A subcomissão da falta de ética
Como é bonito ver PSD, PS e CDS,
sempre tão zangados quando as câmaras estão a filmar o hemiciclo, a
entenderem-se às mil-maravilhas no escurinho das subcomissões.
João Miguel Tavares
11 de Abril de 2017, 6:35
O Parlamento português tem uma coisa chamada subcomissão de
ética, mas o prefixo está fora do sítio — o nome “comissão de subética”
descreveria com maior exactidão o seu trabalho. De facto, a actividade da
comissão não consiste em conformar o comportamento dos deputados à ética, mas
em conseguir que a ética se conforme com o comportamento dos deputados. Daí que
na última sexta-feira a comissão de subética tenha concluído pela inexistência
de incompatibilidades por parte de sete deputados (quatro do PSD e três do PS)
que acumulam a sua actividade parlamentar com a propriedade de empresas que
fazem negócios directos com o Estado.
Todo o processo foi extraordinário. Não só os relatores dos
pareceres que foram a votação eram colegas de partido dos visados, como —
segundo uma nova notícia do jornalista Gustavo Sampaio para o Jornal Económico
— o deputado Paulo Rios de Oliveira conseguiu ser simultaneamente relator de um
dos pareceres e alvo de investigação noutro. Oh, como é bonito ver PSD, PS e
CDS, sempre tão zangados quando as câmaras estão a filmar o hemiciclo, a
entenderem-se às mil-maravilhas no escurinho das subcomissões, empenhadíssimos
em limpar o nome dos seus deputados — incluindo os dois que foram vender à
pressa as suas posições em empresas para ficarem dentro da lei. O PS votou ao
lado de PSD e CDS nos pareceres sobre os deputados de direita. PSD e CDS
abstiveram-se no caso de dois deputados do PS, entre os quais o inefável Renato
Sampaio, de quem ainda muito ouviremos falar.
Como é que esta prodigiosa votação se explica? Atente-se no
Estatuto dos Deputados. No ponto 6 do artigo 21.º, dedicado à regulação das
incompatibilidades da profissão, está vedado aos deputados a celebração de
contratos com o Estado ou a participação em concursos públicos. Essa proibição
estende-se ao cônjuge (excepto em caso de separação de bens) e a qualquer
empresa em que o deputado “detenha participação relevante e designadamente
superior a 10% do capital social”. Mas se lhe parece que estas regras são muito
claras, caro leitor, convém olhar outra vez. Na verdade, o Estatuto dos
Deputados contém um daqueles buracos feitos cuidadosamente pelo
legislador-jurista para favorecer o deputado-jurista, até porque os advogados
representam quase 40% das bancadas do PSD e do CDS-PP. Que buraco? Este: as
incompatibilidades apenas abrangem o “exercício de actividade de comércio ou
indústria” — e os advogados, segundo a comissão de subética, ficam fora dessa
categoria.
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