Casas caras e “despejos” nas cidades por causa do turismo:
SOS chega a Bruxelas
27.05.2018 às 15h31
LUCÍLIA MONTEIRO
O assunto debate-se em Portugal: esta semana há uma
manifestação contra os despejos de moradores no Centro Histórico do Porto. Mas
também em Espanha, onde cada região vai escolhendo as suas armas. Incluindo uma
concertação para enviar um SOS a Bruxelas. Pede-se "segurança
jurídica"
MARGARIDA CARDOSO
São efeitos colaterais do disparo do turismo: a escalada na
oferta de apartamentos turísticos através de plataformas digitais, que está a
contribuir para alterar a vida no centro de grandes cidades. O problema
transformou-se numa nova causa, que pode unir as populações locais e os
Estados-membros da União Europeia à volta de "um problema comum". No
Porto, por exemplo, a hora é de manifestação contra os despejos ilegais no
centro da cidade. Já Espanha está a procurar atuar de forma concertada e ali se
decidiu enviar um SOS a Bruxelas a pedir legislação específica para controlar
as plataformas digitais dedicadas ao alojamento turístico.
"O Porto não se vende", a plataforma que espera
juntar meio milhar de pessoas a 9 de junho, junto à Câmara do Porto, contra os
despejos dos moradores do centro histórico, ataca diretamente a especulação
imobiliária no centro da cidade, em Miragaia, na Vitória, na Sé, em São Nicolau
e em Santo Ildefonso. E fala, também, do crescimento do turismo porque é essa será
a principal pressão para o "assédio" que os moradores daquelas zonas
estão a sentir para deixarem as suas casas.
"Tem de haver um fim aos despejos, tem que haver um
travão que contrarie isto, porque as pessoas, além de estarem a ser tiradas das
suas casas, não têm resposta no mercado de arrendamento do Porto, nem resposta
social da Domus Social [empresa municipal de habitação], que tem listas de
espera muito longas", denunciou Ana Barbosa, citada pela agência lusa.
A reclamação é clara: "direito constitucional à
habitação acessível para todos". A plataforma alerta para o
"crescente número de despejos, nos últimos meses" e, também, para a
nova forma como estão a ser feitos, através de agências imobiliárias e firmas
de advogados, com as pessoas a serem interpeladas até na rua. E pede um papel
mais ativo da Câmara liderada por Rui Moreira. "Uma câmara realmente
preocupada com os seus habitantes e com a sua qualidade de vida, com aquilo que
a cidade procura como projeto de futuro, se quer que a cidade seja habitada e
vivida, tem muita coisa que pode fazer. É preciso é que haja vontade de encarar
e tratar deste assunto", diz Ana Barbosa.
O SOS ESPANHOL
Em Espanha, onde a pressão turística começou antes a causar
tensões e conflitos em algumas regiões, os municípios voltam-se, agora, para a
Europa e enviam um "SOS a Bruxelas contra a escalada de apartamentos para
turistas", como noticia hoje o Jornal El Mundo.
A Federação espanhola FEMP - Federacion Espanola de
Municipios e Provincias, que representa oito mil autarquias, decidiu enviar ao
Conselho de Municípios e Regiões da Europa uma proposta para a promoção urgente
de uma normativa sobre a oferta digital de apartamentos turísticos, um negócio
que cresceu exponencialmente através de plataformas como a Airbnb e a Homeway,
diz o diário espanhol.
A Federação procura, assim, garantir segurança jurídica na
resposta das autarquias a esta questão transversal à Europa,considerando que o
fenomemo ameaça mudar em poucos anos o coração das cidades mais visitadas, numa
escalada que surpreendeu as autarquias,"sem ferramentas normativas para
controlar a situação",
"Precisamos de mais segurança jurídica", defende
José Hila, porta-voz deste grupo e ex-autarca de Palma, sublinhando que os
municípios precisam de ferramentas para enfrentar os gabinetes jurídicos das
grandes empresas e a Comissão Nacional de Mercados, que já avisou estar a
vigiar de forma apertada a avalancha de proibições municipais nesta matéria em
que a administração central cedeu toda a iniciativa aos governos regionais e
locais.
Citado pelo El Mundo, o Ministério espanhol da Energia,
Indústria e Turismo comenta apenas: "Estamos a falar de uma competência
que é autonómica. Respeitamos que cada qual legisle em função das suas
competências".
UMA GUERRA DE MADRID ÀS CANÁRIAS
A verdade, é que as Canárias anunciaram segunda-feira um
projeto de decreto lei para controlar o arrendamento de casas de férias,
Valência aprovou alterações que permitem limitar a oferta antes do verão e as
tentativas de retomar o controlo nesta matéria vão surgindo em todo o país, da
Catalunha ao País Basco, passando por Madrid ou Andaluzia.
A Catalunha, já com uma batalha ganha contra a Airbnb,
apresenta-se, aliás, como uma referência nesta matéria, depois de Barcelona ter
sido dado como exemplo da descaraterização radical por causa da pressão
turística. Agora, a região deixa claro que o convívio com os apartamentos
turísticos é necessário, mas tem de ocorrer de acordo com regras estabelecidas
e com um controlo apertado. Depois de multar esta plataforma digital em 600 mil
euros, em finais de 2016, a equipa da alcadesa Ada Colau conseguiu um acordo
para forçar a retirada de anúncios ilegais e, esta semana, voltou a pedir a
retirada de mais 2.577 ofertas. Tudo isto dando sequência a um trabalho de
fiscalização na cidade e nas redes sociais, para detetar ofertas ilegais, em
que as autoridades pedem, também, o apoio de empresas especializadas no aluguer
de apartamentos turísticos na região.
As estatísticas oficiais da região, dizem que desde 2012,
foram regularizados mais de 65 mil apartamentos e vivendas para uso turístico.
Já na Comunidade Valenciana, a opção foi deixar nas mãos de
cada autarquia a possibilidade de regular e até vetar a oferta de apartamentos
turísticos através das suas normativas urbanísticas. Assim, na cidade de
Valência, a principal associação patronal o sector da hotelaria, Hosbec,
concluiu que a plataforma Airbnn já tem mais alojamentos no mercado (22 mil) do
que os hotéis (16 mil), e a Câmara local proibiu novos hotéis no centro,
considerando que esta zona já está esgotada, anunciando que as casas, em
qualquer ponto da cidade, terão de ter uma autorização municipal para serem
utilizadas como alojamento turístico, mesmo por alguns dias.
Com o anúncio de que haverá restrições nos próximos meses, a
oferta legalizada em Madrid aumento 60% em apenas meio ano (8 mil apartamentos
turísticos), mas as autoridades da cidade têm deixado claro que está em causa
regular o sector, não eliminar a oferta. A ideia tirar a pressão do centro, já
esgotado, com um rácio de dois turistas por cada residente, e reparti-la por
outras zonas da capital espanhola. Mas já surgiram notícias de que isso
significa a ilegalização de 95% por cento das casas dedicadas à habitação
turística no centro, através de novas exigências como o acesso independente
desde a rua.
PRESSÃO CHEGA AO NEW YORK TIMES
Num artigo publicado esta semana, o jornal New York Times
questionava também o impacto da pressão turística na vida do centro das
cidades, com o foco em Lisboa. "Qual o preço a pagar pelos que vivem em
Lisboa?" é a questão levantada neste artigo de Raphael Minder sobre uma
cidade que estava cheia de casas "decrépitas", num país que enfrentou
uma intervenção do FMI em 2011, e depois da recuperação da crise da dívida,
"ficou na moda" e viu os preços no centro aumentarem 30% em dois anos
Na verdade, só em 2017, o preço dos apartamentos para
arrendar terá aumentado 27% face a 2016, enquanto o preço dos paramentos para
venda subiu 12%, de acordo com dados o portal imobiliário Imovirtual. No caso
do arrendamento, Lisboa lidera, com 14 euros/metro quadrado, seguida de Cascais
(12,90 euros/metro quadrado), Oeiras (10,40) e Porto (9,73 euros/metro
quadrado).
Luís Lima, presidente da APEMIP, é uma das vozes que tem
alertado para os desequilíbrios existentes entre a oferta e a procura. "É
cada vez mais difícil encontrar casas a estes preços e grande parte dos jovens
e famílias acabam por aceitar arrendar por valores que ultrapassam a sua taxa
de esforço (...). A habitação em Portugal está a caminhar para uma situação
perigosa (...). As famílias se deparam com o fenómeno «nem-nem»: nem conseguem
comprar, nem conseguem arrendar, tais são os valores que se apresentam no
mercado", afirmou.
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