Roubos violentos em noites que juntam
mais de 100 mil pessoas
Clientes de bares denunciaram 13
seguranças privados de agressão. Ministério Público acusou-os e começaram a ser
julgados. Mas crimes continuam. Moradores queixam-se
Cais Do Sodré
08 DE ABRIL DE 2017
01:12
Rute Coelho
Muito mais do que a lotação de um estádio de futebol, muito
mais do que o público de um grande concerto rock, a multidão nas noites do Cais
do Sodré, em Lisboa, chega às 100 mil pessoas, garantem os moradores. E o
domínio deste palco caótico, com epicentro na "rua cor-de-rosa", a
Rua Nova do Carvalho - onde fica a maioria dos bares -, esteve durante anos,
alegadamente, nas mãos de 13 seguranças privados que trabalhavam nos vários
bares do Cais do Sodré.
O grupo começou a ser julgado esta semana, em Lisboa, por agressões
a pelo menos 30 clientes e detenção de armas proibidas, segundo o Ministério
Público. Armas como facas, soqueiras e correntes terão sido usadas para
agredir, muitas vezes em grupo, frequentadores dos bares, durante os três anos
a que reporta a acusação (2009 a 2011). Pelo menos três dos seguranças privados
arguidos, que aguardaram em liberdade o julgamento, continuam a exercer essas
funções na noite, confirmou o DN, enquanto outros disseram em tribunal estar a
trabalhar como "relações públicas" em estabelecimentos noturnos. Só
um dos arguidos falou na primeira sessão do julgamento. Os outros preferiram
manter o silêncio, tal como os advogados, que responderam ao DN apenas que não
querem falar dos processos nesta fase.
Mas o que mudou no Cais do Sodré desde que este grupo de
seguranças se dispersou? A zona noturna mais na moda em Lisboa continua a
registar casos de violência mas mudaram os protagonistas e a forma de atuar. A
PSP tem levado a cabo "muitas detenções por roubo a clientes dos bares",
feitos por bandos de jovens da periferia de Lisboa que ali se deslocam, de
propósito com esse objetivo, adiantaram fontes policiais. "É uma zona com
uma população flutuante muito grande e que cresce às quintas, sextas e sábados.
Vem gente de muitos sítios, é um chamariz", acrescentou uma das fontes
consultadas. Por isso, a polícia teve de mudar de estratégia para lidar com os
grupos de assaltantes que esperam pelas saídas de jovens dos bares para
atacarem nas ruas adjacentes. "O que temos feito, e com bons resultados,
foi incidirmos naquela zona em determinados horários, reforçar a visibilidade e
atacar na repressão." Em contrapartida, com os seguranças privados a PSP
"não tem tido problemas ultimamente". Na altura a que reportam os
crimes agora em julgamento, os seguranças dos vários bares "atuavam com
uma frente visível e uma menos visível, que era apoio de retaguarda". Isso
mudou e os atuais vigilantes deixaram de atuar em bando.
Segundo a acusação do Ministério Público, sempre que um
deles discutia com um ou mais clientes, os arguidos "contactavam-se via
rádio e chegavam, inclusive, a fechar o bar onde exerciam funções para ajudar
outros seguranças a agredir as pessoas com quem se desentendiam. "Muitas
das vítimas não apresentavam queixa, algumas por serem estrangeiras, e muitas
outras não se mostravam capazes de reconhecer todos os agressores, devido ao
número (...), à violência das agressões e ainda à estratégia utilizada pelos
arguidos, que (...) trocavam de roupa para dificultarem o reconhecimento pelas
vítimas e, por vezes, ausentavam-se do local para não serem
identificados."
Quanto aos problemas de segurança atuais, a PSP diz estar a
atuar e a reprimir a criminalidade na zona, mas os moradores do Cais do Sodré
garantem que essa atuação policial "não existe". Isabel Sá da
Bandeira, do Movimento Aqui Mora Gente, que representa os moradores do Cais do
Sodré e Santos, queixa-se dos "atos de vandalismo frequentes, nos
automóveis, nos edifícios, com os caixotes do lixo caídos, desaparecidos ou incendiados".
Da janela "vemos grupos a saltar em cima do nosso carro, a pontapear outro
carro, a atirar pedras ou garrafas pelo ar, há insultos e cenas de pancadaria
que muitas vezes acabam com a chegada da ambulância", relata, considerando
que é necessário reforçar a segurança na zona.
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