EDITORIAL
Gato escondido com rabo de fora
A história da auditoria à Santa Casa é só mais um exemplo de
como não é preciso um Rio para descobrirmos um bloco central.
David Dinis
23 de Abril de 2018, 6:31
Sempre que se vislumbra no sistema político uma aproximação
ao centro, a conversa regressa ao medo: o bloco central é um perigo para a
democracia, não apenas porque os maiores partidos anulam alternativas políticas
que são necessárias, mas também e sobretudo porque os grandes interesses se
juntam num só — e terão tendência para se proteger.
O caso que José António Cerejo hoje nos relata é a prova de
que não é preciso um bloco central formal para que esse problema esteja entre
nós. E mostra também como um dos maiores problemas do país — e do seu sistema
político — é o da enorme falta de transparência com que os poderes públicos
actuam.
O que se segue são factos: em 2014, depois de alguns órgãos
de comunicação social (como o PÚBLICO) terem levantado dúvidas sobre a Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), o Governo de Passos mandou fazer uma
auditoria à instituição. Ela demorou a ser feita e só chegou ao Ministério dois
anos depois, já com António Costa primeiro-ministro. Depois, passaram 20 meses
até que Vieira da Silva lhe pusesse a assinatura, permitindo o seu envio para o
Tribunal de Contas, a quem caberá fazer um julgamento e tirar as devidas
consequências.
O que se segue também são factos: segundo a auditoria, os
inspectores da Segurança Social identificaram na SCML numerosas
irregularidades, queixando-se até de a Santa Casa lhes ter condicionado o
trabalho; Santana Lopes foi reconduzido à frente da instituição pelo novo
Governo; o relatório da inspecção chegou à mesa do ministro Vieira da Silva,
onde ficou durante 20 meses à espera de uma assinatura, que só foi posta no
papel depois de Santana Lopes ter anunciado que abdicava do lugar para
concorrer à liderança do PSD (mais até, depois de ter pedido essas eleições
internas, ficando por uma vez fora do palco político).
O que segue ainda são factos: durante todo este período, a
auditoria ficou em segredo, sendo um caso raríssimo de demora na homologação de
uma auditoria — e um caso também raro de um ministério que esconde os
resultados das suas auditorias e inspecções; foi também neste seu último
mandato à frente da Santa Casa que Santana Lopes lançou o processo de entrada
da Santa Casa no Montepio, num momento sensível para a Mutualista, que, por sua
vez, também é supervisionada pelo Ministério da Segurança Social.
A partir daqui, quero deixar claro, não são factos, só uma
dúvida: quando todos estes factos se cruzam, quando todos eles são postos na
mesma linha cronológica, onde é que está o gato?
tp.ocilbup@siniD.divaD
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