Rendas precárias. Maioria dos
contratos já são de apenas um ano
Em Lisboa, as rendas subiram mais de 36% em relação a 2011, o ano da
troika
23 DE ABRIL DE 2018
Lucília Tiago
No mercado imobiliário ninguém tem dúvidas: poucos são os
proprietários de casas que, quando pensam em arrendá-las, fazem contratos a
mais de um ano. E a cláusula do "renovável por igual período" é cada
vez menos usada. Os senhorios querem ter a liberdade de escolher os inquilinos
ou de subir a renda. No ano passado, foram celebrados 84 383 contratos de
arrendamento e estima-se (porque números oficiais não há) que mais de metade
sejam a 12 meses. Romão Lavadinho, presidente da Associação de Inquilinos
Lisboneses (AIL), vai mais longe e refere que, na atual conjuntura de aumentos,
não são apenas os novos que correm riscos - "neste momento, há mais de 500
mil inquilinos precários".
Com as rendas a subirem para preços nunca antes vistos,
sobretudo nas zonas de Lisboa e do Porto, e com a procura a superar largamente
a oferta, são cada vez mais os casos de famílias confrontadas com valores que
ultrapassam em muito o poder da sua carteira ou com ordens para saírem da casa
e darem lugar a um novo inquilino, disposto a pagar mais. Em Lisboa, as rendas
estão a registar aumentos trimestrais homólogos de dois dígitos desde 2016,
segundo o índice Confidencial Imobiliário. Aumentaram 36% desde o valor médio
de 2011, ano em que chegou a troika. No Porto, os números são mais baixos, mas
a tendência é igual.
Propostas
É neste contexto que se multiplicam as iniciativas políticas
para encontrar soluções. O PCP avançou com uma proposta que revoga a lei do
arrendamento de 2012, a chamada lei Cristas; o PS entregou na semana passada um
projeto para a Lei de Bases da Habitação; e o Bloco de Esquerda avança nesta
semana com um projeto em que defende a estabilidade dos contratos de
arrendamento através da fixação de um prazo mínimo de duração e incentivos
fiscais para contratos de mais longa duração. O ministro do Ambiente apresenta
hoje o seu pacote legislativo da Nova Geração de Políticas de Habitação, em que
há apoios no acesso à habitação, bem como medidas que promovem a reabilitação e
outras para alargar a oferta de imóveis. No entanto, ao que foi possível
apurar, o governo não estará disponível para mexer na lei do arrendamento.
A precariedade dos contratos de arrendamento também não
passa despercebida aos senhorios, mas nem todos se reveem no que está a
acontecer no mercado. "Não há um tipo de senhorios. Há vários",
defende António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de
Proprietários (ANP), em declarações ao DN/Dinheiro Vivo. E se muitos (a ANP
representa cerca de 25 mil) o que querem é estabilidade para ambas as partes,
também há cada vez mais "paraquedistas que fazem contratos a seis meses e
a um ano", pensando que "as rendas sobem até ao céu". Na ANP,
refere, o conselho é de que se faça contratos a cinco anos. Para que haja
estabilidade para o senhorio e para o inquilino.
Mas nem todos têm esta sorte. E Romão Lavadinho afirma que
há cada vez mais pessoas confrontadas com ordens de despejo ou de alteração do
valor da renda. "Neste momento, o problema maior que observamos é a não
renovação do contrato", adiantado que a AIL vai em breve apresentar um
conjunto de propostas em que defende a atribuição de benefícios fiscais em
função das renovações. O objetivo é salvaguardar não apenas os contratos novos,
mas todos - incluindo os anteriores a 1990, que não salvaguardam os inquilinos
de despejo depois de terminar o período transitório que o atual governo
prolongou por mais três anos.
Novos e antigos
Maria de Lurdes Melo, 65 anos, e uma dezena de vizinhos que
como ela habitam há mais de 40 anos um prédio na Rua Castilho (Lisboa) não
estão neste campeonato dos contratos "novos". Mas isso não impediu
que às suas caixas do correio tivesse chegado, há um par de semanas, uma carta
do senhorio a manifestar oposição à renovação do contrato. "Foi um choque.
É uma carta brutal e seca", salienta, acrescentando que, depois de uma
primeira conversa, o senhorio aceitou que continue na casa, pagando, não os 350
euros que foram definidos por o seu rendimento a colocar nos limites dos inquilinos
em carência económica, mas 900 euros pelo T1 onde vive. "Não acho justo
que se possa ficar indefinidamente numa casa a pagar pouco, mas isto é
indigno."
É para fazer face a estas situações que o projeto do BE
defende que os contratos devem ter uma duração mínima de cinco anos e que o
aviso de despejo seja feito com cinco anos de antecedência. "Mudar de casa
não é a mesma coisa que mudar de sapatos", precisa o deputado Pedro
Soares, para sublinhar que o problema de ficar sem casa e a dificuldade em
encontrar outra "já está a afetar pessoas com rendimento médio e médio
alto".
Luís Lima, presidente da Associação das Empresas de Mediação
Imobiliária (APEMIP), reconhece que hoje em dia a maioria dos contratos são
feitos por prazos muito curtos. Há pouca oferta, "e muitos aproveitam-se
para fazer subir as rendas". Mas avisa que tudo isto pode mudar.
Gonçalo Almeida Costa, advogado da CCA Ontier, também avisa
que a situação poderá inverter-se e que voltem a ser os senhorios a precisar
dos inquilinos. Mas considera que as mudanças têm de ser feitas pela positiva.
Ou seja, não se devem impor limites à duração dos contratos, mas antes criar
políticas de incentivos fiscais. "Não há razão nenhuma para que as rendas
tenham um tratamento fiscal tão diferente do alojamento local."
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