Câmara prevê
gastar mais 190 mil euros em azulejos para a Praça da Figueira
Autarquia só tinha comprado
uma pequena parte dos azulejos necessários para forrar todas as fachadas -- e
muitos partiram-se nos últimos anos. PSD diz que este investimento "não é
prioritário"
JOÃO PEDRO PINCHA
2 de Abril de 2018, 19:48
A Câmara
Municipal de Lisboa não tem azulejos suficientes para revestir as fachadas da
Praça da Figueira, como é sua intenção, e por isso vai ter de mandar fazer
mais. A autarquia conta gastar perto de 190 mil euros, a que se somam os 36 mil
já gastos em 2001.
Numa informação
escrita enviada há uma semana e meia aos vereadores do PSD, a Direcção
Municipal de Urbanismo esclarece que tinha 1940 metros quadrados de azulejos
guardados em armazém desde 2002. Desse lote saíram os mosaicos necessários para
forrar, nas últimas semanas, as fachadas do quarteirão da Suíça e de um outro
edifício da praça, onde vai funcionar um hotel.
“Do stock
existente”, lê-se na informação, “restam azulejos correspondentes para cerca de
1200 metros quadrados”. Para revestir o que falta da praça, “estima-se que
ainda seja necessário adquirir cerca de 2230 metros quadrados” e que, “a preços
actuais, venham a custar cerca de 190 mil euros”, diz o documento. No entanto,
pode ser preciso comprar mais – é que “uma parte significativa dos azulejos
armazenados está partida”.
A ideia de
revestir as fachadas da Praça da Figueira com azulejos é de 2001, quando o arquitecto
Daciano da Costa apresentou um projecto de reabilitação para aquele espaço, a
pedido da câmara. Apenas uma parte desse projecto se cumpriu naquela altura. E
muitos dos azulejos então produzidos acabaram num armazém. Até que, em 2017, a
autarquia decidiu dar seguimento ao plano de Daciano, impondo o revestimento
azulejar ao quarteirão da Suíça.
A câmara já tinha
confirmado ao PÚBLICO, no início de Fevereiro, que os azulejos utilizados
naqueles prédios eram os que estavam guardados desde o princípio do século, mas
nada disse sobre os custos da operação. Na informação escrita enviada ao PSD,
os serviços de Urbanismo revelam que os tais 1940 metros quadrados já
produzidos “custaram 18,85 euros/metro quadrado, o que perfez um total de
36.569 euros”. Ou seja, se as contas do município se vierem a revelar
correctas, o revestimento total da praça vai rondar os 230 mil euros. A
autarquia oferece os azulejos, os donos dos prédios são obrigados a pô-los nas
fachadas. “Os licenciamentos que estão a decorrer têm como condicionante a
aplicação dos azulejos”, informou o município, também em Fevereiro.
O projecto de
Daciano da Costa (falecido em 2005) prevê que os quarteirões da Praça da
Figueira sejam diferenciados entre si: nuns aplicar-se-ão azulejos azuis e brancos,
criando um efeito dégradé; noutros, os azulejos serão todos azuis; no
quarteirão da Suíça, ficou desenhado – e cumpriu-se – que os azulejos seriam
mais claros, sobretudo brancos. Os três prédios que têm mosaicos mais antigos
vão mantê-los.
“Esta intervenção
é uma das várias previstas para a Baixa Pombalina e enquadra-se no âmbito da
reabilitação das praças da cidade e de valorização das fachadas dos edifícios
através do revestimento de azulejos”, lê-se na informação, que não especifica
que outras operações estão pensadas para a Baixa. Segundo o mesmo documento, os
serviços tutelados pelo vereador Manuel Salgado consideram que esta aplicação
de azulejos não compromete a candidatura da Baixa a Património da Humanidade,
antes a valoriza. “A candidatura à UNESCO irá referir e destacar esta
intervenção, assim como todas as outras pensadas e já executadas no âmbito do
Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina”.
O PSD pediu
informações à câmara depois de ter promovido um pequeno-almoço com vários
especialistas na Confeitaria Nacional. Quase todos os participantes levantaram
dúvidas sobre a necessidade e oportunidade da intervenção. O vereador João
Pedro Costa, que nessa ocasião não fez comentários, diz agora que este
investimento “não é prioritário”. “Não entendemos como prioridade gastar 190
mil euros a comprar mais azulejos”, afirma o social-democrata. O eleito
sublinha ainda que “Lisboa é uma cidade de cor”, em que “cada edifício tem a
sua cor” e que “não é cidade para ser normalizada”.
Na assembleia
municipal, o PPM apresentou uma recomendação para que a câmara suspendesse o
projecto, apelidando-o de “atentado de efeitos nefastos em toda esta zona nobre
da cidade”. O documento foi aprovado por todos os grupos parlamentares
(incluindo o PS), com excepção do PCP, que se absteve, e dos deputados
independentes, que votaram contra.
Azulejos na
Praça da Figueira: um grave atentado de leso-património
A importância deste bloco
deve-se ao facto de ele constituir um arquétipo ainda intacto da primeira fase
da Reconstrução Pombalina.
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
6 de Fevereiro de
2018, 6:37
Repentinamente,
fomos confrontados com um acto consumado. A fachada tardoz do importante bloco
pombalino, elemento único e da mais alta importância patrimonial, determinante
para a formação das duas praças do Rossio e da Figueira, foi coberta por
azulejos.
A importância
deste bloco deve-se ao facto de ele constituir, juntamente com o outro no Largo
de S. Paulo, já referido por mim em outro artigo no PÚBLICO, um arquétipo ainda
intacto da primeira fase da Reconstrução Pombalina, segundo os parâmetros
estabelecidos por Eugénio dos Santos e Carlos Mardel.
Através dos
tempos, as volumetrias e tipologias dos edifícios das duas praças foram sendo
alteradas, no processo da segunda fase da Reconstrução, ao longo do séc. XIX e
mesmo do séc. XX (Hotel Metrópole, Rossio, 1917). Daí a importância deste
bloco, representante da escala original do projecto da Casa do Risco para a
Praça do Rossio.
Este casus da
proposta dos azulejos para a Praça da Figueira conheceu várias peripécias, com
momentos e episódios mais ou menos obscuros. Assim, o projecto inicial da
iniciativa de Daciano Costa data de 2001, no período do mandato de João Soares,
que simultaneamente se viu confrontado com todo o projecto para o Elevador do
Castelo.
O projecto, que
era caracterizado por uma polémica intervenção de radical afirmação em ruptura
e contraste com o legado patrimonial, através de uma linguagem “de azulejos
azuis e brancos mais escuros nos andares de baixo e mais claros nos pisos de
cima, de modo a criar um efeito degradée”, não foi realizado, e os respectivos
cem mil azulejos foram guardados num armazém em Alcântara.
Em 2004, o
projecto regressa, agora no mandato de Carmona Rodrigues, o que levou a uma
nova proposta de azulejos, agora fabricados na Viúva Lamego seguindo novas
exigências técnicas que se pretendiam mais adequadas. Custo desta nova
operação: entre 350 e 400 mil euros.
Este processo foi
“acompanhado” por Inês Cotinelli, assessora de Carmona entre Novembro de 2003 e
Julho de 2006, filha de Daciano Costa, e também posteriormente sócia-gerente da
empresa Sociedade Daciano da Costa. É de destacar que o atelier Daciano Costa,
depois da morte do titular em 2005, passou a ser dirigido pela arquitecta Ana
Costa.
A “relação” de
Ana Costa com o pombalino foi definida numa intervenção mais do que infeliz na
Rua Ivens (31) em 2013, determinada pelo conhecido “fachadismo” preconizado e
estimulado por Manuel Salgado, em que a fachada era o resultado de um pastiche
totalmente betonizado, criando um bloco monolítico, híbrido, betonizado e
plastificado, produto do nivelamento de duas anteriores fachadas presentes em
dois edifícios originais... Mansardas pombalinas, trapeirão, gaiolas, tudo foi
sacrificado, juntamente com os interiores, com excepção da escadaria e alguns
azulejos. Quanto à fachada tardoz, esta pode-se “perspectivar” a partir do
Largo da Boa Hora, confirmando a promessa de “Apartamentos de Luxo com garagem
e vista deslumbrante”.
Já em 2017, em
função do impacto deste novo projecto para os azulejos na Praça da Figueira,
perante as exigências do Plano de Pormenor de Salvaguarda da Baixa Pombalina
que “prevê a salvaguarda dos revestimentos primitivos das fachadas” que “se
encontravam rebocadas e pintadas”, foi pedido um parecer na DGPC ao conselho
consultivo, que produziu um parecer não consensual, onde dúvidas são exprimidas
sobre o valor desta intervenção para um conjunto de Interesse Público. Para que
serve então o plano de pormenor? Qual é o papel da DGPC na salvaguarda
patrimonial da Baixa?
Na minha opinião,
como reacção a este caso, e tendo em conta a ainda vigente mas cada vez menos
provável intenção de candidatura da Baixa a Património Mundial, a DGPC devia
ter respondido com uma proposta para a classificação deste único e determinante
bloco como Monumento Nacional, garantindo assim a preservação na íntegra das
suas características exteriores e interiores. Porque parece impossível,
simplesmente, restaurar um edifício desta importância, agora, através desta
intervenção “excepcional”, dividido na linguagem das suas fachadas entre Rossio
e Figueira e “desconstruído” esquizofrenicamente e neuroticamente de forma
bipolarizada, num atentado da sua unidade indivisível?
Um grave atentado
de leso-património permitido por todos!
Historiador de Arquitectura
March 18 at 8:09am ·
( Ainda ) A
mediocridade da intervenção no caso dos azulejos na Praça da Figueira.
Em artigo de
Opinião no Público afirmei que a cobertura da fachada por Azulejos constituía
um grave atentado de Leso-Património. (“A importância deste bloco deve-se ao
facto de ele constituir um arquétipo ainda intacto da primeira fase da
Reconstrução Pombalina.”
Entretanto “ecos”
desta interpretação chegaram à Assembleia Municipal, através de uma
Recomendação apresentada pelo PPM, aprovada por maioria, que pedia à Câmara da
capital o "congelamento imediato" do projeto de revestimento das
fachadas da Praça da Figueira a azulejos. (Ver notícia em baixo)
Além de
inaceitável em Bloco Pombalino indivísivel na sua Unidade Patrimonial, bloco
este que devia ser classificado como Monumento Nacional, a intervenção vista
numa perspectiva comparativa com outros revestimentos de azulejos do Sec. XIX e
XX, é totalmente medíocre e artísticamente péssima.
Assim basta ir
apenas ao pormenor de que as molduras das janelas não são desenvolvidas através
de azulejos mais estreitos, concebidos especialmente para constituír moldura em
contraste com o todo, mas meramente pintadas ...
António Sérgio
Rosa de Carvalho / OVOODOCORVO
Especialistas
defendem estratégia global para a Baixa
Colocação de azulejos nas
fachadas da Praça da Figueira é vista como medida "desarticulada" e
"casuística" que não valoriza a Baixa como um todo nem contribui para
resolver os problemas locais.
JOÃO PEDRO PINCHA
14 de Fevereiro de 2018, 21:30
O súbito
aparecimento de azulejos na fachada do quarteirão da Suíça, na lisboeta Praça
da Figueira, é encarado com perplexidade por alguns arquitectos e
historiadores. Um grupo de especialistas esteve reunido esta quarta-feira e do
encontro saíram mais dúvidas do que certezas. Os presentes questionaram a
relevância da intervenção e foram unânimes a defender a existência de um plano
global para a Baixa, em vez de operações isoladas.
No primeiro andar
da Confeitaria Nacional, com vista para os azulejos, a vereação do PSD promoveu
um pequeno-almoço de debate em torno do projecto de Daciano da Costa. Esse
projecto, desenhado em 2001 e reavivado pela câmara municipal no fim de 2017,
prevê que todas as fachadas da praça sejam revestidas a azulejos. Os primeiros,
azuis e brancos, já estão num dos topos.
“Começou-se por
este sem explicar tudo o resto”, lamentou João Paulo Martins, co-autor do
projecto. O arquitecto explicou que a ideia sempre foi ter os quarteirões
diferenciados entre si: nuns aplicar-se-iam azulejos azuis e brancos, criando
um efeito dégradé; noutros, os azulejos seriam todos azuis; no quarteirão da
Suíça, ficou desenhado – e cumpriu-se – que os azulejos seriam mais claros,
sobretudo brancos.
“O projecto tinha
este pressuposto: é necessário fazer alguma coisa na Praça da Figueira”,
lembrou João Paulo Martins. O atelier de Daciano foi convidado pelo executivo
de João Soares, em 1999, a apresentar uma proposta de intervenção quando
“estava já a decorrer a construção do parque de estacionamento subterrâneo”,
disse. “Foi isso que foi encomendado, um chão para a praça. Mas lá no atelier
percebeu-se que um chão não chegava”, acrescentou. Isto porque a praça foi
durante muito tempo ocupada por um mercado em ferro e “as fachadas foram sendo
concebidas ao longo do tempo com uma perspectiva que nós hoje não temos”, uma
vez que o mercado desapareceu.
Daí surgiu a
pergunta “como fazer disto uma unidade?” e a resposta veio na forma de
azulejos. João Paulo Martins, que se desvinculou do atelier de Daciano em 2002,
afirmou que “desde 1999 tem havido debate público sobre esta questão” e que
“não houve nada escondido”. Ainda assim, não põe as mãos no fogo pelo que agora
foi feito.
Em 2004, um
parecer identificou o tipo de azulejos e procedimentos necessários para
garantir que as paredes dos prédios continuariam a “respirar”. Com base nisso,
a câmara, então liderada por Carmona Rodrigues, disse que os azulejos produzidos
em 2001 não serviam. Mas a autarquia disse ao PÚBLICO na semana passada que as
peças agora aplicadas são precisamente as que foram dadas como inaptas há 14
anos. “Não sei até que ponto se respeitaram os condicionalismos técnicos”,
disse João Paulo Martins. “Se me perguntarem se o resultado que aqui está era o
que eu tinha na minha cabeça há 18 anos”, começou – mas não concluiu a frase.
Para João Rodeia,
ex-presidente da Ordem dos Arquitectos e do Instituto Português do Património
Arquitectónico (Ippar), esta intervenção “é casuística” porque a Baixa vale
“pelo seu todo”. “Eu preferiria que houvesse uma visão mais global”, defendeu.
E lembrou que existe uma candidatura desta zona a Património da UNESCO.
“Sabendo que a avaliação das candidaturas é matéria sensível, eu pergunto-me se
a continuação de intervenções casuísticas não põe em causa a inscrição da Baixa
na lista de património.”
Nuno Vassallo e
Silva, ex-director-geral do Património Cultural, questionou: “Qual a
oportunidade desta intervenção em 2018? Em 1999, a Baixa vivia uma decadência
tremenda. Em 2018 o panorama não é o mesmo”, disse. “Ver esta intervenção desarticulada
de toda a Baixa parece-me algo preocupante. Não sei se este projecto hoje terá
o lugar ou a justificação que tinha há 18 anos.”
Xana Campos, do
fórum de discussão Arquitectura PERTO, manifestou-se “chocada” com o
revestimento e lançou várias questões. “Porque é que há este tipo de
intervenção? Qual é a razão? Expliquem-me lá qual é a ideia, a vantagem. A
unidade não se consegue por o revestimento ser todo o mesmo.”
Já o arquitecto
Victor Lopes dos Santos criticou o facto de a câmara impor aos proprietários a
utilização de azulejos nas fachadas da praça, sobretudo sem um plano mais
integrado. “Preocupa-me estarmos a fazer uma intervenção de redesenho de um
espaço sem saber o que se pode fazer para o revitalizar. De que é que vale uma
pessoa pintar os prédios, pô-los de cara lavada, se ninguém os vai utilizar?”
Por fim, todos defenderam a criação de uma estrutura
própria para pensar a Baixa como um todo – algo que João Pedro Costa, vereador
do PSD, se comprometeu a propor na c
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