Após o fecho da Casa Frazão, pede-se
um limite para as rendas dos espaços históricos
Depois do fecho anunciado da histórica Casa Frazão, a responsável pelo
programa "Lojas com História, da câmara de Lisboa, defende agora que seja
estabelecido um tecto às rendas destas casas históricas da cidade.
PÚBLICO e LUSA 16 de Abril de 2018, 17:38
Aberta desde 1933, a Casa Frazão, dedicada à venda de
tecidos, vai fechar as portas em Junho. É mais uma loja histórica a encerrar na
Rua Augusta, depois de uma decisão "muito ponderada" dos accionistas,
perante uma “oferta do senhorio” que os levou a concluir que “não valia a pena”
estar ali mais cinco anos.
O aumento do preço das rendas, por conta da pressão
imobiliária na cidade, tem obrigado muitas destas casas históricas, como a
Frazão, a fechar as portas. Para a responsável pelo programa a "Lojas com
História", criado pela câmara de Lisboa para proteger estes negócios, a
lei do arrendamento deveria fixar limites para estes estabelecimentos
comerciais, argumentando que o regime de protecção deu "uma ajuda",
mas pode só ter adiado problemas.
"A lei 42 é uma ajuda, mas é uma lei que vem proteger
estas lojas por mais cinco ou por mais dez anos. Ao fim de cinco ou dez,
ninguém sabe o que vai acontecer. Foi muito bom já ter havido esta lei, mas se
pensarmos a médio prazo não sabemos o que vai acontecer", disse à Lusa
Sofia Pereira.
Segundo o Regime de Reconhecimento e Protecção de
Estabelecimentos e Entidades de Interesse Histórico, aprovado em 2017, os
contratos não podem ser submetidos ao novo regime de arrendamento urbano (NRAU)
pelo prazo de cinco anos e, nos que tenham transitado para o NRAU, os senhorios
não podem opor-se à renovação de novo contrato por dez anos.
Este regime foi uma das medidas tomadas para proteger as
lojas históricas, a que se juntaram decisões do Orçamento do Estado para 2018,
como a isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e as despesas de
conservação e manutenção serem consideradas a 110% no apuramento do lucro
tributável.
Aos municípios cabe a classificação das lojas, tal como a
autarquia da capital avançou em 2015, com o projecto "Lojas com
História", que já reconheceu mais de 80 estabelecimentos e disponibiliza
um fundo de 250 mil euros para obras e outros projectos de melhoria, que ainda
só recebeu dez candidaturas, estando duas em vias de aprovação.
A distinção de loja com história não é, contudo, sinónimo de
salvação dos negócios. "Acho que o principal, e que nós quando falamos com
as pessoas diariamente sentimos, é que haja uma mudança de mentalidade, e que
as pessoas percebam que, realmente, o que consideram um estorvo ou empecilho
pode ser uma mais-valia. Havendo uma boa relação entre senhorio e empresário,
podem transformar aquela loja numa grande mais-valia para o espaço",
defendeu Sofia Pereira.
Na ausência dessa mudança de mentalidade, só a lei pode
forçar uma regulação de mercado: "Com os conhecimentos que tenho, não
estou a ver outra forma de conseguir travar estas situações não havendo um
limite na lei do arrendamento".
Casos de sucesso
Sofia Pereira não tem uma lista de lojas com história que
tenham sido 'salvas' pela distinção, mas recorda um final feliz, logo no início
do projecto, com a "intervenção directa da vereadora Graça Fonseca",
que detinha o pelouro na altura: a barbearia Campos, no Chiado.
"Antes de ser distinguida já tinha sido salva pelo projecto",
recordou. Também o encerramento da tabacaria Martins, no Calhariz, foi evitado,
acrescentou Sofia Pereira: "Essa sei, seguramente, que a câmara salvou.
Recebemos dezenas de emails com a frase 'salvem a Tabacaria Martins'.
Apercebemo-nos nessa altura da força que o projecto estava a tomar na opinião
pública", lembrou.
A quantificação é difícil, refere a responsável, até pelo
pudor dos lojistas em admitirem que estão numa "situação de risco ou
fragilidade". Para serem distinguidas, as lojas têm de cumprir "50%
mais 1" dos 20 critérios definidos pelo projecto, que é coordenado pelo
pelouro de Economia e Inovação, mas também tem a participação dos pelouros do
Urbanismo e da Cultura.
As candidaturas são analisadas "por ordem de
entrada", sublinha Sofia Pereira, que reconhece que o processo é longo,
porque é minucioso e passa por muitas etapas. "Após a candidatura,
analisamos, se tiver o parecer favorável do grupo de trabalho, é levado a
conselho consultivo externo ao programa. Após essa validação, por força da lei,
há um período de audição às juntas de freguesia de dez dias úteis. Após esse
período, têm de submeter a reunião de câmara, a consulta pública por 20 dias,
relatório de consulta pública e decisão final", explicou.
Em Junho, sobra só mais uma loja de tecidos
"Tivemos uma oferta do senhorio e concluímos que não
vale a pena estarmos aqui mais cinco anos", disse à Agência Lusa Manuel
Figueiredo, atrás do balcão da Frazão onde trabalha há 34 anos, no rés-do-chão
do edifício do antigo hotel Frankfurt, na loja de que também é sócio. Com o
encerramento deste espaço, a capital fica apenas com uma loja histórica
dedicada exclusivamente aos tecidos, a vizinha Londres Salão.
Ao seu lado, Isabel Queiroz, 28 anos de Casa Frazão, sócia,
funcionária, filha de um antigo funcionário, sublinha que a saída, "de
comum acordo", "foi uma decisão muito ponderada e tomada numa
assembleia-geral de accionistas". "Ainda pensámos ir para outro lado,
mas as rendas são insustentáveis. E a Casa Frazão é aqui", afirma.
A partir dos anos 2000, os clientes começaram a diminuir, o
que foi agravado com a crise em Portugal e, mais recentemente, com o decréscimo
da procura por angolanos. As compras dos turistas foram compensando, mas não
foram suficientes, apesar de a casa ter adaptado a oferta às "cores
fortes" e aos "padrões grandes" de que "as estrangeiras
gostam".
À falta de clientes, assinalada por Manuel Figueiredo,
junta-se a falta de seguidores para o negócio que o fundador, Manuel Alves
Frazão, deixou em herança aos funcionários quando faleceu, num ramo em que
"o serviço é muito personalizado".
As mudanças na indústria têxtil também pesam nos ombros dos
lojistas, reflectidas numa difícil gestão de stocks, com os tecidos a virem
quase totalmente do estrangeiro, a partir de encomendas fixas em cada estação.
"O risco fica todo do lado do lojista. Há 15, 20 anos,
comprávamos 10 ou 20 metros, entretanto, se se vendia muito, mandava-se vir
mais. Hoje em dia, só nos vendem o que está encomendado para cada
estação", explicou.
Nos últimos anos, a Frazão tem sido sobretudo a casa de
partida para uma toilette, escasseando a procura por materiais para o
guarda-roupa do dia-a-dia.
Em busca das promoções da liquidação final, a Casa Frazão
vive dias movimentados, a lembrar "a loucura" de outros tempos, mas
só até dia 30 de Junho, a data que ainda "parece um sonho" a Isabel
Queiroz.
"Ainda não descemos à terra, quando formos entregar a
chave é que vai ser mais complicado, mas já somos crescidos, temos de assumir
os nossos actos. Foi melhor assim, as coisas estavam a ficar muito complicadas,
muito no limite. Não se pode trabalhar no limite", contou.
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