A "Reabilitação"
já chegou até aqui !
Carago !
OVOODOCORVO
|
As
ilhas do Porto entraram na rota do alojamento turístico
Investimento
familiar está a transformar algumas casas devolutas de uma zona
pontuada de ilhas operárias em alojamento local.
Patrícia Carvalho
PATRÍCIA CARVALHO
15 de Abril de 2017, 8:06
Tiago Guimarães diz
que andava “há anos” à procura de um local assim. Um daqueles
núcleos habitacionais tão característicos do Porto e conhecidos
por ilhas, onde pudesse instalar um projecto voltado para o turismo.
Não era só a sua formação, nesta área, que o motivava, era
também a experiência pessoal. “Eu viajo com alguma frequência e
o que procuro é o que os outros têm de específico e o convívio
com os locais. Há mais de mil ilhas espalhadas pelo Porto, espaços
com mais de cem anos e de onde não queremos expulsar os moradores,
porque o objectivo é as pessoas estarem cá. Mesmo não falando a
língua [dos turistas internacionais] eles vão abrir a porta, dar de
comer e beber, perguntar se querem que lhes lavem a roupa”,
explica.
Demasiado idílico?
Tiago e os dois sócios – o irmão Bruno e o tio João Paulo
Guimarães – estão prestes a descobri-lo. As primeiras casas que
compraram e reabilitaram na Rua da Glória, mesmo ao pé do Largo da
Lapa, estão praticamente prontas e no próximo mês devem estar a
abrir as portas aos primeiros turistas. Por enquanto são sete, mas a
ideia é que o projecto não fique por aqui. Além das sete casas
destinadas ao turismo, os três empreendedores compraram outras sete,
que estão ocupadas – e assim devem continuar, garante Tiago
Guimarães – e uma ilha, na mesma rua, com dez outras habitações.
Destas, oito estão ocupadas e só duas, com entrada pela Rua da
Senhora da Lapa, se encontram vazias e à espera de serem recuperadas
para alojamento local. Mas não já. “Vamos ver como correm as
coisas”, explica Tiago.
O núcleo, uma
verdadeira aldeia no centro do Porto, com várias casas desocupadas e
degradadas e uma miríade de ilhas incrustadas no interior, está a
mudar. As casas há muito desocupadas começaram a ser reabilitadas e
até funcionários da Câmara do Porto – que também é
proprietária ali de algumas casas – estão no local a fazer obras.
Tiago Guimarães diz que foi o primeiro investidor em muitos anos a
aparecer por ali, mas hoje não faltam placas de “Vende-se” em
alguns edifícios e há casas isoladas com intervenções recentes.
Ele descobriu o
local através de uma crónica do PÚBLICO e as primeiras informações
que recolheu, de uma moradora, não pareciam animadoras. “A senhora
dizia que a câmara tinha comprado tudo e que era para ir tudo
abaixo, que as ilhas iam acabar”, conta o empresário de 34 anos.
Mas ele não acreditou e lá conseguiu o contacto do proprietário
das casas que haveria de vir a comprar. “O senhorio não tinha as
casas à venda e andei a ‘namorá-lo’ ano e meio para mas
vender”, diz. Feito o negócio, começou a desenvolver o projecto.
As sete casas são
praticamente todas iguais. Têm um pequeno espaço de cozinha (com
microondas, mas sem fogão), uma casa-de-banho e um espaço para
instalar um sofá cama. Ao cimo de umas escadas, num mezanino, fica
uma cama de casal. “As casas dão para quatro pessoas e deverão
ser colocadas no mercado a 70 euros por noite”, conta Tiago
Guimarães. A excepção é a primeira casa da rua, que só dá para
duas pessoas – tem apenas mezanino e uma casa-de-banho no
rés-do-chão –, mas tem ligação à casa do lado, permitindo
alugá-las em conjunto para um grupo de seis pessoas.
É um alojamento
básico, que pode, a qualquer altura, ser usado para outros fins. “Se
o turismo deixar de ser uma hipótese, as casas podem ser convertidas
para estudantes. Foram feitas nessa dupla aposta – a de criar as
condições necessárias para qualquer um destes casos”, explica o
investidor.
Naquele núcleo
escondido no centro do Porto, o projecto da família Guimarães pode
ser o que tem maior visibilidade, mas está longe de ser o único. O
próprio Tiago aponta duas casas já reabilitadas por um investidor
francês, também na Rua da Glória, e Maria Helena Santos, que vive
a meio da artéria e vem à porta sacudir uma toalha a meio da tarde,
aponta para a porta ao lado, dando conta que por ali também já
dormem turistas. “Isto que estão a arranjar é tudo para
‘hotéis’”, diz. E agrada-lhe? “O que é que eu hei-de fazer?
Não alugam as casas porque têm medo dos caseiros que não pagam. Eu
não tenho nada contra. Não estorva e até é melhor para a rua”,
diz, apontando uma ilha abandonada em frente à sua casa camarária,
e que classifica como “uma miséria”.
Ali, garante, não
se ouve, por enquanto, ouvir falar de vizinhos incentivados a sair
para dar lugar ao turismo. “As casas velhas e vazias é que é tudo
para ‘hotéis’”, afirma. Também Paula Velosa, que nasceu ali,
mas agora só vem para ficar, de vez em quando, na antiga casa da
mãe, a viver num lar, diz não ter ouvido qualquer queixa de
vizinhos preocupados com a chegada dos turistas. “Há muitas casas
a cair e estão a restaurá-las, algumas para alugar a estrangeiros.
Não ouvi que alguém tenha sido prejudicado, acho que estão a mexer
nas casas devolutas, que aproveitam para comprar”, diz.
As duas mulheres
apontam o “sossego” como a melhor qualidade da zona e Paula
indica, com a mão, a casa da mãe, em azulejo verde, no topo de umas
escadas de pedra, para dizer que “tem uma vista de onde se vê o
Porto todo”. Já José Moreira, um dos inquilinos da família
Guimarães, parece pronto para a mudança que está a chegar à sua
porta. “[Os turistas] Não vão morar na minha casa, acho eu, por
isso… Mas gosto de ver turistas por aqui, é bom sinal”,
sintetiza, antes de desaparecer na última curva da Rua da Glória,
em direcção à Lapa e à cidade que fica para lá da vista.
Sem comentários:
Enviar um comentário