de despejo mas sim uma não continuidade ou cessação de um contrato à qual tenho pleno e inquestionável direito. A surpresa ou não surpresa ultrapassa-me”, diz o proprietário, antes de fazer um enquadramento da inusitada resposta dada a Jurgen Bock. “Quando o sr. Jugen Bock me perguntou à queima roupa: “Queres o prédio todo para ti?”, fiquei sem resposta, uma vez que, querendo ou não, ele já é efectivamente meu. É portanto uma pergunta absurda, que merece uma resposta igualmente absurda. Não devo satisfações ao Sr. Jurgen Bock. Este “caso” está, portanto, mais que encerrado.

 Interrogado por O Corvo sobre se – sendo também ele artista plástico – considera relevante o trabalho desenvolvido pela Maumaus, San Payo escusou-se a responder. “Sobre a relevância ou não da associação não tenho qualquer opinião nem acho que a minha opinião tenha qualquer relevância”, diz, antes de acrescentar: “Independentemente desta história, que é uma não-história, o que sei é que sou livre de ser mecenas de quem muito bem entendo e a mais não me sinto minimamente obrigado”.

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