PORTO
Hotel Infante Sagres abriu processos
judiciais contra livraria centenária e câmara
Em causa está a classificação da livraria Moreira da Costa como loja
histórica e o licenciamento de construção de um spa, que antecedeu o
reconhecimento pela Câmara do Porto.
MIGUEL ÂNGELO AFONSO 20 de Abril de 2018, 20:43
Abriu esta segunda-feira ao público, mas só hoje foi
apresentado oficialmente. O Hotel Infante Sagres, do grupo The Fladgate
Partnership (responsável por marcas como a Taylor’s, Fonseca, Croft e Khron),
desde 2016, abriu de cara renovada e com três processos judiciais a decorrer.
Tudo devido à construção de um spa, que ainda não arrancou devido à
classificação da Moreira da Costa, “a mais antiga livraria da cidade do Porto”,
como loja histórica e que partilha as paredes com o Hotel de cinco estrelas.
Na apresentação do hotel, o CEO do grupo, Adrian Bridge,
revelou que estão em curso “vários processos judiciais” uma vez que a
construção do spa na cave foi licenciada a Junho de 2017 e só mais tarde, a
Dezembro desse mesmo ano, é que a livraria foi classificada pela câmara. Em questão
está a cave dos dois estabelecimentos, que são paredes-meias. Se de um lado se
pretende construir um spa, no outro a livraria, que abriu portas em 1902,
armazenou centenas (milhares?) de livros. A incompatibilidade? Adrian Bridge
teme que os livros sejam inflamáveis e que, por essa mesma razão, sejam um
perigo para os hóspedes.
Ao PÚBLICO, a esposa do proprietário da livraria, Susana
Fernandes, diz que existem três processos em curso: dois contra a livraria e um
contra a câmara, na qual se vêem integrados por serem parte interessada. A
classificação como loja histórica, confessa, foi depois do licenciamento de
obras do Infante Sagres mas isto apenas porque o concurso só abriu nessa
altura. “O proprietário do hotel diz que só nos candidatámos depois nos ter
sido mandada a carta de denúncia do contrato — o que é verdade —, mas nós só
nos candidatámos a 3 de Julho de 2017 porque foi quando abriram as inscrições
para o Porto de Tradição e para as lojas históricas”, explica Susana Fernandes.
“Mas já tínhamos informado o proprietário que o iríamos fazer.”
Há uma primeira proposta da câmara para a classificação da
livraria como loja histórica a 5 de Setembro mas devido a uma reclamação, no
período de discussão pública, a decisão final é apenas de 21 de Dezembro. “Como
é que o projecto [do hotel] está licenciado formalmente e depois há uma nova
lei de lojas históricas que passa por cima do nosso licenciamento”, questiona
Adrian Bridge. “É uma lei civil e dentro das leis portuguesas não é possível
aplicar uma lei civil retroactivamente.”
A ideia, segundo o CEO do The Fladgate Partnership, que já
explora o Yetman (Gaia) e o Vintage House (Pinhão, Douro), passou por “oferecer
várias soluções”, incluindo “o pagamento de uma compensação mais generosa do
que a lei prevê”. “Também propusemos que eles [proprietários da Moreira Costa]
ficassem com a loja e nós com a cave, comprando-a.” Mas nenhuma das negociações
deu fruto.
Susana Fernandes refere que tinha informado o proprietário
do hotel quanto à sua ambição em classificar a livraria como loja histórica, em
2016. E depois surgiram as propostas, entre as quais passar para a esquina,
manter a parte de cima e vender a parte de baixo, passando o espólio para um
armazém em que os proprietários sabiam que “iriam começar obras” e depois
surgiu mesmo uma negociação monetária, antecedendo à candidatura de
classificação, a “qual não foi aceite”. “E então dissemos que não haveria qualquer
tipo de acordo e que iríamos lutar, com todas as armas que tivéssemos, para que
pudéssemos cá ficar.”
Adrian Bridge, por seu lado, diz-se preocupado com a
segurança dos hóspedes. “Desde há anos e anos que [a livraria] tem lá o seu
stock de livros” e estes são vistos como um risco, uma vez que “ninguém quer
ter milhares de livros, que são
inflamáveis, debaixo de sua casa”. Susana Fernandes contrapõe que os livros
estão salvaguardados uma vez que estão reunidas todas as condições para
prevenção e combate a incêndios.
A esposa do proprietário garante também que o contrato e a
renda “de 1948” se mantêm. “Em 2004 houve a mudança de designação social da
livraria, porque nenhum de nós era Moreira da Costa”, e nesse ano, então, o
proprietário e fundador do hotel, Delfim Ferreira, decidiu reverter o valor da
renda. “O proprietário do hotel tinha um enorme respeito por nós e achava que a
livraria dava dignidade ao seu empreendimento”, sublinha Susana Fernandes. “E o
que as pessoas também dizem é que estranham que o actual proprietário do hotel
não tenha orgulho em ter uma livraria centenária no seu empreendimento, o que
até dá um charme a este hotel tão antigo, que é lindíssimo e que faz parte da
cidade. Como nós, que fazemos parte da cidade e queremos continuar a fazer.”
Texto editado por Ana Fernandes
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