De salientar:
“Carla Salsinha
não deixou de frisar também a necessidade da criação de um plano
“para que Lisboa não seja só comércio de luxo ou lojas low
cost”. “Se isto acontecer, para os portugueses deixará de ser
apetecível virem fazer compras à cidade”, afirmou a dirigente
associativa, já depois de alertar para o facto de “o comércio
normal estar a desaparecer”. Deu o exemplo de Arroios, onde “se
conta pelos dedos das mãos as lojas que ainda estão nas mãos de
portugueses”.
Salsinha disse que
“todos os tipos de comércio têm direito a existir”, mas
confessou ter dificuldade em entender a concentração de lojas de
recordações turísticas de baixo custo e de kebabs, “em locais
onde os comerciantes portugueses não conseguem sobreviver”. Apesar
das rendas cada vez mais altas, só na Baixa haverá 97 lojas de
souvenirs detidas por cidadãos do Bangladesh, disse a presidente da
UACS. E depois, para além dessas, há todo um mundo de lojas muito
caras e das grandes cadeias multinacionais. Tudo isto estará a criar
um quadro muito desfavorável para o comércio convencional.”
OVOODOCORVO
Habitação e comércio de Lisboa
necessitam de criar “estratégias” para além do turismo
POR O CORVO • 19 ABRIL, 2017 •
A capital portuguesa está a passar por um profundo e
acelerado processo de mudança, sobretudo nos últimos quatro anos, como
resultado da subida meteórica do seu apelo turístico. As consequências têm sido
sentidas por todos e estão à vista. Esse foi o único ponto no qual coincidiram
as opiniões daqueles que se reuniram para debater o assunto, na manhã desta
terça-feira (18 de abril), no Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da
Empresa (ISCTE), no âmbito da conferência internacional “Lisboa, que futuro?
2017”.
A partir daí, foi muita a discordância sobre as
consequências que tal revolução tem – e continuará a ter – sobre o tecido
social e económico da cidade. Tanto que, já no final da mesa redonda, alguém
falou na necessidade de se pensar o debate sobre a questão “para além da
polarização artificial entre ser a favor ou contra o turismo ou ser a favor ou
contra a reabilitação urbana”. O que mereceu a concordância de muitos, a
avaliar pelo aplauso a essa intervenção e à subscrição explícita dessa mesma
ideia por duas pessoas. Terminava-se a discussão com um apelo à necessidade de
criar um novo “equilíbrio urbano”, para que Lisboa não sucumba ao peso da
pressão turística.
Nas duas horas anteriores, todavia, pudera-se ouvir o quão
diversas são as perspectivas sobre um fenómeno em relação ao qual quase ninguém
se mostra indiferente. Uma abrangência de posições, afinal, a reflectir a
diversidade dos membros do painel de convidados: Carla Salsinha, presidente da
União de Associações do Comércio e Serviços da Região de Lisboa e Vale do Tejo
(UACS); Vítor Costa, presidente da Associação de Turismo de Lisboa (ATL); o
arquitecto José Mateus e ainda Leonor Mateus, do Movimento Quem Vai Poder Morar
em Lisboa.
E se todos eles concordaram com os aspectos benéficos da
actividade turística para a cidade – essencialmente a nível económico -, apenas
Leonor Mateus fez críticas contundentes à forma como a mesma se está a
desenvolver e aos efeitos que tem na qualidade de vida dos habitantes. “Não
existe uma política pública de habitação, nem nacional nem municipal. Há um
pensamento estratégico da câmara altamente elitista, que trata como pobres os
que não conseguem aceder à habitação”, afirmou, ao criticar “as medidas
avulsas” neste campo, mas também o que considera ser “a desregulação total” do
mercado imobiliário. No seu entender, a pressão causada pela demanda turística
está a causar “o aumento da desigualdade social e da especulação imobiliária”.
Bem menos crítica em relação ao fenómeno turístico, Carla
Salsinha, a representante dos pequenos comerciantes, não deixou de frisar
também a necessidade da criação de um plano “para que Lisboa não seja só
comércio de luxo ou lojas low cost”. “Se isto acontecer, para os portugueses
deixará de ser apetecível virem fazer compras à cidade”, afirmou a dirigente
associativa, já depois de alertar para o facto de “o comércio normal estar a
desaparecer”. Deu o exemplo de Arroios, onde “se conta pelos dedos das mãos as
lojas que ainda estão nas mãos de portugueses”.
Salsinha disse que “todos os tipos de comércio têm direito a
existir”, mas confessou ter dificuldade em entender a concentração de lojas de
recordações turísticas de baixo custo e de kebabs, “em locais onde os
comerciantes portugueses não conseguem sobreviver”. Apesar das rendas cada vez
mais altas, só na Baixa haverá 97 lojas de souvenirs detidas por cidadãos do
Bangladesh, disse a presidente da UACS. E depois, para além dessas, há todo um
mundo de lojas muito caras e das grandes cadeias multinacionais. Tudo isto
estará a criar um quadro muito desfavorável para o comércio convencional.
“O turismo é importante para Lisboa, até pelo património
requalificado. Mas não há uma estratégia para o comércio da cidade, por parte
da câmara. Sem dúvida que abriram muitas lojas novas, mas está a desaparecer
muito do comércio diferenciador, com identidade própria, que é aquele que o
turista procura. Se na Baixa apenas existirem hotéis, lojas históricas e lojas
de brindes, o turista vai perder o interesse”, afirmou, apelando a que a Câmara
Municipal de Lisboa tenha uma maior sensibilidade nos licenciamentos. Apesar de
tudo isso, considera a actividade turística determinante para a revitalização
da cidade.
Algo que vai ao encontro das visões unanimemente optimistas
de Vítor Costa, representante do Turismo de Lisboa, e do arquitecto José
Mateus. “O turismo é uma vocação do nosso país, há que saber aproveita-la em
condições”, disse, a certa altura, Mateus, que elogiou o trabalho da CML,
porque, “finalmente, é reconhecível uma visão global da cidade, sobretudo numa
noção de fruição do espaço público”. As ruas estão mais bem tratadas, agora
apetece andar nelas, bem como no metropolitano, considerou. “Quando era miúdo,
era comum ver as pessoas a atirarem sacos de lixo para as traseiras dos
prédios”, recordou.
Para o arquitecto,
que tem trabalhado em diversos projectos de reabilitação na cidade, “o que se
assiste, neste momento, é a um enorme esforço de requalificação do centro da
cidade, permitindo que esta seja mais compacta e eficiente”. E ainda respondeu
aos lamentos dos que falam na existência de um processo de valorização
excessiva da propriedade, resultante da elevada pressão turística e das muitas
intervenções de reabilitação a ela associadas. “Se o arquitecto, com o seu
trabalho, não promover a subida de valor, é incompetente”, afirmou, antes de
reconhecer, porém, que os beneficiários de tais operações urbanísticas
constituem “uma faixa mais reduzida”.
José Mateus, que rebateu a necessidade de uma maior intervenção
pública no que toca à imposição de limites na construção – “nunca vi um cenário
em que a regulamentação fosse tão forte, um quadro tão limitativo e restritivo”
-, salientou ainda a importância de existir abertura para a inovação
arquitectónica na cidade. “Dentro da autenticidade, tem de haver lugar para o
contemporâneo”, disse, fazendo notar que “Lisboa sempre foi uma cidade
cosmopolita”.
Já Vítor Costa, que
dirige o Turismo de Lisboa, reconhece as consequências óbvias do turismo na
vida da capital, mas encara-as mais como uma inevitabilidade. “Como alternativa
económica, é a mais limpa”, considera, lembrando a importância decisiva da
actividade, sem que a mesma tenha o peso nocivo para o ambiente da presença
industrial outrora existente dentro da capital. “Evoluímos”, afirmou, ainda
antes de acenar com números: “a produção do turismo na área de Lisboa, em 2015,
equivaleu a 4,7 vezes a produção da Auto-Europa”.
Texto: Samuel Alemão
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