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A loja da Baixa que é como uma grande
caixa de ferramentas com quase cem anos
POR O CORVO • 26 ABRIL, 2017 •
Aberta em plena baixa
lisboeta desde 1922, a casa de ferragens Costa & Costa ainda tem clientes
com a idade da própria loja. Ninguém diria que neste espaço, que pela sua
pequena dimensão passa um pouco despercebido, cabem 41 mil variedades de
artigos. Alguns são únicos e já difíceis de encontrar, mas muito requisitados.
O bazar de ferramentas e ferragens assistiu a uma transformação colossal da
capital portuguesa e viu nela uma oportunidade para crescer.
Texto: Sofia
Cristino Fotografias: Líbia Florentino Vídeo: Álvaro Filho
“É só rodar”, explica
Maria Filomena Costa, enquanto manuseia uma agulha para desentupir bicos de
fogões a gás, com uma destreza própria de quem dedicou uma vida ao mundo da
bricolage e das ferramentas. De sorriso fácil e tom de voz firme, a
proprietária da casa Costa & Costa, uma loja de ferragens e ferramentas com
95 anos de vida, tem resposta para todas as dúvidas dos clientes que não páram
de chegar.
No número 1 da Rua
João das Regras, a poucos metros da Praça da Figueira, o bazar, pequeno e
aconchegado, passa um pouco despercebido, não deixando adivinhar o espólio que
alberga. O espaço não é grande, mas ali dentro cabem 41 mil variedades de
artigos, condensados em centenas de caixas e caixinhas amontoadas em prateleiras
até ao tecto, em montras envidraçadas, armários e outros arrumos, onde
poderíamos passar horas e horas que o tempo não chegaria para vermos tudo ao
pormenor. “Hoje, vendemos mais de 41 mil artigos, só em parafusos há imensa
variedade, não imagina”, garante-nos Maria Filomena Costa. De facto, não é
preciso passarmos muito tempo na Costa & Costa para constatarmos que aqui
há de tudo um pouco.
À entrada, somos logo
recebidos com um convite para visitar o primeiro piso, mas nem sempre foi
assim. Em 1922, ano em que António Costa, avô da actual proprietária, abriu a
loja, esta esgotava-se no rés-do-chão, onde tudo acontecia. “Havia um balcão
comprido com pregos, parafusos, camarões… Era tipo self-service, na altura
ainda tinha que se pesar, vendia-se ao peso”, recorda a dona da firma de
ferragens. “Antigamente, era realmente diferente, havia mais fechaduras, pregos
e ferragens. Depois, eu meti a gama de canalizações, as torneiras, os artigos
de casa de banho, e tudo o que vê aqui…”, acrescenta.
Hoje, a Costa &
Costa está mais modernizada, mas ainda apresenta muitas das suas
características originais. Foi ampliada e, em 1993, deixou de ser só
rés-do-chão e conheceu um novo piso, fruto das exigências do tempo. “Fiz a
remodelação da loja toda! Decidi aumentá-la para o primeiro piso, quando
surgiram os centros comerciais, há 25 anos. Nunca paramos de trabalhar, mesmo
com as remodelações a ocorrerem, trabalhei todos os dias”, conta-nos,
orgulhosa. O segundo andar, que acolhe uma verdadeira exposição de materiais
antigos, mas também alguns mais modernos, parece não ter fim.
Depois de subirmos a
escada de metal, é uma verdadeira aventura explorá-lo e é difícil não encontrar
o que se procura. Desde os tradicionais parafusos e chaves de fendas, às fechaduras,
canhões e puxadores de portas de todos os feitios e cores, há artigos de casa
de banho, como toalheiros, torneiras e saboneteiras, colas para todo o tipo de
exigências, material eléctrico, pinturas para obras, peças em latão, imitações
de peças antigas, lanternas de parede, e até artigos de decoração.
A darem-nos as
boas-vindas, há espelhos de grande porte, imponentes e de uma beleza peculiar,
molduras feitas de gesso ou banhadas a ouro, assim como outras peças
decorativas que nos transportam rapidamente para uma casa decorada à moda
antiga. Há artigos únicos, já em desuso, como é o caso das sinetes, pequenos
objectos de metal utilizados para selar documentos e cartas, com uma assinatura
personalizada.
Os clientes, tal como
os produtos deste espaço comercial, são diversificados e às centenas.
Bastou-nos uma hora na loja para o percebermos. Naquela manhã de sábado, na
Costa & Costa entrou uma senhora idosa com o neto para comprar “as
habituais” ferramentas, dois turistas à procura de um tipo específico de cola
para um conserto rápido, um casal para comprar uma fechadura dourada – “que tem
de ser encomendada”, avisou logo a proprietária – e um trabalhador da
construção civil para comprar tintas. Também há quem já conheça os cantos à
loja de ferragens e ir directamente à procura do que precisa não é problema. Já
fazem parte da mobília da casa. “Bom dia, vou lá acima buscar aquilo que
falamos, sim?”, informa um cliente ao entrar na loja, ao mesmo tempo que outros
são atendidos.
“Temos uma grande
gama de clientes. Ainda temos clientes muito antigos, que vêem cá há 40 anos e,
até há pouco tempo, tínhamos um senhor com cem anos que ainda vinha cá e subia
a escada até lá acima! Mas também temos muitos estrangeiros, das ilhas, de
Moçambique e de Angola, porque muitos estão a fazer casas lá fora e vêm comprar
os materiais aqui, de propósito”, explica-nos a dona da loja.
Maria Filomena Costa garante-nos que, com o passar dos anos,
nunca sentiu falta de clientes. Comentamos que a loja está cheia e ela
responde-nos logo: “Durante a semana, são mais, porque também há muita gente a
trabalhar nas obras que precisa de vir aqui comprar materiais com
regularidade”. O grande segredo desta afluência de clientes, há quase cem anos,
é o atendimento personalizado e a preocupação em apresentar soluções.
“Chamei um senhor para ir lá desentupir o fogão, levou-me
imenso dinheiro e não resolveu”, queixa-se um cliente, na manhã em que O Corvo
esteve na loja. Rapidamente Maria Filomena Costa sugere a utilização de uma
agulha para desentupir os bicos de fogões a gás, artigo que já não se vê à
venda em muitos espaços comerciais. “Os clientes aparecem aqui com um problema
e nós rapidamente explicamos o que têm de fazer. Além disso, temos materiais
que nos centros comerciais eles não encontram. Muitas vezes, compram nos
centros comerciais e acabam por vir aqui comprar outras coisas e pedirem
conselhos!”, explica-nos Maria Filomena Costa. “Se trouxerem os modelos, nós
também os conseguimos fazer. Por exemplo, o cliente partiu uma peça ou
estragou-a, nós reproduzimos uma igual. Tentamos sempre fazer o melhor, isso
fazemos”, adianta, ainda.
Actualmente, são meia dúzia de funcionários, mas, no início,
eram mais. “Estou cá há 49 anos. Vim para aqui com 20 anos, para ao pé do meu
pai. O meu avô faleceu quando eu tinha 9 anos. Na altura, vim tomar conta de
nove homens!”, conta-nos. Passada de geração em geração, a Costa & Costa
terá agora seguimento com o filho, de 34 anos, que também já trabalha aqui. “A
cidade tem evoluído muito, há muitos hotéis e hostéis, o que também é bom
porque tem desenvolvido o nosso ramo. É bom que haja remodelações para nós
vendermos”, concluiu Maria Filomena Costa, confiante no futuro.
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