sexta-feira, 1 de junho de 2018

Casas caras e “despejos” nas cidades por causa do turismo: SOS chega a Bruxelas



Casas caras e “despejos” nas cidades por causa do turismo: SOS chega a Bruxelas
27.05.2018 às 15h31


 LUCÍLIA MONTEIRO

O assunto debate-se em Portugal: esta semana há uma manifestação contra os despejos de moradores no Centro Histórico do Porto. Mas também em Espanha, onde cada região vai escolhendo as suas armas. Incluindo uma concertação para enviar um SOS a Bruxelas. Pede-se "segurança jurídica"

MARGARIDA CARDOSO
São efeitos colaterais do disparo do turismo: a escalada na oferta de apartamentos turísticos através de plataformas digitais, que está a contribuir para alterar a vida no centro de grandes cidades. O problema transformou-se numa nova causa, que pode unir as populações locais e os Estados-membros da União Europeia à volta de "um problema comum". No Porto, por exemplo, a hora é de manifestação contra os despejos ilegais no centro da cidade. Já Espanha está a procurar atuar de forma concertada e ali se decidiu enviar um SOS a Bruxelas a pedir legislação específica para controlar as plataformas digitais dedicadas ao alojamento turístico.

"O Porto não se vende", a plataforma que espera juntar meio milhar de pessoas a 9 de junho, junto à Câmara do Porto, contra os despejos dos moradores do centro histórico, ataca diretamente a especulação imobiliária no centro da cidade, em Miragaia, na Vitória, na Sé, em São Nicolau e em Santo Ildefonso. E fala, também, do crescimento do turismo porque é essa será a principal pressão para o "assédio" que os moradores daquelas zonas estão a sentir para deixarem as suas casas.

"Tem de haver um fim aos despejos, tem que haver um travão que contrarie isto, porque as pessoas, além de estarem a ser tiradas das suas casas, não têm resposta no mercado de arrendamento do Porto, nem resposta social da Domus Social [empresa municipal de habitação], que tem listas de espera muito longas", denunciou Ana Barbosa, citada pela agência lusa.

A reclamação é clara: "direito constitucional à habitação acessível para todos". A plataforma alerta para o "crescente número de despejos, nos últimos meses" e, também, para a nova forma como estão a ser feitos, através de agências imobiliárias e firmas de advogados, com as pessoas a serem interpeladas até na rua. E pede um papel mais ativo da Câmara liderada por Rui Moreira. "Uma câmara realmente preocupada com os seus habitantes e com a sua qualidade de vida, com aquilo que a cidade procura como projeto de futuro, se quer que a cidade seja habitada e vivida, tem muita coisa que pode fazer. É preciso é que haja vontade de encarar e tratar deste assunto", diz Ana Barbosa.

O SOS ESPANHOL
Em Espanha, onde a pressão turística começou antes a causar tensões e conflitos em algumas regiões, os municípios voltam-se, agora, para a Europa e enviam um "SOS a Bruxelas contra a escalada de apartamentos para turistas", como noticia hoje o Jornal El Mundo.

A Federação espanhola FEMP - Federacion Espanola de Municipios e Provincias, que representa oito mil autarquias, decidiu enviar ao Conselho de Municípios e Regiões da Europa uma proposta para a promoção urgente de uma normativa sobre a oferta digital de apartamentos turísticos, um negócio que cresceu exponencialmente através de plataformas como a Airbnb e a Homeway, diz o diário espanhol.

A Federação procura, assim, garantir segurança jurídica na resposta das autarquias a esta questão transversal à Europa,considerando que o fenomemo ameaça mudar em poucos anos o coração das cidades mais visitadas, numa escalada que surpreendeu as autarquias,"sem ferramentas normativas para controlar a situação",

"Precisamos de mais segurança jurídica", defende José Hila, porta-voz deste grupo e ex-autarca de Palma, sublinhando que os municípios precisam de ferramentas para enfrentar os gabinetes jurídicos das grandes empresas e a Comissão Nacional de Mercados, que já avisou estar a vigiar de forma apertada a avalancha de proibições municipais nesta matéria em que a administração central cedeu toda a iniciativa aos governos regionais e locais.

Citado pelo El Mundo, o Ministério espanhol da Energia, Indústria e Turismo comenta apenas: "Estamos a falar de uma competência que é autonómica. Respeitamos que cada qual legisle em função das suas competências".

UMA GUERRA DE MADRID ÀS CANÁRIAS
A verdade, é que as Canárias anunciaram segunda-feira um projeto de decreto lei para controlar o arrendamento de casas de férias, Valência aprovou alterações que permitem limitar a oferta antes do verão e as tentativas de retomar o controlo nesta matéria vão surgindo em todo o país, da Catalunha ao País Basco, passando por Madrid ou Andaluzia.

A Catalunha, já com uma batalha ganha contra a Airbnb, apresenta-se, aliás, como uma referência nesta matéria, depois de Barcelona ter sido dado como exemplo da descaraterização radical por causa da pressão turística. Agora, a região deixa claro que o convívio com os apartamentos turísticos é necessário, mas tem de ocorrer de acordo com regras estabelecidas e com um controlo apertado. Depois de multar esta plataforma digital em 600 mil euros, em finais de 2016, a equipa da alcadesa Ada Colau conseguiu um acordo para forçar a retirada de anúncios ilegais e, esta semana, voltou a pedir a retirada de mais 2.577 ofertas. Tudo isto dando sequência a um trabalho de fiscalização na cidade e nas redes sociais, para detetar ofertas ilegais, em que as autoridades pedem, também, o apoio de empresas especializadas no aluguer de apartamentos turísticos na região.

As estatísticas oficiais da região, dizem que desde 2012, foram regularizados mais de 65 mil apartamentos e vivendas para uso turístico.

Já na Comunidade Valenciana, a opção foi deixar nas mãos de cada autarquia a possibilidade de regular e até vetar a oferta de apartamentos turísticos através das suas normativas urbanísticas. Assim, na cidade de Valência, a principal associação patronal o sector da hotelaria, Hosbec, concluiu que a plataforma Airbnn já tem mais alojamentos no mercado (22 mil) do que os hotéis (16 mil), e a Câmara local proibiu novos hotéis no centro, considerando que esta zona já está esgotada, anunciando que as casas, em qualquer ponto da cidade, terão de ter uma autorização municipal para serem utilizadas como alojamento turístico, mesmo por alguns dias.

Com o anúncio de que haverá restrições nos próximos meses, a oferta legalizada em Madrid aumento 60% em apenas meio ano (8 mil apartamentos turísticos), mas as autoridades da cidade têm deixado claro que está em causa regular o sector, não eliminar a oferta. A ideia tirar a pressão do centro, já esgotado, com um rácio de dois turistas por cada residente, e reparti-la por outras zonas da capital espanhola. Mas já surgiram notícias de que isso significa a ilegalização de 95% por cento das casas dedicadas à habitação turística no centro, através de novas exigências como o acesso independente desde a rua.

PRESSÃO CHEGA AO NEW YORK TIMES
Num artigo publicado esta semana, o jornal New York Times questionava também o impacto da pressão turística na vida do centro das cidades, com o foco em Lisboa. "Qual o preço a pagar pelos que vivem em Lisboa?" é a questão levantada neste artigo de Raphael Minder sobre uma cidade que estava cheia de casas "decrépitas", num país que enfrentou uma intervenção do FMI em 2011, e depois da recuperação da crise da dívida, "ficou na moda" e viu os preços no centro aumentarem 30% em dois anos

Na verdade, só em 2017, o preço dos apartamentos para arrendar terá aumentado 27% face a 2016, enquanto o preço dos paramentos para venda subiu 12%, de acordo com dados o portal imobiliário Imovirtual. No caso do arrendamento, Lisboa lidera, com 14 euros/metro quadrado, seguida de Cascais (12,90 euros/metro quadrado), Oeiras (10,40) e Porto (9,73 euros/metro quadrado).

Luís Lima, presidente da APEMIP, é uma das vozes que tem alertado para os desequilíbrios existentes entre a oferta e a procura. "É cada vez mais difícil encontrar casas a estes preços e grande parte dos jovens e famílias acabam por aceitar arrendar por valores que ultrapassam a sua taxa de esforço (...). A habitação em Portugal está a caminhar para uma situação perigosa (...). As famílias se deparam com o fenómeno «nem-nem»: nem conseguem comprar, nem conseguem arrendar, tais são os valores que se apresentam no mercado", afirmou.

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