Reabilitação de edifícios em Lisboa estará a pôr em risco
segurança em caso de sismo
Sofia Cristino
Texto
9 Abril, 2018
A probabilidade de ocorrer um sismo em Lisboa é grande. Mas,
segundo especialistas, muito pouco tem sido feito para proteger a população em
caso de catástrofe. Nos diversos edifícios alvo de requalificaçã, não estará a
ser tido em conta o reforço sísmico, acusam alguns. “Estão-se a fazer obras, no
centro da cidade, que são armadilhas mortais para as pessoas. A nova
reabilitação são novos modelos de caixões muito bem ornamentados, para nos
levarem para outro mundo”, considera Mário Lopes, especialista em prevenção
sísmica, na primeira sessão do debate temático organizado Assembleia Municipal
de Lisboa (AML), ocorrida quinta-feira, 5 de Abril. O investigador diz que a
gaiola pombalina tem sido destruída “a torto e a direito”, o que considera ser
“um crime cultural”. “Lisboa é a primeira cidade do mundo construída para
resistir a sismos e somos nós próprios que a estamos a destruir. O Governo põe
sempre os mercados imobiliários acima da segurança das pessoas”, acusa. Vasco
Appleton, especialista em estruturas, critica a forma como as requalificações
estão a ser feitas. “Muitas são apenas lavagens de cara”, diz. A vereadora da
Habitação garante que os reforços sísmicos estão a ser tidos em conta nas
intervenções feitas no património municipal.
Em Lisboa, a segunda cidade europeia que corre maior risco
de ocorrência de um terramoto, estarão a ser feitas obras de reabilitação
urbana sem nenhum reforço sísmico. Além disso, os cidadãos não se encontrarão
preparados para reagir a esta catástrofe natural, estando a ser feito “muito
pouco” para contrariar tal realidade. Estas foram as ideias mais vincadas na
primeira sessão do debate temático sobre prevenção e minimização do risco
sísmico na capital, ocorrida na última quinta-feira, 5 de Abril, na Assembleia
Municipal de Lisboa (AML). A próxima sessão ocorrerá nesta quinta-feira, 12 de
Abril. No final do debate, será publicado um relatório com as conclusões.
O primeiro regulamento nacional que obriga ao cálculo
sísmico das construções é de 1958. Apesar de terem sido feitas, entretanto,
algumas alterações à legislação, não se tem verificado se esta está a ser
cumprida, afirma Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico (IST) e
especialista em prevenção sísmica há mais de 30 anos.
“Quando reabilitamos
um edifício, a lei diz que não é preciso respeitar a legislação posterior à
construção original. Todos os edifícios construídos antes de 1958, não têm, por
isso, nenhum grau de exigência sísmica. Estão-se a fazer obras, no centro da
cidade, que são armadilhas mortais para as pessoas. A nova reabilitação são
novos modelos de caixões muito bem ornamentados, para nos levarem para outro
mundo”, considera.
O também vice-presidente do Instituto de Engenharia de
Estruturas, Território e Construção do IST diz que um dos piores exemplos de
práticas de requalificações urbanas, neste momento, é o da “destruição da
gaiola pombalina”, um sistema de construção anti-sísmica utilizado na Baixa de
Lisboa após o terramoto de 1755. “Em Lisboa, destrói-se a gaiola pombalina a
torto e a direito e isto é um crime cultural. Além disso, continua a ser feito
com a cumplicidade do Governo, da Câmara de Lisboa e das entidades com
responsabilidade na matéria”, acusa.
Mário Lopes diz que
este problema não pode ser tratado à posteriori, mas que tem de ser resolvido
com políticas preventivas, como a construção de infraestruturas que resistam a
sismos. No mesmo debate, o professor José Luís Zêzere, do Instituto de
Geografia e Ordenamento do Território, também defendeu a necessidade de
implementar a obrigatoriedade do reforço antissísmico nos processos de
reabilitação urbana, “É criminoso não o fazer”, diz mesmo.
Vasco Appleton, engenheiro civil, especialista em estruturas
e reabilitação de edifícios, partilha a mesma opinião. Segundo o professor
universitário, a reabilitação urbana deveria implicar uma intervenção de
reforço antissísmico, o que deveria ser “óbvio”, principalmente para os
engenheiros de estruturas.
“Há um número muito elevado de oportunidades perdidas. Há edifícios
bons que não estão a ser alvo de intervenção de reforço sísmico, porque o dono
de obra não é sensível ao assunto e, também, porque há projectistas que não têm
capacidade técnica para fazerem projectos demasiado exigentes”, considera.
A construção em "gaiola", utilizada na Baixa
Pombalina, estará em risco, alertam especialistas.
O director da Faculdade de Arquitectura da Universidade de
Lisboa, João Pardal Monteiro, corrobora a importância destas intervenções serem
realizadas por técnicos especializados. “Existe uma grande falta de
qualificação das pessoas que fazem estas estruturas e as intervenções na cidade
têm de ser feitas por especialistas. Percebendo-se o estado em que está o
edifício, devia-se agir para o melhorar e reduzir as perdas potenciais, mas
isto não está a acontecer”, observa. “As intervenções na cidade, para que isto
não se torne um baralho de cartas pronto a cair ao primeiro sismo, têm de ser
feitas com técnicos especializados”, acrescenta.
Com o aumento da
atractividade turística de Lisboa, o número de pessoas a viverem e a circularem
na cidade cresceu consideravelmente nos últimos seis anos. Um factor que também
deveria, ainda segundo Appleton, ser considerado na avaliação de futuros
critérios de precaução.
“Há meia dúzia de anos, a Baixa estava muito mais vazia e,
se houvesse um sismo, perdia-se património, mas a maior parte dos edifícios
caíam vazios. Actualmente, se caírem, caem cheios de gente, há muitos hotéis e
apartamentos turísticos. Temos uma Baixa Pombalina profundamente
intervencionada e ocupada, mas com muitas intervenções que são lavagens de cara,
à base de pintura e azulejos. Se houver um sismo estas estruturas não vão
aguentar”, assegura.
Appleton propõe, por isso, à Câmara Municipal de Lisboa
(CML) que esta passe a exigir a verificação do desempenho estrutural sísmico em
projectos de reabilitação para os edifícios anteriores a 1983, assim como um
diagnóstico estrutural prévio em todos os projectos.
A falta de
consciência das pessoas da dimensão da “grandeza desta questão” foi outra das
considerações que especialistas e arquitectos vincaram mais nesta sessão. “Na
cabeça das pessoas, o problema não existe, falta muita informação”, alerta
Mário Lopes.
Eduardo Carvalho, da Ordem dos Engenheiros, diz que estamos
a perder uma oportunidade de diminuir o risco sísmico, mas tem uma inquietação
maior. “O que me preocupa mais é o cidadão normal não ter capacidade de avaliar
o potencial de destruição enorme de um sismo, Tem de haver uma decisão política
de proteção dos cidadãos e o ideal era que não precisássemos da protecção civil
por causa dos sismos”, considera.
A Associação de
Protecção e Socorro diz que é necessário sensibilizar e treinar a população
que, considera, até tem sido desincentivada” a ser mais preventiva do que
reactiva. “Todos temos responsabilidades, cidadãos, autarcas e governantes, e
há muitos anos que estamos a ignorar um conjunto de recomendações de
especialistas e diversos técnicos. É necessário fazer o que nunca foi feito”,
diz João Saraiva, da Associação de Protecção e Socorro.
“Temos de sensibilizar a população, porque até os cidadãos
são desincentivados a prevenirem-se, para não se revelarem as incapacidades dos
serviços públicos. Não basta apenas apontar o dedo e exigir às estruturas
municipais e governamentais que façam mais, temos de exigir de cada um de nós.
Se nos envolvermos e a autarquia criar apoios necessários para o efeito, aí
sim, justificar-se-ia uma taxa de protecção de civil, já não seria
inconstitucional”, considera Saraiva, propondo, ainda, que se incentive o
voluntariado da Protecção Civil através da realização de campanhas ao nível das
freguesias. “Isto nunca foi feito, mas qualquer pessoa o pode fazer”, sugere.
Carlos Maia Morgado, presidente da Protecção Civil de
Lisboa, sugere que todos os cidadãos tenham em sua casa um kit de emergência,
que diz ser “essencial para, pelo menos, durante três dias após a ocorrência de
um sismo”.
Em 2001, foi entregue
ao Governo, à Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a outras entidades políticas
um documento elaborado pela Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica a
alertar para a importância de introduzir a componente da resistência sísmica
nas obras de reabilitação. Mas, segundo o investigador Mário Lopes, nada foi
feito. “Uma das razões pelas quais não se faz nada em Portugal relativamente a
esta matéria é o facto de o cidadão comum achar que o problema não existe
porque não vê ninguém com responsabilidades minimamente preocupado com o
assunto. O Governo põe sempre os mercados imobiliários acima da segurança das
pessoas”, acusa.
Mário Lopes lembrou que, se se repetisse um sismo igual ao
de 1755, haveria 17 a 27 mil mortos, mais de 50 mil feridos e mais de 100 mil
desalojados. Os dados, já referenciados noutras ocasiões, resultam da tese de
doutoramento de Maria Luísa Sousa Sotto-Mayor, especialista do LNEC, e foram
publicados em Junho de 2006, com base em dados dos censos de 2001. “O nosso
património construído faz parte da nossa cultura, da nossa herança e da nossa
identidade. Lisboa é a primeira cidade do mundo construída para resistir a
sismos, é um marco da história da engenharia sísmica e da história da
humanidade e somos nós próprios que a estamos a destruir”, frisou.
No encerramento do
debate, a vereadora da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa, Paula Marques,
disse que o município tem estado a actualizar a carta de solos, a desenvolver
um índice de residência sísmica e um manual de boas práticas na reabilitação.
Paula Marques garantiu, ainda, que de cada vez que existe uma intervenção de
carácter estrutural, no património disperso da câmara, tem sido feito um
reforço sísmico. “Reforçamos as medidas de análise, intensificamos a avaliação
do risco sísmico nas nossas intervenções e o reforço sísmico, sempre que essa
análise o determine”, concluiu.
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