sábado, 8 de abril de 2017

A vergonha do Montepio 3: Santana Lopes


A vergonha do Montepio 3: Santana Lopes

Aquilo de que o país definitivamente não precisa é de ver Santana Lopes metido na roda da alta finança e a sopa dos pobres transformada em sopa de banqueiros.

João Miguel Tavares
8 de Abril de 2017, 7:26

A mera hipótese de a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ser arrastada para o pântano do Montepio mostra bem o desespero do governo para encontrar uma solução que não passe por mais um assalto de milhares de milhões de euros aos bolsos dos contribuintes. Só que esta ideia de capitalizar o Montepio com dinheiro da Santa Casa — ideia essa que Vieira da Silva disse encarar com “simpatia” e “muita naturalidade” — é de tal forma descabelada que não pode passar impune. Ver um governo que gosta tanto de apregoar a sua sensibilidade social propor que a Santa Casa agarre no dinheiro destinado aos mais pobres e desvalidos e o vá enfiar num banco exangue é chocante — e uma absoluta vergonha.

Espantosamente, Pedro Santana Lopes respondeu à estapafúrdia ideia do ministro dizendo que a Santa Casa da Misericórdia tinha “obrigação de estudar” tal proposta, até porque (palavras suas) considera Vieira da Silva “uma pessoa muito responsável e que, certamente, nunca pediria à Santa Casa para entrar numa aventura”. Claro que não — até porque Vieira da Silva nunca fez parte de governos irresponsáveis e aventureiros. Felizmente, o acumular dos protestos públicos já obrigou Santana a matizar a sua posição e a garantir que estudar a proposta não significa qualquer compromisso. Mas não se percebe sequer o que possa haver para estudar: a Santa Casa é somente uma solução desesperada do governo para resolver um problema gravíssimo pela porta do cavalo, tendo em conta que nenhum grupo nacional ou estrangeiro vai querer pôr um cêntimo que seja no Montepio. Se a Santa Casa lá metesse o dinheiro do jogo, o que aconteceria na prática era uma nacionalização parcial do banco sem que esse investimento fosse a défice. É isso que Vieira da Silva vê com “simpatia” e “muita naturalidade”.

A naturalidade, diria eu, de quem está habituado a compactuar com imposturas financeiras e contas manhosas. O Montepio Geral é, neste momento, o banco português pior classificado entre as agências de rating, atrás de BPI, BCP e CGD, e já no quinto nível de lixo. Investir nele é considerado “altamente especulativo”. Não só as suas contas estão no vermelho, como o banco está avaliado nas contas da Associação Mutualista em mais de dois mil milhões de euros, apesar de só ter 5% da quota de mercado. Compare-se: o BCP tem 20% de quota e vale em bolsa 2,5 mil milhões; o BPI tem 11% e vale 1,3 mil milhões. Se o Montepio fosse um bom negócio, interessados não faltariam nesta época de dinheiro barato. Não o sendo, que justificação pode haver para tentar tapar mais um buraco do sistema financeiro com dinheiro da Santa Casa?


Ah, sim, há aquele princípio muito bonito da “economia social”, que supostamente Santa Casa e Montepio partilham. Não brinquem comigo. Apesar do padre Vítor Melícias ainda andar a passear o seu hábito pelos corredores da Associação Mutualista, o mandato de Tomás Correia acabou com os últimos resquícios de economia social, e o Montepio é hoje descrito como um campo de batalha entre facções maçónicas, com um ou outro membro da Opus Dei a tentar impor a sua influência, e onde vale quase tudo — incluindo manipular assembleias-gerais. Quais os papéis das gentes de PS, PSD e CDS-PP no meio desta embrulhada? Não está ainda claro. Mas isto, está: aquilo de que o país definitivamente não precisa é de ver Santana Lopes metido na roda da alta finança e a sopa dos pobres transformada em sopa de banqueiros. Um mínimo de pudor, por favor.

Sem comentários: