Despejos na Madragoa: “O turista agora sou eu que moro aqui
há 51 anos”
Numa visita a este bairro histórico, o PCP insiste que é
urgente transformar património municipal devoluto em casas que possam ser
arrendadas a preços acessíveis.
SOFIA NEVES 6 de Junho de 2018, 22:40
Não há bairro histórico de Lisboa em que os moradores não
tenham histórias para contar sobre o aumento das rendas ou as ameaças de
despejo. A Madragoa, na freguesia da Estrela, é mais um caso. Nesta
quarta-feira, foi a vez dos vereadores comunistas irem ouvir estas histórias e
insistir que o património municipal seja reabilitado para entrar no mercado a
preços acessíveis.
“Agora se calhar estou sujeita a ir para a rua, ainda não
recebi nenhuma carta mas o mais certo é isso". Ilda Pacheco veio morar
para o Bairro da Madragoa, para casa de uma irmã, com dois anos. Algum tempo
depois casou-se, já lá vão mais de 60 anos, e mudou-se para o prédio em que
mora agora. Ali teve três filhos, um dos quais vive com ela, e viu o marido
falecer.
''Quando para cá vim morar pagava 17€. Depois do meu marido
morrer e a casa passar para meu nome, aumentaram-me a renda para 224€. A minha
reforma é quase para a renda, o meu filho também já se reformou porque teve um
enfarte, ganha 300€ e ajuda com 20€", diz Ilda, enquanto olha com tristeza
para o casal estrangeiro que passa e entra pelas portas do hostel ao fundo da
rua. Apesar do aumento da renda, o senhorio não realizou quaisquer obras, mesmo
faltando parte do telhado e a chuva entrar pela chaminé.
Ilda recorda os tempos em que, nas festas dos santos
populares, a sua rua se enchia de mesas e de vizinhos que partilhavam as
refeições e onde havia música até de manhã. Hoje, no início das festividades
dos santos populares, confessa que não ouviu sequer o ensaio das marchas a
passar.
“Já quase não está cá ninguém... mas eu não saio daqui, se
me arranjarem uma casa aqui eu saio, mas para outro lado não vou”, repete Ilda.
Na casa à sua frente está afixada uma placa onde se lê
‘Património Municipal’. O prédio abandonado é um dos que contribui para o
pacote de cerca de 4000 fogos que pertencem à câmara , diz o vereador do PCP da
câmara de Lisboa, João Ferreira, que visitou a Madragoa com Carlos Moura,
também vereador comunista.
Um dos objectivos do PCP é recuperar este património
disperso pela cidade e torná-lo parte integrante do PACA, o Programa de
Arrendamento a Custos Acessíveis, uma proposta deste partido que foi aprovada
pela câmara em Fevereiro . Prevê que “seja criada uma bolsa onde este
património seja integrado depois de devidamente reabilitado e que seja
arrendado a custos acessíveis, definidos em função não do mercado mas do
rendimento efectivo da família”, explica João Ferreira.
Ao contrário do Programa Renda Acessível (PRA), dirigido a
famílias cujos rendimentos não lhes permitem ter acesso às casas existentes no
mercado e que entrou em vigor no início deste ano, o PACA estende-se a toda a
cidade. João Ferreira afirma que “existe património municipal disperso por
todas as 24 freguesias da cidade".
A primeira fase do PACA está prevista para a zona de
Entrecampos, em Lisboa. A segunda fase só será concretizada “em Outubro, altura
em que a câmara deverá apresentar um inventário do património disperso pronto a
ser reabilitado para que as obras comecem”, remata o vereador Carlos Moura.
Para já, ainda não há uma solução a curto prazo para a população que está a
semanas ou dias de ser despejada.
No número 124 da Rua Vicente Borga mora Luís Tavares há 51
anos. Mas já teve que trocar de casa por causa da chegada de novos
investidores. Em Outubro do ano passado, a sua mãe recebeu uma carta que lhe
dizia que teria de abandonar a casa na qual vivia há 60 anos em troca de uma
indemnização de 35 mil euros, um ínfima parte, diz, do que esta inquilina ali
gastou ao longo dos anos para tornar a casa habitável, incluindo a construção
de casa de banho. A alternativa era mudar-se para o Bairro de São Bento, para
longe do filho que lhe dava de comer e a visitava todos os dias.
Luís ainda foi a tribunal para tentar que a mãe não perdessa
a casa mas o processo prolongou-se durante meses e acabou por ter de a acolher.
“Mudar de casa foi a morte dela”, conta Luís, com lágrimas nos olhos.
Na rua é comum verem-se cartazes escritos em inglês onde se
pode ler ''por favor, não estacione em frente à minha porta''. O que leva Luís
a dizer: ''Turista sou eu que moro aqui há 51 anos''.
Actualmente, 76 famílias perdem a sua casa todos os dias
para estudantes de Erasmus, hostels, turistas, estrangeiro que vieram para
ficar e que, acima de tudo, conseguem pagar os preços cá praticados que
aumentam de dia para dia, denunciam os vereadores.
Texto editado por Ana Fernandes
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