O insólito caso da Piscina da Penha de França, fechada desde
2011 e sem data para abrir
Samuel Alemão
Texto
11 Abril, 2018
O que parecia uma boa ideia está, afinal, a revelar-se um
pesadelo. A concessão, em 2014, ao Centro Cultural e Desportivo (CCD) Estrelas
de São João de Brito, da reabilitação e da exploração do equipamento ainda não
teve resultados práticos. As obras na piscina municipal, que deveria ter sido
inaugurada no outono de 2016, correram mal e ainda estão por acabar. Clube e
empreiteiro não se entendem sobre o problema das infiltrações no tanque. Agora,
o Estrelas de São João de Brito, colectividade com pergaminhos na natação, diz
estar a sufocar financeiramente e em risco de fechar. E acusa as juntas da
Penha de França e de Alvalade e a Câmara de Lisboa de falta de interesse. Mas
as autarquias garantem ter cumpridos com as suas responsabilidades. A câmara
mandou realizar uma vistoria técnica independente e diz estar “empenhada na
resolução desta situação”. A população espera pela reabertura há sete anos.
O caso já teve tantos avanços e recuos, que se torna difícil
explicá-lo. O que é certo é que aquilo que parecia um problema de resolução
relativamente fácil se tornou num pesadelo para as entidades envolvidas e num
enorme transtorno para os habitantes da Penha de França. A piscina municipal
ali existente, situada ao alto da Calçada Poço dos Mouros, ao lado do
edifício-sede da junta de freguesia, fechou em 2011, por necessitar de obras de
reabilitação, e, apesar das sucessivas promessas de reabertura, continua de
portas fechadas. O desentendimento entre o Centro Cultural e Desportivo (CCD)
Estrelas de São João de Brito, a quem foi concessionada a requalificação e a
exploração do equipamento, e o empreiteiro contratado tem estado a complicar a
resolução do caso. Ao ponto de o clube, sediado na freguesia de Alvalade, se
encontrar agora numa muito delicada situação financeira e em vias de cessar a
sua actividade.
“Estamos a chegar a um ponto em que a nossa capacidade
financeira se encontra perto do limite. Temos aguentado tudo, mas agora não
podemos mais”, diz a O Corvo Nuno Lopes, presidente da direcção do Centro
Cultural e Desportivo (CCD) Estrelas de São João de Brito, que em 2014 assinou
um protocolo com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a Junta de Freguesia da
Penha de França (JFPN) para a reabilitação da piscina e a sua exploração por um
período de cinco anos, entre 2015 e 2020. O facto de se tratar de um dos mais
prestigiados clubes da cidade e do país em natação levou a que, na altura,
fosse considerado como uma boa escolha para levar por diante o projecto de
dinamização do renovado equipamento – isto apesar de ser uma associação
desportiva de outra freguesia da cidade. O contrato previa a transferência de
uma verba de 775 mil euros do município para os cofres da colectividade, para
que esta requalificasse a velha infra-estrutura e, em contrapartida,
assegurasse o seu funcionamento.
Mas tudo se complicou. Pouco meses após a assinatura do
contrato, o mesmo foi posto em causa pelo Tribunal de Contas, o que obrigou à
revisão pela Câmara de Lisboa das alíneas contestadas. Depois disso, foram os
detalhes do desenvolvimento do projecto – que, além da renovada piscina, previa
também banhos turcos, jacuzzi e sala de massagens – a motivar atrasos, com a
CML a pedir ao clube que se requacionassem alguns aspectos. Em paralelo,
acontecia o processo de reforma administrativa da cidade, com a
descentralização de competências da câmara para a juntas de freguesia. E a piscina
da Penha de França, por não ter sido considerada pela CML um equipamento
“estruturante”, passou então para a tutela da junta de freguesia. Em todo o
caso, e porque já havia sido assinado o tal acordo tripartido (clube, câmara e
junta) que entregava a gestão da piscina ao Estrelas de São João de Brito até
2020, a junta teria sempre de esperar até essa data para assumir a gestão
integral da infra-estrutura.
Depois das delongas
relacionadas com o visto do Tribunal de Contas, a alteração do projecto e a
escolha do empreiteiro, os trabalhos de requalificação da piscina começaram,
por fim, há exactamente de dois anos, em Abril de 2016. Na altura, foi até
organizada uma cerimónia para a colocação da primeira pedra, na qual esteve
presente o presidente da CML, Fernando Medina, que disse ser aquele um “grande
dia” para freguesia. Medina manifestou então a sua confiança nas qualidades da
presidente da junta, Ana Sofia Dias (PS) para assumir as competências delegadas
pela câmara, dando a piscina como exemplo. Naquela cerimónia, a autarca dizia
que, apesar de a população lhe perguntar com frequência ‘quando reabre a
piscina?’, tinha esperanças de que, depois de iniciada a obra, tal viesse a
suceder no final daquele ano. E o decurso dos trabalhos assim o deixava
adivinhar. Tanto que, em Setembro de 2016, chegaram a ser realizadas visitas
com jornalistas ao equipamento quase terminado, antevendo a sua inauguração.
Mas as coisas voltaram a não correr como previsto.
Entrou-se em 2017 sem
que a piscina abrisse, apesar das promessas e mesmo com muita gente já inscrita
nas aulas de natação, tendo para tal pago as suas quotizações. Voltaram as
interrogações sobre o que se estaria a passar, qual a razão de mais um
adiamento. E elas foram expostas no momento em que passava quase um ano sobre o
início dos trabalhos, no final de Março do ano passado, quando irrompeu uma
pública guerra de palavras entre o clube e a junta de freguesia, com a
autarquia a anunciar que cortava os pagamento da água, da electricidade e do
gás, com os quais se havia comprometido. Em causa estava o que a junta
considerou, na altura, ser o incumprimento da associação da data-limite para a
abertura ao público da piscina. Tudo porque, foi então revelado, a obra teria
vários defeitos, entre os quais infiltrações na cuba da infra-estrutura,
impossibilitando assim a sua utilização.
“Tornou-se, assim,
evidente que o clube não assegurou uma adequada fiscalização da obra, tarefa
que o contrato-programa lhe atribuiu”, acusava a junta da Penha de França, em
27 de Março de 2017, o qual acrescentava que, ainda em Janeiro desse ano, o
empreiteiro havia informado a junta de que não faria a correcção dos defeitos
porque o Estrelas de São João de Brito se recusava a pagar parte dos trabalhos
já executados na piscina. Era este cenário – aliado à necessidade de garantir a
“boa administração de dinheiros públicos” e ainda o “superior interesse da
população da freguesia” – que, alegava a JFPN, fundamentava a decisão de mandar
cancelar os contratos de fornecimento dos serviços de água, gás e
electricidade. Na altura, a junta dizia estar a trabalhar em conjunto com a
Câmara de Lisboa para encontrar uma solução para o imbróglio, tentando ainda
defender os interesses dos que já se haviam inscrito.
Uma posição que,
passado um ano, se mantém. Questionada agora por O Corvo, a Junta de Freguesia
da Penha de França diz que “está, ainda, totalmente disponível para avaliar
quaisquer soluções que a Câmara Municipal de Lisboa entenda por bem apresentar
no sentido de rapidamente se colocar este equipamento desportivo ao serviço da
Penha de França e da cidade de Lisboa”. Dizendo-se “muito preocupada com a
situação actual de encerramento da piscina”, a autarquia garante que, “desde o
primeiro momento”, se empenhou e desenvolveu esforços para que a piscina
reabrisse no mais curto espaço de tempo. Mas deixa um aviso: “Em face do
litígio que surgiu entre o empreiteiro e o clube, a que a junta de freguesia é
alheia, criou-se o actual impasse que só as partes poderão resolver”. Ou seja,
uma posição em tudo igual ao que foi dito há um ano. E nem mais uma palavra.
Isto apesar de o presidente do Estrelas de São João de Brito
reiterar, neste momento, em declarações a O Corvo, as críticas feitas à
autarquia liderada por Ana Sofia Dias. “A Junta da Penha de França nunca nos
apoiou”, acusa Nuno Lopes, antes de lamentar também os papéis desempenhados
neste processo tanto pela da junta de Alvalade como da Câmara de Lisboa. “A
Junta de Alvalade já não nos recebe sequer, o que é uma falta de respeito por
um clube da freguesia e por toda a gente com ele envolvida”, censura. Mesmo
assim, o dirigente reconhece a existência de transferências financeiras, da junta
para os cofres da colectividade, superiores a 30 mil euros anuais. Mas esse
movimento de capital, explica, “serviu para pagar as dívidas à segurança social
e à Autoridade Tributária”, dada a situação de grave desequilíbrio nas contas,
que diz ser causada pela situação de impasse na piscina. “O clube está com a
corda na garganta, estamos afogados”, desabafa.
Neste momento, o Estrelas de São João de Brito sobrevive
graças a “uma injecção de capital de 150 mil euros de um sócio”, explica Nuno
Lopes, salientando que o montante serve apenas para pagar as necessidades mais
urgentes. O que, ainda assim, não tem permitido evitar a crescente degradação
nas condições de funcionamento, com óbvias consequências na actividade
quotidiana. Nos últimos meses, foram dispensadas 18 pessoas, existindo apenas
um funcionário no quadro. “Andamos a apagar fogos, a pagar dívidas de um lado
com o dinheiro do outro. Extinguimos a nossa secção de vela e vendemos os
barcos, tal como também o tivemos que fazer com um autocarro de transportes de
atletas. O mais certo é termos de acabar com a secção federada da natação e
mandar embora os atletas”, diz o presidente, fazendo notar que o clube já teve
de dispensar funcionários e corre o risco de desaparecer.
Nuno Lopes diz que se
mantêm os motivos de conflito com o empreiteiro contratado pelo clube – “a
estanquicidade da piscina não está assegurada, o equipamento não apresenta
razões de segurança, pelo que não podemos receber a obra” -, mas, para além de
apontar o dedo à alegada falta de apoio por parte das juntas da Penha de França
e de Alvalade, não poupa críticas à Câmara de Lisboa. “O vice-presidente da
câmara, Duarte Cordeiro, disse-me, em Julho de 2017, pouco antes das eleições
autárquicas, que isto ia ser resolvido. Já passaram seis meses das eleições e,
no entanto, nada se resolveu”. O dirigente lamenta também que a CML não tenha
ainda terminado o relatório de ocorrências da empreitada, documento considerado
essencial para fazer prova de responsabilidades dos erros encontrados. “Das
duas uma: ou o empreiteiro acaba a piscina ou vai para a rua”, profetiza o
presidente da colectividade.
Questionada por O Corvo sobre as alegações do Centro
Cultural e Desportivo (CCD) Estrelas de São João de Brito de que estaria pouco
sensibilizada para a sua actual situação, a Junta de Freguesia de Alvalade diz
que “não comenta processos relativos a equipamentos localizados no território
de outras freguesias”. Mas, ainda assim, na sua resposta escrita, faz questão
de salientar que as duas instituições têm um nível de envolvimento
“significativo” e que se materializa através de vários instrumentos, a saber: um
Contrato-Programa de Desenvolvimento Desportivo, um Protocolo de Colaboração
para o Desenvolvimento da Natação Curricular nos Jardins de Infância da Rede
Pública da Freguesia de Alvalade e um Protocolo da Colaboração (referente à
utilização pelo clube do Centro Cívico Edmundo Pedro). A junta assegura ainda
que concede apoios não financeiros ao Estrelas, através da cedência de
instalações e de viaturas, sempre que solicitado e assim seja possível.
Além disso, explica a
Junta de Alvalade, há ainda lugar para apoios financeiros directos, seja ao
projecto olímpico da colectividade, seja ao conjunto da sua restante actividade
desportiva. “Têm sido igualmente transferidas verbas para o clube, referentes a
dois projectos que são dinamizados pela autarquia e nos quais o clube foi
envolvido como parceiro: o do Desporto Júnior e o da Natação Curricular”,
assevera a junta, antes de disponibilizar a lista dos montantes
disponibilizados nos últimos anos: 2014: 30.150,00€; 2015: 30.819,00€; 2016:
36.394,00€; 2017: 39.534,00€. Os apoios para o ano de 2018 contabilizam já
transferências no valor de 35.500,00€.
Questionada por O
Corvo sobre esta matéria, a Câmara de Lisboa confirma ter decidido “realizar
uma vistoria técnica independente” à piscina. “Esta vistoria foi iniciada no
passado dia 21 de Março e tem como objetivo apurar os trabalhos executados,
patologias existentes e obter um parecer sobre o estado de execução e
conservação da obra e instalação, bem como sobre as melhores soluções técnicas
para a sua conclusão”, informa a autarquia, explicando que a avaliação
permitirá “definir a recalendarização das intervenções, para dentro do menor
espaço de tempo possível proceder à reabertura desta instalação”. A CML garante
ainda estar “empenhada na resolução desta situação e a desenvolver todos os
mecanismos possíveis para que a população possa usufruir o mais rapidamente
deste equipamento desportivo”.
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