terça-feira, 11 de abril de 2017

A subcomissão da falta de ética


A subcomissão da falta de ética

Como é bonito ver PSD, PS e CDS, sempre tão zangados quando as câmaras estão a filmar o hemiciclo, a entenderem-se às mil-maravilhas no escurinho das subcomissões.

João Miguel Tavares
11 de Abril de 2017, 6:35

O Parlamento português tem uma coisa chamada subcomissão de ética, mas o prefixo está fora do sítio — o nome “comissão de subética” descreveria com maior exactidão o seu trabalho. De facto, a actividade da comissão não consiste em conformar o comportamento dos deputados à ética, mas em conseguir que a ética se conforme com o comportamento dos deputados. Daí que na última sexta-feira a comissão de subética tenha concluído pela inexistência de incompatibilidades por parte de sete deputados (quatro do PSD e três do PS) que acumulam a sua actividade parlamentar com a propriedade de empresas que fazem negócios directos com o Estado.

Todo o processo foi extraordinário. Não só os relatores dos pareceres que foram a votação eram colegas de partido dos visados, como — segundo uma nova notícia do jornalista Gustavo Sampaio para o Jornal Económico — o deputado Paulo Rios de Oliveira conseguiu ser simultaneamente relator de um dos pareceres e alvo de investigação noutro. Oh, como é bonito ver PSD, PS e CDS, sempre tão zangados quando as câmaras estão a filmar o hemiciclo, a entenderem-se às mil-maravilhas no escurinho das subcomissões, empenhadíssimos em limpar o nome dos seus deputados — incluindo os dois que foram vender à pressa as suas posições em empresas para ficarem dentro da lei. O PS votou ao lado de PSD e CDS nos pareceres sobre os deputados de direita. PSD e CDS abstiveram-se no caso de dois deputados do PS, entre os quais o inefável Renato Sampaio, de quem ainda muito ouviremos falar.

Como é que esta prodigiosa votação se explica? Atente-se no Estatuto dos Deputados. No ponto 6 do artigo 21.º, dedicado à regulação das incompatibilidades da profissão, está vedado aos deputados a celebração de contratos com o Estado ou a participação em concursos públicos. Essa proibição estende-se ao cônjuge (excepto em caso de separação de bens) e a qualquer empresa em que o deputado “detenha participação relevante e designadamente superior a 10% do capital social”. Mas se lhe parece que estas regras são muito claras, caro leitor, convém olhar outra vez. Na verdade, o Estatuto dos Deputados contém um daqueles buracos feitos cuidadosamente pelo legislador-jurista para favorecer o deputado-jurista, até porque os advogados representam quase 40% das bancadas do PSD e do CDS-PP. Que buraco? Este: as incompatibilidades apenas abrangem o “exercício de actividade de comércio ou indústria” — e os advogados, segundo a comissão de subética, ficam fora dessa categoria.

O espírito da lei que se lixe, tal como a lógica mais elementar. Se o caro leitor for deputado e tiver uma empresa de flores, talheres ou tijolos não pode fornecer serviços ao Estado. Mas se for dono de um escritório de advogados pode perfeitamente fornecer serviços jurídicos a ministérios, secretarias ou câmaras municipais. Disponibilizar cutelaria e faiança, não pode ser. Assinar pareceres, está ok — incluindo por ajuste directo. Basta pôr os olhos em Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD e feliz fornecedor, via sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro, de dezenas de milhares de euros em serviços de advocacia à Câmara Municipal de Espinho, onde foi presidente da assembleia municipal. Parece-lhe mal e, digamos, um pouco badalhoco? Não proteste, caro leitor. Está tudo legal. Legalíssimo. Impecável. A comissão da subética analisou. Decidiu. Está decidido. Paremos de criticar a bonita profissão de deputado, alvo de tantos pr

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