Ainda e de novo a Praça-Mesquita da
Mouraria
O que está aqui em causa é questionar
se não se podia fazer tudo isto de outra forma, sem este afirmar de “marca de
autor”, sem tentar enfiar o Rossio na Betesga nem que para isso altere a
cidade?
PAULO FERRERO
26 de Abril de 2017, 6:10
A propósito da excelente exposição sagazmente intitulada “A
Lisboa que teria sido”, patente durante os tempos mais próximos num pavilhão
anexo ao belo Palácio Pimenta (Museu de Lisboa), e do espanto e urticária que a
mesma provoca mesmo ao mais avisado dos visitantes, tal é a variada barbaridade
ali exposta do que podia ter sido construído na cidade de Lisboa e de que nos
livrámos, imagina-se, já então, por falta de verba, sendo muita dela, a
barbárie, para grande espanto dos mais incautos, projectada por autênticos
ídolos da nossa arquitectura (Cassiano Branco, Cristino da Silva, Porfírio
Pardal Monteiro, Cottineli Telmo… inclusive Ventura Terra), há que dizer que
não é tão certo assim que idêntica exposição seja possível daqui por 50-60
anos, dando então conta às gerações futuras do que se podia ter evitado
construir na actualidade e não se evitou.
Vem este intróito a talhe de foice da polémica em volta do
projecto de arquitectura da Praça-Mesquita da Mouraria, da autoria da arquiteta
Inês Lobo, e que, para além de ter um custo estimado (há três anos) de três
milhões de euros (cuja proveniência, para lá do milhão e meio a prover pela CML
[Câmara Municipal de Lisboa] em matéria de indemnizações, não se sabe neste
momento muito bem qual será), irá implicar a alteração radical quer do que hoje
vemos na característica e genuína Rua do Benformoso, quer da totalidade de um
dos lados da mini Rua da Palma, por força da demolição de vários dos seus
edifícios, incluindo, no primeiro caso, um edifício privado a expropriar (quase
consumada) que foi recentemente recuperado de cima a baixo pelo proprietário, que
aliás cumpriu escrupulosamente as indicações dos serviços de urbanismo da
própria CML! Detalhes.
Mais uma vez, e à semelhança do projecto para o futuro Museu
Judaico, em Alfama, também aqui não está minimamente em causa a justeza de uma
segunda mesquita em Lisboa, mas de um projecto de arquitectura em particular,
até porque, que se saiba, esta nova mesquita destina-se à Comunidade Muçulmana
Bangladeshi, diferente da que se reúne junto à Praça de Espanha, e a substituir
a actual “mesquita”, que funciona, há que dizê-lo, num local completamente
impróprio.
Ou seja, o que está aqui em causa é questionar se não se
podia fazer tudo isto de outra forma, sem este afirmar de “marca de autor”, sem
tentar enfiar o Rossio na Betesga nem que para isso altere a cidade?
Ou seja, ainda, não é possível fazerem a mesquita e a
“praça” aproveitando o espaço gigante (a pedi-las) da garagem da Rua da Palma,
mais o espaço abandonado para trás, abrindo eventualmente um corredor para a
Rua do Benformoso, pelo portão que ali está, sem ter que inventar formas e
volumetrias em três blocos e rasgar um quarteirão de lés-a-lés, arrasando, qual
génio da exposição acima citada, com a imagética que, bem ou mal, todos temos
de uma e doutra rua? É preciso uma empreitada do “Uma Praça em Cada Bairro” num
bairro onde já existem os largos do Intendente e do Martim Moniz?
Se o conseguissem, evitar-se-iam expropriações “com carácter
de urgência” e confusões legais desnecessárias, quando tudo pode ser simples e
escorreito. Sem demolições do lado da Rua do Benformoso, onde o equilíbrio
urbanístico é por demais evidente e não precisa de cerzideira. E sem demolições
e “novas linguagens” do lado da Rua da Palma, i.e., sem a demolição da fachada
comprida a que nos habituámos, da já referida garagem e do prédio ao lado, que
não sendo nada do outro mundo não destoa e garante também ela a consonância e o
ritmo do quarteirão.
Sim, há espaço com fartura no meio da actual garagem (já lá
foram?), com imenso potencial para se abrirem entradas de luz, recantos para
recato e oração, e para um são convívio entre todos, que é apanágio da cidade e
de toda a Mouraria em especial, assim o consigam arquitectar, talvez sem tanta
régua e esquadro (virtuais) mas com conta, pêso e medida.
À CML, enquanto promotora da obra, sugere-se, pois, bom
senso e contenção, porque ali existe cidade consolidada, uma cidade que apesar
de ser indistinta e quiçá indigna aos competentíssimos olhos da tal de Comissão
Técnica de Apreciação CML/DGPC que nem para ela olhou, não precisa nem de
recriações nem de rasgos de autor ou de rasgões que o firam para sempre.
E que haja exposição daqui por 50-60 anos!
Fundador do Fórum Cidadania Lx
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