quinta-feira, 6 de abril de 2017

A noite em que os parquímetros de Carnide "caíram com o vento"


A noite em que os parquímetros de Carnide "caíram com o vento"

Moradores de Carnide não chegaram a levar os parquímetros para a câmara . EMEL apresentou queixa-crime contra "desconhecidos" e autarquia diz que este é um "acto grave" e "inaceitável num Estado de Direito". População reclama obras prometidas há vários anos.

JOÃO PEDRO PINCHA 6 de Abril de 2017, 20:26

Sentada no pelourinho do Largo do Município, em Lisboa, uma mulher discute animadamente com um conjunto de homens que a rodeiam. “Vim de Carcavelos de propósito. Não ia perder isto. Estou aqui em solidariedade para com a freguesia de Carnide, que isto é só roubar, só roubar”, atira. Está previsto que, dali a minutos, chegue uma caravana com moradores de Carnide, encabeçada pelo executivo da junta de freguesia, que vem entregar um abaixo-assinado com 2500 assinaturas e os parquímetros que a população arrancou durante a noite de quarta-feira.

Os 12 parquímetros, afinal, não vêm. A PSP apreendeu-os antes de deixarem Carnide e devolveu-os à dona, a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), que os instalara há poucos dias em quatro ruas do centro histórico daquela freguesia lisboeta. Na quarta-feira à noite, depois de uma reunião do Grupo Comunitário de Carnide (que junta moradores, comerciantes e instituições da freguesia), cerca de 200 pessoas decidiram retirar os parquímetros das ruas, apenas dois dias depois de estes terem sido ligados.

Os moradores dizem que a EMEL e a Câmara Municipal de Lisboa instituíram estacionamento pago naquela zona sem terem dialogado previamente com a população. E reclamam a construção de um parque de estacionamento de 200 lugares e a requalificação de algumas artérias da zona – tal como está previsto nos três projectos do Orçamento Participativo que a freguesia ganhou em 2012, 2014 e 2015 que ainda não saíram do papel. "Sabemos que a câmara tem capacidade para estes projectos e muitos mais, como se viu agora no eixo central. Começa a cheirar a má-fé", criticou o presidente da junta, Fábio Sousa.

“A junta continuará sempre ao vosso lado”, disse o autarca, que é recandidato à eleição pela CDU, às cerca de 30 pessoas que se deslocaram à Praça do Município ao fim da tarde de quinta-feira.

Foi o último acto de um dos dias mais mediáticos da vida de Carnide. “Parece que esteve muito vento ontem à noite”, ironizou ao PÚBLICO um comerciante durante a manhã. "Os parquímetros caíram com o vento e a junta, como pessoa de bem, vai entregar os bens encontrados", disse, optando por não se identificar. Vários outros moradores e comerciantes usaram a mesma expressão — "caíram com o vento" — para explicar o que tinha sucedido na quarta-feira à noite.

Palmira Pinto foi uma delas. "Andava-se a dizer que a EMEL vinha aí, vinha assado. Nunca pensámos que fosse assim, foi praticamente da noite para o dia", disse. “Eu, aliás, só recebi informação quando já cá estavam os ‘mealheiros’”, acrescentou, referindo-se aos parquímetros retirados em pouco mais de meia hora. A junta mandou entretanto calcetar os passeios onde os equipamentos tinham estado e, pelo meio-dia, já não havia qualquer vestígio da sua existência.

A câmara municipal reagiu a meio da manhã com palavras duras. “É um acto grave e inédito, de deliberada danificação de património municipal, e um acto inaceitável num Estado de Direito”, lia-se num comunicado que a autarquia emitiu. Entretanto, a EMEL apresentou uma queixa-crime contra "desconhecidos" mas não contra a junta.

“Não estamos contra a EMEL, sempre o dissemos”, explicou Fábio Sousa na Praça do Município. Considerando que “não houve vandalismo absolutamente nenhum”, o autarca comunista acusou a câmara de ter uma “política de imposição e prepotência” neste assunto.

"A entrada da EMEL no centro histórico de Carnide já se encontrava prevista e aprovada pelos órgãos municipais. A sua implementação neste momento resultou da vontade de dar resposta positiva aos alertas de moradores para o agravamento da situação do estacionamento nesta zona e teve o apoio expresso do presidente da junta de freguesia na reunião descentralizada de 11 de Janeiro de 2017", acrescentava o comunicado da câmara.

No entanto não é isso que se lê na acta da dita reunião, a que o PÚBLICO teve acesso. "Nós andamos há não sei quanto tempo a pedir ao presidente da EMEL uma audição para sermos ouvidos e não somos ouvidos, nem sequer se chega a marcar reunião", disse Fábio Sousa na ocasião, insistindo na necessidade de cumprir os projectos aprovados no Orçamento Participativo. "Não é aceitável: neste momento, no centro histórico de Carnide, nós não temos um parque de estacionamento. E não é aceitável quando existem alternativas concretas", disse.

A autarquia pediu à EMEL a “reinstalação imediata” dos parquímetros, mas a população de Carnide está disposta a voltar a arrancá-los. “A minha terra está a acordar. Fiquei muito contente”, disse, orgulhosa, Palmira Pinto. “Soube pela rádio! É do melhor que há. Acho lindamente”, comentou uma vizinha.

Sob aclamações de “Viva Carnide!”, “Viva o presidente!” e “Ao menos este foi eleito!”, Fábio Sousa entregou uma petição à câmara municipal, na qual pede a suspensão da entrada da EMEL na freguesia e a definição de um calendário para a construção do parque de estacionamento prometido desde 2012.

Praticamente à mesma hora, o presidente da câmara também se manifestou sobre o assunto. “Uma junta de freguesia proceder à vandalização do material público com os seus próprios meios, à sua subtracção do espaço público e depois com um jogo mediático”, disse Fernando Medina, "é algo profundamente lamentável”. O autarca disse que a instalação dos parquímetros foi feita “a pedido de muitos moradores” e da própria junta, que entretanto “mudou de opinião”. E deixou no ar uma hipótese: “Pode ser que seja do calendário”. Há eleições autárquicas em 

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