Terreno de Benfica onde deveria
nascer jardim transformado em via automóvel
POR O CORVO • 20 ABRIL, 2017 •
O que prometia vir a ser um aprazível espaço verde, ligando
duas ruas de Benfica e permitindo uma continuação da mancha vegetal existente
nos logradouros de diversos blocos de apartamentos, vai afinal ser um local de
passagem e de estacionamento de automóveis. A obra está a ser executada pela
Câmara Municipal de Lisboa (CML), a pedido da Junta de Freguesia de Benfica,
que a incluiu na empreitada de reabilitação da vizinha Rua Nina Marques
Pereira. Os residentes estão surpreendidos com a mudança de planos, que será
discutida na próxima assembleia de freguesia, a pedido da CDU. A junta
justifica tal opção com a necessidade de melhorar a circulação automóvel e
pedonal, bem como o estacionamento e até a circulação de veículos de emergência
e de limpeza urbana.
Durante anos, os moradores da Rua General Morais Sarmento e
da Praceta Maestro Ivo Cruz, em Benfica, estavam acostumados à presença de um
hortelão urbano num terreno baldio existente entre ambas os arruamentos. O
homem cultivava aquela parcela, situada junto a um muro delimitando as
instalações do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, no espaço
deixado vago por três oliveiras e outra vegetação, como um loureiro. A rega do
espaço de cultivo, delimitado por precária uma vedação de madeira, era
assegurada através de um poço ali existente. Há cerca de cinco anos, por ter já
idade avançada, o agricultor citadino deixou de trabalhar o terreno, tendo o
mesmo começado a degradar-se. Sem manutenção, a vegetação selvagem e o lixo
passaram a ocupar o que antes era ordenamento agrário em micro-escala.
Descontente com o que via, um dos moradores do nº12 da
Praceta Maestro Ivo Cruz decidiu perguntar à Junta de Freguesia de Benfica se
sabia de quem era o terreno. “Como víamos o espaço a degradar-se todos os dias,
em contraste com o que lá estava antes, quisemos perceber se o terreno tinha
dono e se seria possível fazer um ordenamento do mesmo”, conta Vítor Vieira,
recordando que, para sua surpresa, os responsáveis da autarquia lhe informaram
que desconheciam quem seria o proprietário. E como, aparentemente, se revelava
impossível descobrir tal informação, tudo levava a crer que seria um baldio.
Ainda assim, por questões de segurança, e através da insistência de uma
moradora, o poço acabou por ser atulhado com pedras. Permanecia, porém, a
indefinição sobre o que fazer ali. Mas para os residentes a questão era mais
simples: o lugar reunia as condições mínimas para ser um jardim público.
Tanto que a proposta foi apresentada há junta de Benfica,
pela primeira vez, há cerca de cinco anos. Por essa altura, numa das reuniões
descentralizadas do executivo da Câmara Municipal de Lisboa realizadas na
freguesia, Vítor Vieira aproveitou a ocasião para interpelar a vereação sobre o
destino a dar aquela parcela. “Na altura, em resposta, o vereador José Sá
Fernandes (Estrutura Verde) disse que não se sabia quem era o dono do terreno”,
rememora o residente, que na altura ficou com a ideia que nem câmara nem junta
estariam muito interessadas em ver surgir ali um jardim. Ainda assim, o
munícipe, dando eco ao sentimento da vizinhança, ia insistindo para que CML e
JFB mudassem de ideias. E assegura que a junta de freguesia lhe chegou a dar
sinais nesse sentido. Tanto que ele e outros pensavam ser apenas uma questão de
tempo até a obra de arranjo paisagístico avançar. Ao mesmo tempo, por ausência
ou insuficiência de manutenção, o terreno ia-se assumindo como lixeira e
sanitário de alguns.
Até que, no início de 2017, o cenário mudou de forma
abrupta. Chegaram máquinas, limparam o espaço por completo, incluindo as
oliveiras e toda restante vegetação, e terraplanaram-no. Pouco tempo depois,
ficavam a saber que o mesmo iria dar lugar, não ao desejado jardim, mas sim a
uma via rodoviária ligando a Rua General Morais Sarmento e a Praceta Maestro
Ivo Cruz. Isso mesmo era confirmado num comunicado, assinado pela presidente da
junta, Inês Drummond (PS), e distribuído na zona, com data de 31 de março. Num
documento dando conta da requalificação da Rua Nina Marques Pereira, situada
num quarteirão contíguo à Praceta Maestro Ivo Cruz. Obra cuja necessidade de
realização, informa, vinha motivando “já há algum tempo” alertas da junta à
CML.
Explicando as razões da intervenção, no referido comunicado,
a autarca dá conta do que se pretende alcançar. E entre os seus objectivos está
a abertura de “uma rua entre a Praceta Maestro Ivo Cruz e a Rua General Morais
Sarmento, o que irá permitir descongestionar o trânsito do entroncamento da Rua
Nina Marques Pereira com a Avenida Gomes Pereira”. Os outros são “garantir o
acesso a veículos de emergência e a veículos de limpeza urbana”; “reordenar o
estacionamento na Rua Nina Marques Pereira” e “garantir a acessibilidade
pedonal e uma circulação confortável nos passeios”.
Cenário que causa surpresa a Vítor Vieira. “Então, em vez do
jardim, vão construir uma estrada num local daqueles, junto a um prédio? Houve
alguma consulta da população sobre esta opção?”, questiona, fazendo notar ainda
que a entrada dos carros na praceta será feita num espaço reduzido, sob a
varanda de um prédio, junto à esquina do muro do Laboratório Nacional de
Investigação Veterinária. E Vítor não ficou sozinho na indignação com o sucedido.
O espanto foi tal que mereceu já a redacção de uma proposta por parte da CDU, a
discutir na próxima sessão da Assembleia de Freguesia de Benfica, a realizar 27
de abril, pedindo a suspensão dos trabalhos em curso e que se cumpra a promessa
de construção do espaço verde.
O documento da CDU – que se refere apenas à nova
funcionalidade do espaço como local de estacionamento para seis automóveis –
recorda que a população fez uma acção no local, onde “simbolicamente
reivindicou que ali fosse criado um pequeno jardim”. Lembrando que “foram
precisos anos para que CML e Junta de Freguesia tomassem em mãos a limpeza do
terreno e o seu nivelamento com a construção de um muro de sustentação”, diz
ainda que “tudo indicava que, finalmente, o desejado jardim iria ser
implantado, aliás de acordo com as promessas da Srª Presidente da Junta feitas
a alguns moradores”. Depois de lembrar o arranque inesperado das oliveiras, o
chefe de bancada dos eleitos da coligação diz que a CDU “manifesta a sua total
oposição a esta acção, pois considera que tal espaço não tem o mínimo de
condições para tal fim e que prejudicará de forma acentuada a qualidade de vida
dos moradores dos prédios contíguos”.
Questionada por O Corvo sobre as razões da mudança de
planos, fonte oficial da junta de Benfica respondeu por escrito. E fê-lo
copiando, ipsis verbis, a quase totalidade do comunicado sobre a requalificação
da Rua Nina Marques Pereira, assinado por Inês Drummond e distribuído à
população. “Esta artéria, situada bem perto do centro da freguesia, na sua
actual configuração, tem dado origem a várias situações complicadas, como seja
a dificuldade de circulação de veículos de emergência, de veículos de limpeza
urbana, o trânsito gerado nas horas de ponta no entroncamento com a Avenida
Gomes Pereira ou mesmo situações graves como a que sucedeu no verão passado com
um incêndio numa habitação, em que os veículos de socorro se viram
impossibilitados de entrar na referida rua”, lê-se na resposta, bem como no já
citado comunicado.
Logo depois, na mesma resposta, avança-se com os tais quatro
objectivos da intervenção em curso, já referidos no comunicado. A diferença é
que neste se acrescenta que “a necessidade de criação desta via para resolução
das situações acima descritas sobrepõe-se à necessidade de criar um espaço
verde neste local”. À pergunta de o Corvo “Considera a junta que, naquele
lugar, existe espaço suficiente para a passagem de automóveis?”, a fonte
oficial da autarquia responde: “Tendo em conta a situação verificada no incêndio
ocorrido no verão passado, em que não foi possível a passagem dos veículos de
auxílio, devido ao mau ordenamento do estacionamento, a questão da passagem de
automóveis foi articulada entre a JFB e a CML, tendo sido efectuado um estudo
de circulação de tráfego com vista a garantir, com esta intervenção, a entrada
e saída de veículos de emergência nestas artérias”.
Texto: Samuel Alemão
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