Insólito: PSD vota contra moção que apresentou na Assembleia
Municipal de Lisboa
Samuel Alemão
Texto
25 Abril, 2018
Algo pouco expectável aconteceu na sessão desta terça-feira
(24 de Abril) da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), quando o PSD votou
contra uma moção por si apresentada, tal como a grande maioria dos deputados
daquele órgão autárquico. A excepção foram as abstenções por parte dos eleitos
do CDS-PP, do PPM e do MPT. Ninguém votou a favor. A decisão dos
social-democratas de recusarem o próprio documento deliberativo que haviam
proposto – e no qual se teciam comentários em tom sarcástico ao que consideram
ser o incumprimento do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML) em
relação à promessa de construção de centros de saúde na cidade – causou um
incidente no decurso dos trabalhos. Helena Roseta, a presidente da assembleia,
tentou mesmo retirar a moção da votação, alegando que tal indicação de voto da
bancada laranja não era admissível. Algo contestado pelo partido, alegando
estar no seu direito fazê-lo.
A moção, intitulada “Saudar Medina e a conclusão das obras
dos seus novos Centros de Saúde em Lisboa”, fazia alusão ao dia 14 de Março de
2017, “em vésperas de eleições autárquicas”, quando “o PS da CML e o PS do
Governo, juntaram-se para anunciar a construção de catorze novos centros de
saúde para servir a Cidade de Lisboa”. A lista era composta pelos seguintes
equipamentos: as Unidades de Saúde (US) Alta Lisboa-Norte (freguesia de Santa
Clara), a US Telheiras (Lumiar), US Alcântara (Alcântara), US Ajuda (Ajuda), US
Restelo (Belém), US Alto dos Moinhos (São Domingos de Benfica), US Fonte Nova
(Benfica), US Marvila (Marvila), US Campo de Ourique (Campo de Ourique), US
Areeiro (Areeiro), US Arroios (Arroios), US Beato (Beato), US Sapadores-Graça
(Penha de França) e US Parque das Nações (Parque das Nações).
O documento apresentado pelo PSD lembrou que, na tal
cerimónia, o presidente da autarquia e o ministro da Saúde, Adalberto Campos
Fernandes, haviam garantido que as obras começariam até ao final de 2017 e
estariam todas concluídas em 2020. Meta que os social-democratas alegam ter
considerado, desde logo, pouco exequível. “Ora, o PSD veio na altura criticar o
que aparentava ser um anúncio eleitoralista, que teria como único propósito
criar uma falsa expectativa junto dos Lisboetas, procurando assim conquistar a
confiança destes com base única e exclusivamente em mais um pedaço de papel
cheio de promessas em vésperas de eleições”, diz a moção, para, logo depois,
encetar por um registo irónico: “Porém, passado mais de um ano, não podemos
deixar de salientar que, não obstante nada ter sido anunciado publicamente, as
promessas estarão, certamente, em avançado estado de realização, com várias
obras que terão arrancado logo a seguir às eleições autárquicas”.
Mantendo o tom, a moção do PSD propunha deliberar, em
primeiro lugar, “saudar o cumprimento dos compromissos pré-eleitorais de
Medina, com especial destaque para a eminente conclusão da construção do Centro
de Saúde do Parque das Nações” – equipamento em relação ao qual, nos
considerandos da proposta, os social-democratas constatavam que “estará em fase
final de construção e, certamente, abrirá até ao final do ano, cumprindo assim
o desígnio de evitar que os utentes continuem a recorrer ao privado ou a ter de
trocar três autocarros para chegarem ao público mais próximo”. E, depois,
“atira-se” ao ministro, apelando a que se lhe comunique “que quando visita em
Lisboa as obras em estado avançado dos vários Centros de Saúde que anunciou,
não se deve recatar e deve mesmo convocar a Comunicação Social e esta
Assembleia para o acompanhar”.
Ora, quando chegou o momento de votar a moção, Helena Roseta
não escondeu a sua perplexidade pela orientação de chumbo da mesma pela banca
que a propusera. “Mas a moção não é do PSD? E estão a votar contra?”,
questionou, espantada, ante o riso de alguns. “É a palhaçada!”, ainda se ouvi
alguém atirar. Perante a insólita situação, a presidente decidiu intervir. “Não
acho que isto seja razoável”, disse, antes de propor a retirada da moção,
através de um voto de “não admissibilidade” junto do plenário. Ouvindo
protestos da bancada laranja em relação a tal hipótese, Roseta ainda propôs que
fosse o PSD a retirar o texto da votação. Caso contrário, avançaria com a
pergunta ao plenário sobre se queriam ou não votá-lo. “É uma questão de
bom-senso, a democracia não se faz sem bom-senso”, comentou.
Luís Newton, líder da
bancada do PSD e presidente da Junta de Freguesia da Estrela, não gostou e
defendeu o que considerou o direito do seu partido a exercer uma “manifestação
política”. “Quero que me esclareça dos fundamentos dessa decisão. Onde é que a
mesa ou o plenário têm o direito de retirar a possibilidade a um partido de se
pronunciar politicamente sobre uma matéria? Desconheço-os, por isso, se calhar,
é falha minha”, ironizou. “Em vésperas de 25 de Abril, isto parece-me muito
estranho”, comentou. Roseta ainda insistiu que ser o partido proponente a votar
contra “não faz sentido”. “Se não há ninguém a sustentar a proposta, porque é
que a vamos colocar a votação?”, interrogou.
Recorrendo à mesma
arma, a ironia, o Bloco de Esquerda, pela voz de Rui Costa, expressou um
inesperado apoio à posição do PSD. “Esta moção, regimentalmente, tem de ser
votada. Até porque tem de ficar registado em acta este momento, no mínimo,
hilário. Permitam-me que cite um deputado brasileiro, o Tiririca. Votemos isto,
porque pior do que está não fica!”, apelou o líder da bancada bloquista.
Com menos disposição para tiradas
humorísticas estava o homólogo do PCP. “Se é o próprio partido que rejeita é
uma das raras vezes que uma força política ofende a dignidade e a democracia
desta assembleia”, considerou Modesto Navarro.
Luís Newton notou o
que disse ter notada a “reacção que isto merece aqui à esquerda” e insistiu no
considerou o inalienável direito do seu partido em apresentar a proposta e
votá-la como bem entendesse. “Temos o direito de apresentar qualquer moção,
sejam quais forem os termos, desde que ela não represente, em momento algum,
uma ofensa a ninguém. A moção constitui um conjunto de factos”, afirmou, antes
de se terminar: “Estão a impedir uma manifestação política. A forma em que se
apresenta é, se calhar, diferente daquilo que os senhores deputados estão
habituados”.
Exactamente antes
desta última intervenção de Newton, porém, já Roseta dera o caso como perdido.
“A assembleia é soberana. Se entende que a mesa não tem razão, vota contra
aquilo que eu propus”. A autarca disse não querer ficar com “o ónus de impedir
a votação”. E, feita a polémica votação, a presidente da AML deixou um aviso.
“Temos aqui uma circunstância única. Não deixarei de levar isto à conferência
de representantes, o nosso regimento deverá prever essas situações. Tiraremos
as conclusões no âmbito regimental”, prometeu.
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