Faltam espaços
verdes às praças requalificadas em Lisboa
Sofia Cristino
Texto
3 Abril, 2018
Arquitectos
paisagistas e ambientalistas estão a detectar um padrão comum às ruas e praças
requalificadas no âmbito do projecto municipal Uma Praça em Cada Bairro. Dizem
que carecem de áreas verdes, que têm demasiados pavimentos e bancos cimentados,
e não são pensados para as pessoas, quando o que se pretendia com este programa
era criar novos lugares de convívio para quem vive em Lisboa. “Parecem um
deserto, estão áridas e falta-lhes alma. Há um excesso de pilaretes, podiam
utilizar materiais portugueses e reinventá-los”, diz o arquitecto paisagista
Rui Valada. A Plataforma em Defesa das Árvores lembra que já há falta de
espaços verdes na cidade e que este projecto poderia ajudar a reverter a
situação. No entanto, tem sido feito o contrário, ao não serem criadas mais
zonas verdes, alega. “No verão, ninguém vai para lá, não há sombra”, diz Rosa
Casimiro, dirigente da plataforma. João Gomes da Silva não entende a
necessidade de se reduzir o orçamento destinado à revitalização destas obras.
“Não se deve poupar no espaço público. Uma visão que reduz as coisas não é uma
visão contemporânea, é muito incompleta”, observa. Estes arquitectos
paisagistas consideram que a causa do insucesso deste programa reside no facto
da Câmara de Lisboa só abrir os concursos públicos a arquitectos.
“Entregaram uma praça a cada arquitecto, não
houve uma visão de conjunto. Algumas, como estão, parecem um deserto, estão
áridas, falta-lhes alma e questões de pormenor, que são fundamentais na
concepção do espaço público”, diz Rui Valada, arquitecto paisagista,
referindo-se a alguns dos largos já requalificados no âmbito do programa Uma
Praça em Cada Bairro da Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Valada não é o único a ter esta percepção, a
qual é partilhada por outros arquitectos paisagistas, ambientalistas e pessoas
que observam a cidade de Lisboa. Queixam-se que as áreas verdes não têm sido
contempladas na reconstrução destes espaços, nos quais sobressai o pavimento e
os bancos cimentados. Solução que não só torna a cidade “mais cinzenta e sem
vida”, como não convida os habitantes a usufruírem do espaço.
“Impermeabilizaram
os solos que eram permeáveis e, em vez de aumentarem as caldeiras das árvores,
diminuíram-nas. Já há falta de espaços verdes, em Lisboa, e não está a ser
feito nada para reverter esta situação. Este programa não está em linha com a
política da CML, de recuperação das áreas verdes”, observa Rosa Casimiro, da
Plataforma em Defesa das Árvores. A activista critica, ainda, o derrube de
árvores que tem acontecido em algumas das áreas intervencionadas, como é o caso
da Rua de Campolide. “Foram abatidas árvores que estavam no projecto e houve um
total desrespeito pelos espaços verdes que já existiam. No verão, ninguém vai
para lá, porque não há sombra”, comenta.
O arquitecto paisagista João Gomes da Silva
elogia o trabalho feito, ao longo dos últimos anos, no espaço público, em
Lisboa. Repara, todavia, que a orientação que foi dada a este programa
apresenta “alguns erros”. “A criação deste género de projectos é muito
importante, mas só se forem associados a uma escala de bairro. Deveriam satisfazer
as comunidades, o que não está a acontecer. Há uma enorme ingenuidade das
pessoas na idealização dos espaços”, considera.
Em 2014, a CML
anunciava, em reunião de câmara, a sua vontade de transformar 30 ruas e largos
de Lisboa em novos pontos de encontro e de convívio da comunidade local, com
renovada iluminação, mobiliário urbano, árvores, esplanadas e equipamentos,
como quiosques e parques infantis. Dinamizar o comércio local, aumentar a área
dos passeios, plantar mais espaços verdes e ampliar o espaço destinado aos
peões, limitando o uso do automóvel, são algumas das principais linhas
orientadoras do programa.
Olhando para as quinze praças já concluídas,
verifica-se que são muitos os padrões de construção que se repetem, como a
criação de um pavimento único, normalmente cimentado, a redução do canal
rodoviário com o alargamento dos passeios, a pedonalização de algumas áreas e a
elevação da faixa de rodagem. Há quem considere, por isso, que os espaços já
requalificados não reflectem as metas traçadas pela autarquia e poderiam ter
sido melhor aproveitados.
O arquitecto paisagista Rui Valada, autor da
requalificação da praça do Rossio, em 2006, olha com “grande desilusão” para o
que está a ser feito. “Há erros de palmatória. Cada bairro tem uma linguagem
diferente e isso não está a ser tido em conta. Há falta de alma na utilização
dos materiais e elementos urbanos, há um excesso de uso de pilaretes. Podiam
utilizar materiais portugueses e reinventá-los. A memória é importante para a
vivência dos espaços públicos e, também, não foi contemplada.”, repara.
Por ocasião da apresentação do projecto,
explicava-se que os trabalhos realizados na Avenida Duque de Ávila, nas Avenidas
Novas, e na zona ribeirinha, deveriam ser replicados ao resto da cidade,
criando-se novos pólos de atracção nas 24 freguesias de Lisboa. O vereador do
Urbanismo e das Obras Públicas, Manuel Salgado, admitia, na altura, que este é
“um programa ambicioso”, por estarem em causa “muitas intervenções que
necessitam de projectos mais ou menos complexos e exigem um investimento
significativo na sua concretização total”.
De forma a adequar o programa à capacidade
financeira do município e das freguesias, mas, também, para testar algumas das
soluções viárias propostas pelos arquitectos, Salgado explicava que teriam de
realizar intervenções “low cost” (de baixo custo), com recurso a pintura do
pavimento, floreiras e outros elementos de mobiliário urbano.
João Gomes da Silva diz não entender a
necessidade de se reduzir o orçamento disponível para a revitalização dos
espaços comuns. Segundo o arquitecto paisagista, “não se deve poupar no espaço
público”.
“A recolha de
lixo, a iluminação pública, a rega e a gestão das áreas verdes implicam mais
gastos, mas são fundamentais. Uma visão que reduz as coisas não é uma visão
contemporânea, é muito incompleta. Quanto mais somos capazes de responder a um
projecto, de uma forma mais consolidada, mais sucesso temos”, observa. “Não
tenho dúvidas que houve uma redução dos gastos por causa dos custos da
manutenção dos espaços verdes. Não se podem esperar milagres de projectos
feitos com pouco dinheiro”, critica, ainda.
A activista Rosa Casimiro diz que o “fracasso”
deste programa tem outro tipo de origens, destacando a falta de coordenação de
duas divisões da CML. “Estas requalificações não foram acordadas entre os
departamentos das Obras Públicas e os Espaços Verdes. Há uma rivalidade entre
eles, que se percebe”, observa.
À medida que a cidade tem vindo a sofrer estas
transformações, o número de praças incluídas no programa Uma Praça em Cada
Bairro tem também vindo a crescer, com a inclusão posterior de outras, como a
Praça Marechal Humberto Delgado, em Sete Rios. A ideia, neste caso, era que a
circulação rodoviária e o estacionamento passassem a concentrar-se junto ao
viaduto do Eixo Norte-Sul, libertando-se, assim, o espaço em frente ao Jardim
Zoológico de Lisboa, onde já foi criada uma praça pedonal, com cerca de dois
hectares.
João Nunes, arquitecto paisagista, um dos
autores dos projectos de requalificação da Calçada da Ajuda e da Ribeira das
Naus, considera que, em Sete Rios, poderia ter havido “outro cuidado na
compatibilização do estacionamento com mais árvores e outro mobiliário urbano”.
Salienta, no entanto, que essas mudanças ainda podem ser feitas, uma vez que a
praça não está totalmente acabada.
A intervenção realizada na Rua de Campolide,
diz, ainda, poderia ter sido melhor concretizada, em termos de construção. “Do
ponto de vista arquitectónico, houveram alguns deslizes. Campolide tem uma
grande capacidade de gerar movimento, que estava todo direcionado para a Rua de
Campolide. A ideia era fazer mais esplanadas e reduzir o impacto da presença
das entradas de estacionamento”, observa. Em termos de introdução de uma nova
vivência, salienta, contudo, “é um sítio exemplar”. “Aquilo era um deserto”,
afirma.
Os arquitectos paisagistas ouvidos por O Corvo
partilham a opinião de que um dos principais problemas do que consideram ser o
“insucesso” destas requalificações reside na decisão da CML de abrir concursos
públicos exclusivamente para arquitectos.
“Acho gravíssimo que a câmara tenha promovido
uma espécie de monopólio de arquitectos, ao excluir os profissionais melhor
preparados para reabilitarem o espaço público, os arquitectos paisagistas são
treinados especificamente para o fazer. Não me espanta absolutamente nada que
algumas obras realizadas tenham problemas de concepção. Estamos num processo de
retrocesso das leis do urbanismo e na forma de pensar as áreas comuns”, critica
João Gomes da Silva.
João Nunes corrobora a opinião do colega,
ressalvando, no entanto, que há casos de maior sucesso. “A operação Uma Praça
Em Cada Bairro está cheia de vícios por parte da câmara, que explorou uma
espécie de entusiasmo muito generoso dos projectistas, que aceitaram trabalhar
em condições de remuneração miseráveis e que, mesmo assim, em alguns casos,
fizeram um excelente trabalho”, diz. Referindo-se a um projecto da sua autoria,
não poupa nas palavras. “A forma como a revitalização da Calçada da Ajuda
transformou a própria cidade é impressionante. A capacidade que o espaço
público teve aqui de requalificar o comércio e transformar a própria lógica do
construído é muito interessante”, considera, ainda.
Segundo o município, há 150 ruas e praças a
precisarem de ser requalificadas, sendo que 30, as escolhidas para integrar
este programa, carecem de uma intervenção prioritária. No projecto inicial do
programa Uma Praça em Cada Bairro, estava previsto um investimento total de
cerca de 40 milhões de euros. Neste momento, a iniciativa já vai a meio, com
quinze praças totalmente renovadas e três praticamente concluídas: a de Sete
Rios, a da Quinta de Santa Clara e a da Rua Actriz Palmira Bastos, em Marvila.
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