“Esperemos que quando o Artigo 13 for a votos em sessão
plenária este disparate da comissão JURI seja revertido. Mas isso não
acontecerá sem a consciencialização dos cidadãos para o risco que agora
corremos. Porque, sim, o PE é um parlamento poderoso — e pode sê-lo para o bem
e para o mal. Por isso é preciso que todos despertem para o que está em causa
com este artigo que pode ferir de morte a liberdade da net e cortar o pio a
cidadãos que fazem dos conteúdos que nela publicam uma utilização perfeitamente
legítima.”
O Pinto que nos quer cortar o pio
Por uma vez, o voto de
Marinho e Pinto foi decisivo. Logo por azar, as consequências desse voto podem
ser graves para a nossa liberdade de expressão.
RUI TAVARES
22 de Junho de 2018, 6:47
Como representante eleito dos 10 milhões de portugueses e
500 milhões de cidadãos europeus, António Marinho e Pinto iniciou o seu mandato
no Parlamento Europeu em julho de 2014. Umas semanas depois já estava a dizer à
imprensa que o Parlamento Europeu não servia para nada.
Dizer que o PE é inútil não passa em geral da desculpa
típica de quem quer justificar a falta de trabalho do eurodeputado. Pois bem,
esta semana ficámos a saber que há algo pior do que um eurodeputado que não faz
nada: é um eurodeputado que por uma vez faz qualquer coisa e não sabe o que
está a votar. Por uma vez, o voto de Marinho e Pinto foi decisivo. Logo por
azar, as consequências desse voto podem ser graves para a nossa liberdade de
expressão.
Ora, o que se passou é que foi a votos na Comissão de Assuntos
Jurídicos do PE (mais conhecida por JURI) uma diretiva europeia sobre questões
de direitos de autor. Como de costume neste tipo de textos extensos e
abrangentes, há ali muita coisa importante e necessária, mas também pelo menos
um disparate perigoso: trata-se do Artigo 13, que obriga as plataformas na
Internet a instalarem filtros para barrarem conteúdos cujos direitos de autor
tenham sido reclamados por alguém. O Artigo 13 significa, em suma, o
estabelecimento de um método de censura prévia automática para tudo aquilo que
pomos na net. Marinho e Pinto, o único eurodeputado português membro daquela
comissão, votou a favor desta aberração.
É inegável que os autores devem ter o direito a receber pelo
seu trabalho e a rejeitar a publicação da sua obra por terceiros, sob
determinadas condições. Esse não é apenas um direito que reconheço mas do qual
vivo, a partir do que recebo pelos artigos e livros que escrevo e publico.
Mas sei também, tendo passado quase duas décadas a
estudá-los como historiador, qualquer coisa sobre os sistemas de censura
prévia: são sistemas que por natureza violam a liberdade de expressão,
inerentemente propensos a abusos e que, por terem um raio de ação demasiado
largo, acabam por levar a consequências indesejáveis muitíssimo desproporcionais.
Por isso as sociedades democráticas evoluíram para sistemas em que a punição
por qualquer publicação ilegal é feita a posteriori, pelos tribunais e com
direito de recurso. O que o Artigo 13 quer fazer é substituir os censores de
antanho pelas novas tecnologias, tipicamente dominadas pelas grandes empresas,
e ainda por cima disfuncionais. Um filtro automático não sabe se eu estou a
citar uma obra de forma justa ou legítima, para atingir um bem necessário ou
para realizar uma paródia, um meme ou uma remistura, todas elas atividades
legais e corriqueiras de milhões de cidadãos comuns quando estão na net.
Pior: a utilização de material com direitos não é a única
coisa ilegal que se pode publicar na net. A difamação também o é, por exemplo.
Já imaginaram se daqui a uns anos os filtros vos impedem de publicar o que
escreveram sobre alguém ao abrigo da mesma lógica? Outro exemplo: a Hungria
acabou de aprovar uma lei que torna ilegal prestar informação a refugiados para
os ajudar a requerer asilo. Já imaginaram a utilização de filtros para impedir
este tipo de conteúdo? Essa é a porta que o Artigo 13 abre de par em par (em
vez de a limitar a conteúdo criminoso especialmente grave como, por exemplo, a
pornografia infantil).
É por isso que o Artigo 13 levantou o justificado alarme de
gente como Tim Berners-Lee, inventor da web, David Kaye, representante especial
da ONU para a liberdade de expressão, e muitíssimos autores que dependem do
copyright para viver, como Cory Doctorow, mas que percebem que o efeito
inibidor que este artigo cria sobre a liberdade e a criatividade é de uma
gravidade amplamente desproporcional sobre qualquer bem que dele pudesse
resultar.
E o que disse Marinho Pinto quando perguntado sobre o seu
voto a favor deste artigo? Respondeu justificando-se com outro artigo diferente
da mesma diretiva, sobre pagamento a autores pelas ligações eletrónicas aos
seus textos (o qual também tem problemas de redação, mas que nada tem a ver com
os filtros). É o que acontece quando só tarde e a más horas alguém se apercebe
do poder que tem.
Esperemos que quando o Artigo 13 for a votos em sessão
plenária este disparate da comissão JURI seja revertido. Mas isso não
acontecerá sem a consciencialização dos cidadãos para o risco que agora
corremos. Porque, sim, o PE é um parlamento poderoso — e pode sê-lo para o bem
e para o mal. Por isso é preciso que todos despertem para o que está em causa
com este artigo que pode ferir de morte a liberdade da net e cortar o pio a
cidadãos que fazem dos conteúdos que nela publicam uma utilização perfeitamente
legítima.
Sem comentários:
Enviar um comentário