Os emigrantes são a nova
"geringonça"
E ainda há mais um 10
de Junho (que deverá ser celebrado em África) antes das eleições de 2019. E de
2021, pois claro.
SÓNIA SAPAGE
14 de Junho de 2018, 6:47
Os portugueses sabem sempre receber. Seja nos EUA ou em
Paris, há um afecto que nos adocica e que nos transforma em seres
hospitaleiros. Dizem o povo e os turistas. Disse-o também, pelas suas palavras,
o Presidente da República. “Nós, os portugueses, adoramos unir, não dividir”,
explicou Marcelo, em Boston, perante uma plateia de emigrantres e
luso-descendentes.
“Temos uma coisa que é muito nossa: os afectos. Nós gostamos
da nossa Pátria, da nossa gente, mas gostamos das outras pátrias onde vivemos.
Adaptamo-nos bem a tudo: à língua, aos costumes, ao clima, à maneira de ser”,
descreveu. Não era um comício. Não falou de coisas dos políticos. Por isso foi
aplaudido com tanto sentimento.
Entre 1996 e 1997 passei uns tempos no estrangeiro, mais
precisamente em Bordéus, a estudar. Não me lembro de ter ido lá nenhum político
fazer promessas eleitorais e acho que, se tivesse acontecido, me lembrava.
Quando estamos fora do país, tudo o que diz respeito a Portugal tem muito mais
importância. Sobretudo quando acontece pertinho – um concerto, uma loja, uma
festa, uma visita. Lembro-me, por exemplo, que fui a um concerto de Amélia
Muge. As notícias de “casa”, essas, são hipervalorizadas. Ardeu o sótão da
Câmara de Lisboa quando estava fora e, de longe, parecia o fogo do século. E
quem se lembra de nós ganha um cantinho no nosso coração.
A comunidade portuguesa que se espalhou por França, pelo
Brasil ou pelos Estados Unidos - países onde foi celebrado o 10 de Junho desde
que Marcelo é Presidente (porque se Cavaco Silva descentralizou as celebrações
para outros pontos de Portugal, Marcelo exportou-as para outras zonas do Mundo)
- não se vai esquecer destes momentos de pura emoção e de insuflação da
auto-estima. É como quando se come finalmente um pastel de nata e se bebe o
primeiro café, no regresso, depois de um longo período fora do país. O instante
marca-nos.
Agora, António Costa já não está debaixo do chapéu de chuva
que o Presidente segura, mas continua na fotografia. E com um objectivo claro.
Ou dois. O primeiro: lançar uma ofensiva diplomática destinada a redescobrir os
Estados Unidos e a recriar laços entretanto enfraquecidos. Quis o sentido de
oportunidade da diplomacia que o pontapé de saída para essa iniciativa fossem
as comemorações do Dia de Portugal, que levaram uma comitiva de peso para
terras do Tio Sam. O segundo: apresentar às comunidades o novo sistema de
recenseamento eleitoral que muito possivelmente já estará em vigor em 2019 e
que permitirá a qualquer emigrante com cartão do cidadão votar em eleições
nacionais.
Costa nem sequer o escondeu. Em pelo menos dois discursos narrados
pela comunicação social que acompanha a visita, o primeiro-ministro surge a
explicar que com a “recente introdução do recenseamento automático”, qualquer
titular do cartão do cidadão fica “habilitado a participar não só na vida
política dos EUA, mas também nas eleições para o Parlamento e a Presidência da
República em Portugal”. Feitas as contas (pelo secretário de Estado da tutela,
José Luís Carneiro), com este novo sistema os cadernos eleitorais no
estrangeiro podem crescer dos aproximadamente 300 mil eleitores actuais para
uns exactos 1.373.439. A diferença é superior aos votos que Bloco de Esquerda e
CDU tiveram nas legislativas de 2015 - juntos.
A operação de charme fora de portas também faz sentido vista
por este prisma. E ainda há mais um 10 de Junho (que deverá ser celebrado em
África) antes das eleições de 2019. E de 2021, pois claro. Porque este mesmo
caminho dos afectos entre a comunidade portuguesa pode servir duas eleições: as
legislativas e as presidenciais (nas autárquicas os emigrantes votam, mas é nos
países onde vivem). É só a mim que me parece que emigrantes podem ser a nova
"geringonça"?
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