(…) “Compreendemos e somos solidários dos moradores de todos
os bairros históricos e nomeadamente de Alfama onde está previsto o nosso
museu. Sabemos que estão sujeitos às duras leis do mercado que têm permitido
muitos despejos injustos e dolorosos. Mas não posso deixar de dizer que neste
caso concreto o museu é simplesmente o “bode expiatório” desse
descontentamento. Contrariamente ao que tem sido dito, nem a volumetria do
projecto da arquitecta Graça Bachmann nem a sua fachada central
“descaracterizam” o Largo de São Miguel. Ou então teríamos de concluir que
Lisboa e, nomeadamente, os seus bairros populares estão em processo de
descaracterização contínua, não apenas por novas construções “dissonantes” que
se erguem por todo o lado, mas pela descaracterização do seu elemento humano,
esse sim essencial. No caso concreto do Museu Judaico, cujo projecto foi
aprovado pela Direcção-Geral do Património Cultural e tem merecido numerosos
elogios por conciliar tradição e contemporaneidade, o único elemento
“dissonante” é a Estrela de David estilizada numa parte da fachada. Mas num
bairro onde a convivência de culturas é tão antiga e ainda hoje marcada por
vestígios romanos, cristãos e islâmicos, a presença judaica com a sua
simbologia será mais um testemunho da pluralidade de culturas do bairro e da
cidade de Lisboa.”
ESTHER MUCZNIK
O Museu Judaico de Lisboa: um
testemunho da pluralidade de culturas da cidade de Lisboa
O Museu que estamos a
criar não é o “Museu dos judeus”, é um Museu dos lisboetas, de Portugal e dos
portugueses.
ESTHER MUCZNIK
29 de Junho de 2018, 6:15
O processo de criação do Museu Judaico de Lisboa tem
provocado dois tipos de reacções diferentes, senão mesmo opostas: de um lado as
tentativas de carácter legal para impedir a sua construção “ali” e “assim”, e
do outro, um apoio entusiástico de milhares de pessoas que têm manifestado a
sua satisfação por finalmente ver narrada de forma acessível ao público a
história da presença judaica em Portugal. Este apoio não vem apenas das
instituições envolvidas ou de pessoas individuais: vem de museus nacionais,
regionais e de outras instituições oficiais que nos cedem em depósito peças de
interesse judaico; vem de doadores privados que nos entregam o seu espólio ou
simplesmente as suas memórias em forma de objectos, fotos e escritos; vem de instituições
similares internacionais que nos têm manifestado o seu apoio de forma
inequívoca e com quem o futuro museu estabelecerá parcerias e intercâmbios no
âmbito de exposições temporárias. Este entusiasmo já deu origem à criação em
Dezembro 2017 da Associação de Amigos do Museu Judaico de Lisboa, com uma
importante componente internacional.
Tudo isto para dizer que o Museu Judaico de Lisboa é já um
processo irreversível: o guião museológico e o projecto museográfico estão
praticamente terminados com a colaboração de alguns dos melhores investigadores
da história judaica em Portugal, muitas peças doadas ou em depósito já estão
restauradas ou em vias de o ser, o programa multimédia também se encontra em
avançado estado de andamento, para não citar muitos outros aspectos
fundamentais já concretizados.
Tal como qualquer outro museu, o Museu Judaico de Lisboa
contará uma história: a história de perto de um milénio de presença judaica em
Portugal. A cultura religiosa judaica estará patente seguindo um percurso que
se desenrola em torno de três aspectos centrais: espiritualidade e sabedoria; o
ciclo da vida e o ciclo do tempo. Por sua vez, o percurso histórico evoca os
primeiros vestígios antes da Nacionalidade, mas o foco é o período da
“Convivência” e os contributos da população judaica entre os séculos XII-XV,
seguindo-se a era da “Intolerância”, a Diáspora judaico-portuguesa e o regresso
contemporâneo do Judaísmo.
Confesso que, à partida, o desafio era grande: as conversões
forçadas em 1497, a instauração da Inquisição em 1536 e respectivas
perseguições apagaram grande parte dos vestígios da presença judaica em
Portugal, não apenas na memória pública mas também no património material
nacional. Felizmente, quis o bom senso e a coragem de muitos homens e mulheres
que, na sua fuga da sanha inquisitorial, conseguiram salvar algum desse
património hoje presente em museus e bibliotecas estrangeiras. Se assim não
fosse, essa herança estaria hoje irremediavelmente perdida. E neste campo o
desafio está a ser ganho: o futuro Museu Judaico de Lisboa honrará, estamos
certos, a memória dos nossos antepassados, os que deixaram para sempre o seu
“paraíso perdido” e os que ficaram arriscando a sua vida e segurança...
Compreendemos e somos solidários dos moradores de todos os
bairros históricos e nomeadamente de Alfama onde está previsto o nosso museu.
Sabemos que estão sujeitos às duras leis do mercado que têm permitido muitos
despejos injustos e dolorosos. Mas não posso deixar de dizer que neste caso
concreto o museu é simplesmente o “bode expiatório” desse descontentamento.
Contrariamente ao que tem sido dito, nem a volumetria do projecto da arquitecta
Graça Bachmann nem a sua fachada central “descaracterizam” o Largo de São
Miguel. Ou então teríamos de concluir que Lisboa e, nomeadamente, os seus
bairros populares estão em processo de descaracterização contínua, não apenas
por novas construções “dissonantes” que se erguem por todo o lado, mas pela
descaracterização do seu elemento humano, esse sim essencial. No caso concreto
do Museu Judaico, cujo projecto foi aprovado pela Direcção-Geral do Património
Cultural e tem merecido numerosos elogios por conciliar tradição e
contemporaneidade, o único elemento “dissonante” é a Estrela de David
estilizada numa parte da fachada. Mas num bairro onde a convivência de culturas
é tão antiga e ainda hoje marcada por vestígios romanos, cristãos e islâmicos,
a presença judaica com a sua simbologia será mais um testemunho da pluralidade
de culturas do bairro e da cidade de Lisboa.
O Museu Judaico de Lisboa não pretende ser um “ajuste de
contas” com o passado: na história de luz e sombra que caracteriza a presença
judaica em Portugal, a tónica será posta na “luz”. A visão que fundamenta todo
o guião museológico tem como primeiro objectivo destacar fundamentalmente os
contributos dos judeus portugueses, especialmente em Lisboa, assim como nos
países da diáspora onde procuraram refúgio.
Mas temos um outro objectivo: que o visitante, ao sair do
Museu, entenda que a história que acabou de ver é também a sua história, parte
indissolúvel da história de Portugal. O Museu que estamos a criar não é o
“Museu dos judeus”, é um Museu dos lisboetas, de Portugal e dos portugueses...
Fundadora do Museu Judaico de Lisboa e coordenadora da sua instalação
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