(…) “Como remediar? Em primeiro lugar, acabar com os
aumentos livres de rendas e voltar a aumentos anuais razoáveis. Depois,
programas de arrendamento plurianuais com rendas estipuladas duma parte e
outra. A atribuição de licenciamentos de novas construções ou de reabilitações
para diversas gamas de oferta e de preço, quer para hotelaria e alojamento
local, quer para aluguer e venda, ajudaria a diversificar a oferta, afastando o
“mercado livre”, que esse sim leva ao afastamento de residentes autóctones,
antigos ou de baixos recursos. Construir ou reabilitar para preços finais que
vão ao encontro dos diversos níveis de procura local é outro dos focos
“esquecido” pelo mercado livre. Já para o comércio, serviços e actividades
económicas, a oferta de mais espaços a preços convenientes pela SS seria de
toda a oportunidade e incentivador de criação de mais economia e emprego. A
actual arbitrariedade dada aos senhorios de fixarem as rendas ou de despejarem
inquilinos, comerciais ou residenciais, é mais um caminho para a gentrificação
das cidades e para a entrada de capitais especulativos e gentes não activas,
muitas das vezes nem residentes.”(…)
Habitação, uma potencialidade
esquecida da Segurança Social
A SS, pelo volume de
capitais captados e acumulados, tem um enorme potencial de financiamento da
economia.
Guilherma Pereira
25 de Abril de 2018, 6:12
A ideia e prática da Segurança Social (SS) surgiu nas
economias industriais do séc. XIX, ora como caixas de entre-ajuda e
mutualidades de operários, ora pelo modelo de Bismark-alemão, ambos convergindo
para um projeto social-democrata de sociedade, depois assumido e
institucionalizado como Estado-previdência ou social. Ora, o que a ideia
inicial de SS previa e procurava era também o fomento de emprego e de
actividades económicas de modo que as contribuições dos empregados de hoje
seriam investidas na criação de mais emprego e empresas, e que estes no futuro
cotizassem para os reformados de amanhã, o princípio e a prática da
solidariedade entre-gerações.
O que se vem verificando desde há décadas pela administração
da SS pelo Estado é: (i) Apagamento/esquecimento dessa função de financiamento
de novas actividades económicas, de renovação do tecido empresarial, mormente
dos de mão-de-obra intensivos e mais qualificada; (ii) Investimento do património
da SS maioritariamente em imobiliário, como aplicação segura e de valor
crescentemente garantido, com rendas remuneradoras, mas de pouca ou nenhuma
criação de mão-de-obra, à parte na construção e manutenção desse imobiliário;
(iii) Financiamento do Estado, por via de compra de títulos e certificados do
Tesouro, da divida pública, (iv) Aquisição de fundos e produtos financeiros;
(v) Depósitos à ordem em bancos e instituições financeiras.
O aspecto “financiamento de empresas”, tais como micro, PME
e de economia social, que seriam as que mais beneficiariam de um possível
financiamento por capitais da SS, obviamente através de entidades bancárias ou
financeiras competentes na matéria – p.
ex. um banco de fomento –, parece-nos ser o que mais falta faz e o que mais
contribuiria para a dinamização da economia e do financiamento a prazo da SS
pelas contribuições daí geradas. O investimento em imobiliário – sobretudo para
arrendamento – é outra das funções socioeconómicas da SS, que possui um parque
imobiliário para venda e arrendamento em todo o país avaliado em 70 a 80
milhões de euros nos seus balanços.
O (possível) papel financiador da economia pela Segurança
Social
A SS, pelo volume de capitais captados e acumulados, tem um
enorme potencial de financiamento da economia, desde que aplicados em diversos
sectores com a prudência e a rentabilização que aconselham. Obviamente que não
terá que ser o respectivo Instituto Financeiro da Segurança Social a promover
ou a conduzir essas obras, mas sim a comprá-las e a arrendá-las, por exemplo.
Recorde-se que os Cofres de Previdência corporativos,
precursores da SS actual, tiveram um papel no século passado, na mitigação da
falta de habitação a preços mais baixos. Com aqueles e com outros, se
construíram muitos prédios em todo o país, dos quais ainda restam muitas placas
“Propriedade do Cofre de Previdência de...” e bairros inteiros como os Olivais
e Alvalade, em Lisboa, só para citar alguns, respondendo à carência de
habitação. Essa então nova oferta, planeada e promovida pela CML, tinha
parâmetros de urbanismo, qualidade, tipologia e de custo final que permitiram
depois alugueres ou venda a preços acessíveis aos ordenados dos futuros
locatários! A SS oferece ainda hoje habitação e locais para actividades
económicas em todo o país, quer para aluguer quer para venda, basta consultar o
respetivo site. Depois, o Fundo de Fomento da Habitação para certos estratos, a
banca com, a indústria da construção para outros estratos foram fazendo a oferta
de habitação possível para o mercado interno e para um público com algum poder
económico, até que a crise bancária sobreveio e com ela a extinção de uma
indústria de construção tradicional. Quem vai preencher essa função, depois de
comprovadamente o mercado recém-liberalizado das rendas ter levado a oferta
para os mais endinheirados ou para quem mais pode e não para quem precisa –
remediado ou menos abonado? Pior: a entrada de capitais estrangeiros, quer para
investimento quer para especulação, quer para efectiva residência de
estrangeiros, está a desvirtuar, pressionar, a procura-oferta interna, quer
pela reduzida oferta de alojamento, quer pela alta de preços, inacessível à
bolsa do português médio ou mais modesto. Problema sério e a ter consequências fortes
em Portugal e em toda a Europa: a globalização do capital não é “amiga” da
habitação para todos e as migrações de todo o tipo mais pressionam a procura de
habitação! A escassez de habitação é real em muitas cidades, não só em Lisboa!
Como remediar? Em primeiro lugar, acabar com os aumentos
livres de rendas e voltar a aumentos anuais razoáveis. Depois, programas de
arrendamento plurianuais com rendas estipuladas duma parte e outra. A
atribuição de licenciamentos de novas construções ou de reabilitações para
diversas gamas de oferta e de preço, quer para hotelaria e alojamento local,
quer para aluguer e venda, ajudaria a diversificar a oferta, afastando o
“mercado livre”, que esse sim leva ao afastamento de residentes autóctones,
antigos ou de baixos recursos. Construir ou reabilitar para preços finais que
vão ao encontro dos diversos níveis de procura local é outro dos focos
“esquecido” pelo mercado livre. Já para o comércio, serviços e actividades
económicas, a oferta de mais espaços a preços convenientes pela SS seria de
toda a oportunidade e incentivador de criação de mais economia e emprego. A
actual arbitrariedade dada aos senhorios de fixarem as rendas ou de despejarem
inquilinos, comerciais ou residenciais, é mais um caminho para a gentrificação
das cidades e para a entrada de capitais especulativos e gentes não activas,
muitas das vezes nem residentes. Esta função de promotor de construção poderia
ser hoje retomado pela SS, mais focado para a reabilitação de edificado e para
a renovação urbana, mas sobretudo para os residentes locais, como foi a
política de reabilitação da Câmara de Lisboa nos anos 1980 e 1990: renovar e
realojar os mesmos residentes. Preservando o património, criando riqueza e mais
emprego, num setor chave da economia nacional, pondo no mercado alojamentos
para a procura interna.
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