Competências da Direção de Obras passam para empresa presidida pelo vereador do Urbanismo
MARIANA LIMA CUNHA
Uma “empresa paralela”, “uma espécie de Parque Escolar”, são
algumas das críticas de que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) está a ser alvo
por parte da oposição — CDS e PCP —, depois de o Executivo ter proposto a
transferência de competências da Direção de Obras para a Sociedade de
Reabilitação Urbana Lisboa Ocidental (SRU). A presidência da empresa municipal
passa de uma técnica que estava há 14 anos no cargo para o vereador do
Urbanismo, Manuel Salgado.
A CML mantém, assim, as funções de restauro e conservação de
edifícios na Direção Municipal de Projetos e Obras, transferindo para a SRU
“projetos de investimento” e empreitadas para o quadriénio 2018-2021. A
autarquia justifica a decisão com o facto de “a capacidade de gestão e execução
de obras” daquela direção municipal se encontrar “já próxima do seu limite”. A
construção prevista nas Grandes Opções do Plano para a cidade nos próximos anos
“obriga a um incremento da capacidade de resposta do município”, justifica o
gabinete de Fernando Medina ao Expresso. Por ter executado projetos semelhantes
no passado, a SRU é a empresa mais habilitada para assumir as
responsabilidades. Para a Direção de Obras fica a “importantíssima tarefa de
cuidar da cidade como um todo”. O vereador das Finanças, João Paulo Saraiva,
dizia ao “Público” na semana passada que a construção de “toda a habitação
nova” pela autarquia passaria para a SRU.
Além do acréscimo de competências, a SRU vai mudar a
composição do seu conselho de administração. Saem dois técnicos e entram os
vereadores Manuel Salgado, como presidente (sucedendo a Teresa do Passo), e
João Paulo Saraiva, como vogal. Para a oposição, as mudanças na estrutura da
empresa levantam questões de transparência. João Gonçalves Pereira, vereador do
CDS, compara “esta nova SRU” a “uma espécie de Parque Escolar”: “Muitos
milhões, sem fiscalização, com poderes próprios de aprovação e contratação.” A
preocupação do centrista é que “as obras deixam de ter qualquer escrutínio”:
“Salgado vereador quer passar para Salgado presidente da SRU as obras
municipais. A SRU vai passar a ser a Sociedade do Regabofe Urbano...”
No PCP, o vereador Carlos Moura também aponta o facto de “a
SRU praticamente absorver tudo o que era projetos e obras da CML”, passando a
empresa a estar, na prática, nas mãos dos vereadores socialistas, o que
“esvazia a Câmara, e passa a ser uma Câmara paralela que se exime ao controlo
dos vereadores”. O problema é que as obras da SRU acabam por fugir ao
escrutínio do executivo, sem “discussão na oposição”.
O vereador social-democrata João Pedro Costa explica ao
Expresso que o PSD discorda do modelo a adotar para a SRU, uma vez que, com as
alterações, “o que é trazido é uma empresa para fazer obras”, em vez de uma
empresa que tenha “uma visão de conjunto. A visão fica no gabinete de Manuel
Salgado”. Até porque, embora o PSD admita que “é legítimo que a CML tenha um
mecanismo para dar orientações políticas às empresas municipais”, é preciso
“dar-lhes autonomia” — tanto de gestão das suas atividades como “partidária”.
O Bloco de Esquerda, que com o PS forma maioria no executivo
camarário, partilha de várias destas preocupações. Em respostas enviadas por
escrito, fonte do gabinete do vereador Ricardo Robles afirma que “a nomeação de
dois vereadores da CML para administradores não remunerados da SRU deve ser uma
forma de aumentar o escrutínio sobre a atividade da mesma e também de
responsabilização política”. Confrontada com as questões de transparência
levantadas pelas várias forças políticas, a CML refere ao Expresso que “a
legitimidade sai reforçada”, tendo em conta que Salgado é escolhido pelos
eleitores, e lembra que no Porto existe esta acumulação de responsabilidades.
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