Um
hotel onde o chão range mas ninguém reclama
Por Renata Monteiro
,
14.04.2017
O
Grande Hotel de Paris é o mais antigo do Porto e, mais do que um
edifício, é um livro vivo de história. Passaram por ele quase 140
anos e ainda está no centro do Porto, de portas abertas para contar
o que acontecia na cidade atrás de portas fechadas.
Mal abrimos as
portas pesadas, todas envidraçadas, quase uma vaidade do hotel para
se deixar contemplar logo pelo lado de fora, estamos na mesma Rua da
Fábrica, mas já deixámos o século XXI. A escadaria que percorre
os três pisos da casa que foi construída para parecer um palacete
assume-se logo na entrada, com um longo tapete vermelho. Subimos as
escadas e já na recepção, não fossem os computadores, teríamos,
agora sim, a certeza que três séculos não teriam passado.
Se optar por subir
até ao quarto usando o pequeno elevador, antigo, ainda com porta de
correr, aconselhamos que torne a descer pela escadaria, mas que desta
vez preste atenção às paredes. No “hotel-museu”, como lhe
chamam, entre as portas que dão para os quartos estão pregadas
memórias de hóspedes eternos. Emolduraram-se fotografias, cartas e
pequenos bilhetes com declarações de amor escritas por grandes
nomes da literatura portuguesa. Eça de Queiroz, Camilo Castelo
Branco e Guerra Junqueiro cruzaram-se por estas mesmas salas onde
agora as máquinas de escrever e o piano são só parte do
mobiliário. Dos livros restou uma prateleira, que não está repleta
de grandes clássicos, e que já viajaram pelo mundo através da
plataforma bookcrossing. A história do hotel já deu também origem
a um volume no qual se lê, na primeira página, a primeira notícia
sobre o novo “palacete”. Aquando da sua fundação, em 1877, o
extinto Comércio Português escrevia: “Um magnífico hotel de
primeira ordem com todas as comodidades que hoje estão ao alcance
para satisfazer plenamente o viajante mais exigente.”
Quase 140 anos
depois, o hotel prefere deixar de lado algumas comodidades que foram
entretanto surgindo para não alterar o charme da Belle Époque
parisiense. O director, David Ferreira, costuma usar uma metáfora
para explicar por que é que o centenário Paris tem, mesmo assim,
uma taxa de ocupação que ronda os 90% durante o ano inteiro.
Conta orgulhosamente
que há duas opções para percorrer o mesmo caminho (haverá várias,
mas consideremos apenas estas para a história): ou entramos no TGV,
comboio veloz, robusto, moderno, equipado com a mais moderna
tecnologia mas que é ao mesmo tempo impessoal, construído com
demasiado metal para se deixar colorir com as histórias das centenas
que entram e saem e estão apenas interessadas em chegar o mais
rapidamente possível ao destino. Ou, por outro lado, optamos por
aproveitar a viagem e entramos num comboio histórico. Este, mais
antigo, com o chão que range e sem ter um nível de conforto que se
equipare ao anterior, relembra-nos a história só de estarmos a
bordo. É assim o Grande Hotel de Paris.
O quarto dá vontade
de pousar o computador e pegar na caneta e no caderno para escrever.
Da janela, que tem um pequeno varandim, vê-se a Torre dos Clérigos
e, como a noite está quente, com a janela aberta só se ouvem as
gaivotas. A tendência do minimalismo ainda não chegou a estes
aposentos. As cortinas e a colcha da cama são preenchidas com
padrões pesados que diferem de quarto para quarto, oitocentistas,
alguns usados nos azulejos que lá fora tanto encantam quem está de
visita.
De manhã, como à
noite, o hotel é silencioso. O dia é de sol e o salão das
refeições, que actualmente só serve o pequeno-almoço, deixa
entrar toda a luz que vem das janelas e da portada que dá para o
jardim, escondido no meio dos prédios. Nas outras mesas, a começarem
a tomar o pequeno-almoço por volta das 9h, vai provavelmente
encontrar europeus, com mais de 35 anos, que procuram o tradicional,
a história, a cultura e o serviço e hotelaria tradicionalmente
portugueses. Em média passam três noites no hotel de três estrelas
que tem à disposição 42 quartos, individuais e duplos, com preços
a variar entre os 70 e os 140 euros por noite com pequeno-almoço
incluído.
Quando escrevem no
livro de memórias do hotel (algo como o TripAdvisor do século XIX),
rabiscado em várias línguas, quase nunca reclamam. Salientam a
excelente localização no centro da cidade, a poucos passos da Praça
da Liberdade e a cinco minutos a pé da estação da Trindade que
liga o metro ao Aeroporto, o pequeno-almoço que, além dos ovos e do
bacon, tem duas mesas com rabanadas e tortas caseiras, e o serviço à
portuguesa.
Há uns tempos, a
administração do hotel, preocupada com a eficiência, quis trocar
as chaves por cartões eléctricos. Deste modo os hóspedes não
teriam de passar pela recepção de cada vez que entrassem e saíssem
do edifício, mas a ideia desvaneceu-se antes mesmo de ser posta em
prática. Para se perceber porquê basta passar uma noite no hotel
que parece saído de um livro de História. A recepção está aberta
todo o dia e toda a noite e o hotel é tão pequeno que quem lá
trabalha conhece cada um dos hóspedes. Lê-se muitas vezes no tal
livro que os hóspedes se “sentem como numa casa de família”.
Não espanta, portanto, que os funcionários acertem quase sempre
quando aconselham restaurantes tradicionais, um dos pedidos mais
frequentes que os turistas fazem quando vão deixar a chave antes do
jantar.
De resto, o hotel
parece resistir à mudança (não se preocupe, não conseguiu escapar
do Wi-fi). O hotel mais antigo do Porto ainda em funcionamento passou
pelas mãos de franceses, galegos e portugueses e desde que foi
fundado, em Novembro de 1877, que as alterações são muito poucas.
Algumas obras nos quartos que costumavam ter casas de banho
partilhadas, uns restauros nos móveis e na escadaria e pouco mais. A
preocupação em manter a autenticidade foi maior do que o desejo de
inovar.
Hoje em dia, as
várias alas do hotel saídas do século XIX seriam descritas como
vintage. Mas não o são. Em boa verdade, o hotel é puramente
antigo. É precisamente para prevenir o desgaste rápido que, apesar
de receberem algumas excursões, o máximo de pessoas permitido para
um grupo ronda as 15 pessoas.
Quem lá trabalha (o
funcionário mais antigo tem 30 anos de casa) e quem lá entra ainda
se preocupa em preservar a sua identidade. Quando algo se estraga,
cola-se de novo, restaura-se, não se sai a correr para comprar a
mais recente actualização. Aqui, dá-se muito tempo ao tempo.
E a procura por esta
experiência cada vez menos comum é tanta e chega de malas feitas de
tantos sítios que a administração decidiu comprar o edifício ao
lado. Durante os próximos quatro anos, o hotel vai ganhar mais 20
quartos, um restaurante de comida tipicamente portuguesa, um bar com
acesso ao jardim e que terá uma esplanada interior e uma sala com
spa. Tudo novo, mas agora sim, a fazer-se passar por antigo.
NomeGrande Hotel de
ParisLocalPorto, Vitória, Rua da Fábrica, 27/29Telefone222 073 140
Websitehttp://www.hotelparis.pt/pt/
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