Se a "barreira republicana"
não funcionar, até onde irá Le Pen?
Como vai votar a direita na segunda
volta das presidenciais francesas? Macron vai recebendo apoios. Le Pen já se
afastou da liderança da FN para se mostrar como uma "Presidente de todos
os franceses"
Clara Barata
CLARA BARATA 24 de Abril de 2017, 20:24
Até onde conseguirá ir Marine Le Pen? Ela esforça-se.
Anunciou ontem que “suspendia” o seu desempenho do cargo de presidente da
Frente Nacional, o partido de extrema-direita que lidera. Para poder ser
“Presidente de todos os franceses”, se for eleita a 7 de Maio, na segunda volta
das presidenciais.
Muito depende de como votarão os eleitores da direita nesse
dia e um mês depois, nas legislativas. Rendem-se a ela ou darão o seu voto a
Emmanuel Macron? Le Pen, em entrevista à televisão France 2, confirmou que tem
contactos com o partido Os Republicanos, para ter o apoio de alguns dos seus
líderes. François Fillon, o derrotado e desacreditado líder deste partido de
centro-direita, uma das grandes formações políticas tradicionais, reconheceu
“não ter legitimidade para liderar esse combate” e afastou-se.
O comité político de Os Republicanos reuniu-se depois de
Fillon se afastar, anunciando que ficaria como militante de base e recomendando
o voto em Macron. Mas a direita francesa tem muito a fazer nos próximos tempos.
Os Republicanos entregaram-se a uma troca de acusações.
Alguns dos mais conservadores, como Christine Boutin,
anunciaram que irão votar em Marine Le Pen. Nicolas Sarkozy não se pronunciou —
fala hoje ou amanhã. O deputado George Fenech, próximo do ex-Presidente,
anunciou que não apoiaria Macron: “Os eleitores que se desenrasquem com Macron
e Le Pen. Foi o que escolheram.”
Enquanto liderou os Republicanos, Sarkozy seguiu o princípio
do “nem, nem” nas segundas voltas — não apoiar nem a esquerda nem a Frente
Nacional, se o candidato do seu partido tivesse sido eliminado na primeira
votação — recusando fazer a tradicional “barreira republicana” contra a
extrema-direita, que a esquerda tem continuado a praticar.
Christian Estrosi (Republicanos) lamentava a posição
assumida pelos que não apelaram ao voto em Macron, como a Associação Senso
Comum, saída do movimento católico conservador que liderou as manifestações de
contestação ao casamento gay, legalizado por François Hollande, e que se tornou
no grande apoio do candidato Fillon. “Pensei que partilhávamos todos mesmos
princípios”, criticou.
Se há coisa que estas eleições estão a mostrar, para
angústia de Estrosi, é que vai uma grande distância entre partilhar princípios
e pô-los em prática. Os socialistas, apesar do humilhante resultado de Benoît
Hamon — 6,3%, o que fez desaparecer o rosa dos mapas — lançaram múltiplos
apelos ao voto em Macron, apesar das enormes divisões internas. O Presidente
François Hollande manifestou-lhe o seu apoio, tal como o ex-primeiro-ministro
Manuel Valls, ou o ex-ministro da Economia Arnaud Montebourg, apoiante de
Hamon.
Em busca de aliados
O que não se entende ainda é qual será o PS que vai disputar
as legislativas de 11 de 18 de Junho (duas voltas). “Dentro em dias Marine Le
Pen vai ter dez milhões de votos. É o fim de um ciclo”, disse Manuel Valls. Mas
que vai ele fazer? Vai continuar no PS? Ou vai criar uma nova formação, para
oferecer o seu apoio a Emmanuel Macron no Parlamento, já que este não tem
propriamente um partido político? Aguarda-se para ver.
Até porque haverá necessariamente uma recomposição nas
listas, porque pelo menos três dezenas de deputados não se irão recandidatar —
desiludidos com a política parlamentar ou, explicação talvez mais
terra-a-terra, porque ficam impedidos de acumular cargos com a nova legislação
(antes era possível ser deputado, presidente da câmara e ter outros cargos
ainda).
O que falta a Marine Le Pen para conseguir chegar ao Eliseu,
todas as análises o dizem, é ter uma grande reserva de votos para a segunda
volta. Não tem nem um aliado político que diga “votem nela”, embora ao
contrário do que aconteceu quando o seu pai, Jean-Marie, passou à segunda
volta, em 2002, ela não suscite uma rejeição tão profunda.
Jean-Luc Mélenchon, que se opôs de forma intransigente ao
pai Le Pen, não está a conseguir dizer que apoia Macron — e talvez metade dos
seus sete milhões de eleitores se abstenham na segunda volta.
Le Pen e Macron falam para duas Franças diferentes. Os
eleitores de Marine vivem fora das grandes cidades, na França rural ou nas
aglomerações urbanas na periferia. Se Macron obteve 34,83% em Paris, Le Pen não
chegou sequer a 5% na capital. E na região Norte, onde Marine construiu o seu
feudo eleitoral — 28,22% —, conseguiu apenas 13,83% em Lille.
Esta fractura geográfica corresponde, mais do que as
diferenças ideológicas, entre esquerda e direita, a novos tipos de clivagens,
que na linguagem de Le Pen são os “europeístas e os patriotas”, e na de Macron
são “os progressistas e os conservadores”, sublinha a editorialista do Le Monde
Françoise Fressoz.
Visto de fora, Le Pen aproveita-se dos sentimentos
eurocépticos e anti-globalização, causando a desconfiança noutras capitais; já
o abraço à economia aberta e à União Europeia de Macron é encarado com
entusiasmo pelos líderes europeus.
Agora que chegou o momento de eliminar um candidato, a
campanha vai doer. Um ponto alto será o debate televisivo marcado para 3 de
Maio entre Macron e Le Pen. Mas mais que esquerda e direita, a campanha deve
acentuar a retórica dos franceses optimistas, com esperança no futuro, contra
os pessimistas, por terem perdido tanto na última década, com a governação dos
dois últimos Presidentes, Sarkozy e Hollande.
Sem comentários:
Enviar um comentário