As boas notícias vindas de França
Os eleitores estão realmente fartos
dos partidos tradicionais, que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não
significa obrigatoriamente colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de
extrema-esquerda
João Miguel Tavares
25 de Abril de 2017, 6:30
Já estou como António Costa: demasiado pessimismo aborrece.
As pessoas estão tão habituadas a discursos catastrofistas sobre a Europa e o
fim da União Europeia (depois do Brexit, inventaram o Frexit) que quando
acontecem coisas manifestamente boas têm dificuldade em acreditar nelas. Ora,
aquilo que se passou em França neste domingo, com a vitória de Emanuel Macron,
é uma excelente notícia, que nos deveria alegrar a todos. Há várias razões para
isso, mas eu limito-me a duas.
Em primeiro lugar, as consequências do atentado nos Campos
Elísios. Ainda se lembram? Três dias antes das eleições, com um polícia morto a
tiro no coração de Paris, não se ouvia falar noutra coisa senão no “medo”. Os
correspondentes das televisões amontoavam-se debaixo do Arco do Triunfo para
nos garantirem que Marine Le Pen seria a grande beneficiada por mais este
terrível ataque terrorista. E, no entanto, a influência do atentado no
resultado das eleições foi zero. Marine Le Pen acabou no lugar que as sondagens
lhe atribuíam há muitas semanas, com a percentagem prevista (21,3%), que é
muito significativa, claro, mas não mais que 4,5 pontos superior àquela que o
seu pai obteve em 2002.
Não quero desprezar o perigo que representa a Frente
Nacional, até porque a França xenófoba tem uma longa e triste tradição, e muito
menos quero desvalorizar a barbárie do terrorismo islâmico. Mas o “medo”,
apesar de tudo, está sobrevalorizado. Sim, qualquer um de nós sabe que pode ser
vítima de um atentado numa capital europeia. Não, a intensidade dos ataques não
tem sido suficientemente forte para que as pessoas deixem de sair à rua ou de
viajar em liberdade. Os atentados começaram por envolver grandes meios
logísticos, passaram para ataques com camiões e agora já vamos no lobo
solitário que dispara uma caçadeira contra um polícia. Isto não é o
fundamentalismo a ganhar. Pelo contrário, são as autoridades que o combatem a
vencer. E o discurso xenófobo, se atrai um quarto da população francesa, afasta
três quartos. Ele é, por si só, insuficiente para Marine Le Pen chegar ao
Eliseu.
A segunda nota positiva é esta: como se viu pela vitória de
Macron, os candidatos de fora do sistema não são necessariamente extremistas ou
populistas. E esta, caros leitores, é a melhor notícia de todas, porque muito
boa gente garantia que a decadência dos partidos tradicionais iria
necessariamente pôr as democracias europeias nas mãos dos xenófobos, dos
chavistas ou dos palhaços. Em bom rigor, a própria Espanha já tinha demonstrado
o erro dessa tese, com o sucesso do movimento Ciudadanos, centrista e
civilizado. Contudo, aquilo com que nos martelavam a cabeça era o pré-anúncio
do apocalipse via emergência inevitável de partidos/movimentos como o 5
Estrelas em Itália ou o Podemos em Espanha, isto já para não falar na vitória
de Donald Trump.
Como encaixar Emmanuel Macron neste molde? Esqueçam. Ele não
encaixa. Macron significa isto: os eleitores estão realmente fartos dos
partidos tradicionais, que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não
significa obrigatoriamente colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de
extrema-esquerda. As pessoas querem a mudança – mas ela pode surgir ao centro,
desde que o seu protagonista seja mobilizador. Claro que Marine Le Pen é
assustadora. Mas a grande novidade de domingo é a vitória do mais europeísta e
ponderado dos candidatos presidenciais. As más notícias seguem dentro de
momentos – por agora, gozemos as boas.
Sem comentários:
Enviar um comentário