A noite em que os parquímetros de
Carnide "caíram com o vento"
Moradores de Carnide não chegaram a
levar os parquímetros para a câmara . EMEL apresentou queixa-crime contra
"desconhecidos" e autarquia diz que este é um "acto grave"
e "inaceitável num Estado de Direito". População reclama obras
prometidas há vários anos.
JOÃO PEDRO PINCHA 6 de Abril de 2017, 20:26
Sentada no pelourinho do Largo do Município, em Lisboa, uma
mulher discute animadamente com um conjunto de homens que a rodeiam. “Vim de
Carcavelos de propósito. Não ia perder isto. Estou aqui em solidariedade para
com a freguesia de Carnide, que isto é só roubar, só roubar”, atira. Está
previsto que, dali a minutos, chegue uma caravana com moradores de Carnide,
encabeçada pelo executivo da junta de freguesia, que vem entregar um
abaixo-assinado com 2500 assinaturas e os parquímetros que a população arrancou
durante a noite de quarta-feira.
Os 12 parquímetros, afinal, não vêm. A PSP apreendeu-os
antes de deixarem Carnide e devolveu-os à dona, a Empresa Municipal de
Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL), que os instalara há poucos dias
em quatro ruas do centro histórico daquela freguesia lisboeta. Na quarta-feira
à noite, depois de uma reunião do Grupo Comunitário de Carnide (que junta
moradores, comerciantes e instituições da freguesia), cerca de 200 pessoas
decidiram retirar os parquímetros das ruas, apenas dois dias depois de estes terem
sido ligados.
Os moradores dizem que a EMEL e a Câmara Municipal de Lisboa
instituíram estacionamento pago naquela zona sem terem dialogado previamente
com a população. E reclamam a construção de um parque de estacionamento de 200
lugares e a requalificação de algumas artérias da zona – tal como está previsto
nos três projectos do Orçamento Participativo que a freguesia ganhou em 2012,
2014 e 2015 que ainda não saíram do papel. "Sabemos que a câmara tem
capacidade para estes projectos e muitos mais, como se viu agora no eixo
central. Começa a cheirar a má-fé", criticou o presidente da junta, Fábio
Sousa.
“A junta continuará sempre ao vosso lado”, disse o autarca,
que é recandidato à eleição pela CDU, às cerca de 30 pessoas que se deslocaram
à Praça do Município ao fim da tarde de quinta-feira.
Foi o último acto de um dos dias mais mediáticos da vida de
Carnide. “Parece que esteve muito vento ontem à noite”, ironizou ao PÚBLICO um
comerciante durante a manhã. "Os parquímetros caíram com o vento e a
junta, como pessoa de bem, vai entregar os bens encontrados", disse,
optando por não se identificar. Vários outros moradores e comerciantes usaram a
mesma expressão — "caíram com o vento" — para explicar o que tinha
sucedido na quarta-feira à noite.
Palmira Pinto foi uma delas. "Andava-se a dizer que a
EMEL vinha aí, vinha assado. Nunca pensámos que fosse assim, foi praticamente
da noite para o dia", disse. “Eu, aliás, só recebi informação quando já cá
estavam os ‘mealheiros’”, acrescentou, referindo-se aos parquímetros retirados
em pouco mais de meia hora. A junta mandou entretanto calcetar os passeios onde
os equipamentos tinham estado e, pelo meio-dia, já não havia qualquer vestígio
da sua existência.
A câmara municipal reagiu a meio da manhã com palavras
duras. “É um acto grave e inédito, de deliberada danificação de património
municipal, e um acto inaceitável num Estado de Direito”, lia-se num comunicado
que a autarquia emitiu. Entretanto, a EMEL apresentou uma queixa-crime contra
"desconhecidos" mas não contra a junta.
“Não estamos contra a EMEL, sempre o dissemos”, explicou
Fábio Sousa na Praça do Município. Considerando que “não houve vandalismo
absolutamente nenhum”, o autarca comunista acusou a câmara de ter uma “política
de imposição e prepotência” neste assunto.
"A entrada da EMEL no centro histórico de Carnide já se
encontrava prevista e aprovada pelos órgãos municipais. A sua implementação
neste momento resultou da vontade de dar resposta positiva aos alertas de
moradores para o agravamento da situação do estacionamento nesta zona e teve o
apoio expresso do presidente da junta de freguesia na reunião descentralizada
de 11 de Janeiro de 2017", acrescentava o comunicado da câmara.
No entanto não é isso que se lê na acta da dita reunião, a
que o PÚBLICO teve acesso. "Nós andamos há não sei quanto tempo a pedir ao
presidente da EMEL uma audição para sermos ouvidos e não somos ouvidos, nem
sequer se chega a marcar reunião", disse Fábio Sousa na ocasião,
insistindo na necessidade de cumprir os projectos aprovados no Orçamento
Participativo. "Não é aceitável: neste momento, no centro histórico de
Carnide, nós não temos um parque de estacionamento. E não é aceitável quando
existem alternativas concretas", disse.
A autarquia pediu à EMEL a “reinstalação imediata” dos
parquímetros, mas a população de Carnide está disposta a voltar a arrancá-los.
“A minha terra está a acordar. Fiquei muito contente”, disse, orgulhosa,
Palmira Pinto. “Soube pela rádio! É do melhor que há. Acho lindamente”,
comentou uma vizinha.
Sob aclamações de “Viva Carnide!”, “Viva o presidente!” e
“Ao menos este foi eleito!”, Fábio Sousa entregou uma petição à câmara
municipal, na qual pede a suspensão da entrada da EMEL na freguesia e a
definição de um calendário para a construção do parque de estacionamento
prometido desde 2012.
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