A vergonha do Montepio 3: Santana
Lopes
Aquilo de que o país definitivamente
não precisa é de ver Santana Lopes metido na roda da alta finança e a sopa dos
pobres transformada em sopa de banqueiros.
João Miguel Tavares
8 de Abril de 2017, 7:26
A mera hipótese de a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
ser arrastada para o pântano do Montepio mostra bem o desespero do governo para
encontrar uma solução que não passe por mais um assalto de milhares de milhões
de euros aos bolsos dos contribuintes. Só que esta ideia de capitalizar o
Montepio com dinheiro da Santa Casa — ideia essa que Vieira da Silva disse
encarar com “simpatia” e “muita naturalidade” — é de tal forma descabelada que
não pode passar impune. Ver um governo que gosta tanto de apregoar a sua
sensibilidade social propor que a Santa Casa agarre no dinheiro destinado aos
mais pobres e desvalidos e o vá enfiar num banco exangue é chocante — e uma
absoluta vergonha.
Espantosamente, Pedro Santana Lopes respondeu à estapafúrdia
ideia do ministro dizendo que a Santa Casa da Misericórdia tinha “obrigação de
estudar” tal proposta, até porque (palavras suas) considera Vieira da Silva
“uma pessoa muito responsável e que, certamente, nunca pediria à Santa Casa para
entrar numa aventura”. Claro que não — até porque Vieira da Silva nunca fez
parte de governos irresponsáveis e aventureiros. Felizmente, o acumular dos
protestos públicos já obrigou Santana a matizar a sua posição e a garantir que
estudar a proposta não significa qualquer compromisso. Mas não se percebe
sequer o que possa haver para estudar: a Santa Casa é somente uma solução
desesperada do governo para resolver um problema gravíssimo pela porta do
cavalo, tendo em conta que nenhum grupo nacional ou estrangeiro vai querer pôr
um cêntimo que seja no Montepio. Se a Santa Casa lá metesse o dinheiro do jogo,
o que aconteceria na prática era uma nacionalização parcial do banco sem que
esse investimento fosse a défice. É isso que Vieira da Silva vê com “simpatia” e
“muita naturalidade”.
A naturalidade, diria eu, de quem está habituado a
compactuar com imposturas financeiras e contas manhosas. O Montepio Geral é,
neste momento, o banco português pior classificado entre as agências de rating,
atrás de BPI, BCP e CGD, e já no quinto nível de lixo. Investir nele é
considerado “altamente especulativo”. Não só as suas contas estão no vermelho,
como o banco está avaliado nas contas da Associação Mutualista em mais de dois
mil milhões de euros, apesar de só ter 5% da quota de mercado. Compare-se: o
BCP tem 20% de quota e vale em bolsa 2,5 mil milhões; o BPI tem 11% e vale 1,3
mil milhões. Se o Montepio fosse um bom negócio, interessados não faltariam
nesta época de dinheiro barato. Não o sendo, que justificação pode haver para
tentar tapar mais um buraco do sistema financeiro com dinheiro da Santa Casa?
Ah, sim, há aquele princípio muito bonito da “economia
social”, que supostamente Santa Casa e Montepio partilham. Não brinquem comigo.
Apesar do padre Vítor Melícias ainda andar a passear o seu hábito pelos
corredores da Associação Mutualista, o mandato de Tomás Correia acabou com os
últimos resquícios de economia social, e o Montepio é hoje descrito como um
campo de batalha entre facções maçónicas, com um ou outro membro da Opus Dei a
tentar impor a sua influência, e onde vale quase tudo — incluindo manipular
assembleias-gerais. Quais os papéis das gentes de PS, PSD e CDS-PP no meio desta
embrulhada? Não está ainda claro. Mas isto, está: aquilo de que o país
definitivamente não precisa é de ver Santana Lopes metido na roda da alta
finança e a sopa dos pobres transformada em sopa de banqueiros. Um mínimo de
pudor, por favor.
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