Petição quer travar alojamento local
para “salvar” arrendamento de longa duração
POR O CORVO • 6 ABRIL, 2017 •
Um acto de resistência cívica e uma tentativa de estabelecer
um equilíbrio num cenário de forte injustiça. É assim que Rui Martins qualifica
a sua decisão de lançar a petição “Travar o Alojamento Local e salvar o que
resta do Arrendamento Familiar e de longa duração”, dirigida à Assembleia da
República e à Assembleia Municipal de Lisboa (AML). Na recolha de assinaturas
promovida por este cidadão, iniciada na última semana de março, pede-se, entre
outras coisas, que o parlamento legisle no sentido de “os imóveis com
utilização habitacional não possam ser afectos a finalidades de alojamento
turístico sem que exista a alteração do uso” e um aperto da malha fiscal.
Ao mesmo tempo,
solicita-se ao município de Lisboa que adopte restrições ao alojamento local idênticas
às adoptadas por cidades como Nova Iorque, Barcelona ou Amsterdão. “Não quero
acabar com alojamento local, mas sim travar esta onda e regulá-la, para evitar
a expulsão massiva de pessoas da cidade”, diz ao Corvo, fazendo notar que “há
freguesias que, nos últimos dois anos, perderam quase 10% da população”, como
será o caso de Santa Maria Maior – a qual abarca bairros como Alfama, Mouraria
e Castelo.
No documento, que a
meio da tarde desta quarta-feira (5 de abril) havia recolhido 232 assinaturas –
estando a poucas de atingir o mínimo de 250 para ser debatida na AML -, pede-se
à Câmara Municipal de Lisboa que “estabeleça, como Nova Iorque, uma proibição
de aluguer de alojamentos através da AirBnB por períodos inferiores a 30 dias”
ou “determine, como Amsterdão, uma ocupação máxima de 60 dias por ano e um
máximo de quatro pessoas por edifício”.
Mas também solicita à
edilidade liderada por Fernando Medina (PS) que “não torne, nunca mais, a
alienar património imobiliário permitindo que este, depois, seja ocupado a 100%
por alojamento local” ou ainda que “parte das verbas do Fundo de
Desenvolvimento Turístico (os milhões da taxa turística) sejam aplicadas pela
CML na recuperação de edifícios para arrendamento de longa duração uma vez que
pretendiam, precisamente, amortecer os efeitos do turismo”.
Outra das medidas exigidas ao município pela petição é a da
definição de quotas máximas de alojamento local por freguesia. Algo que Rui
Martins defende como uma forma de alcançar o desejado equilíbrio, “uma vez que
se tem estado a assistir a um fenómeno de expulsão da população dos bairros do
centro e, agora também, como consequência dessa dinâmica, de outras zonas
situados em zonas menos evidentes”. A falta de casa no centro está a provocar
ondas de choque e de contágio aos bairros circundantes.
O activista – que faz
parte do colectivo Vizinhos do Areeiro, o qual tem sido responsável por
diversas iniciativas de mobilização cívica – dá o exemplo do seu bairro. “Se
fizer uma busca em diversas plataformas, verificará que no Areeiro, das casas
colocadas para arrendamento, dois terços destinam-se a curta duração. Já
existem aqui pelo menos dois prédios inteiros para alojamento local. E não
estamos a falar de um bairro histórico”, diz.
Essa é, aliás, uma
das nove razões elencadas para justificar a petição – a qual pede à
administração central medidas sobretudo de cariz fiscal e fiscalizador, através
da Autoridade Tributária e da ASAE -, quando se refere que “o alojamento local
já se estendeu para fora dos bairros históricos e abarca hoje, praticamente,
toda a cidade de Lisboa”. Entre as outras justificações para a tomada de
posição por parte do poder político contam-se a “queda abrupta” na oferta de
habitações disponíveis para arrendamento familiar e o correspondente aumento
dos preços praticados, mas também o que considera ser a lentidão na resolução
do problema por parte do parlamento e do Governo ou mesmo a alegada “negação”
da existência do mesmo por parte da Câmara de Lisboa.
“Existe uma distorção
fiscal muito intensa, que faz com que quem alugue a casa para alojamento local
pague 5% de imposto, enquanto quem arrenda com fins de habitação tenha que
entregar 28%”, diz Rui Martins, mostrando cepticismo em relação às alterações tributárias
prometidas pelo Governo.
Ainda assim, e apesar
de as preocupações suscitadas pelo actual cenário serem partilhadas por muitos,
o promotor da petição tem consciência que o assunto “provoca reacções e ânimos
muito exaltados”. Razão pela qual preferiu lançar a iniciativa a título
individual e não com o grupo Vizinhos do Areeiro. “Percebo que isso aconteça,
pois existem já muitas pessoas a viver disto. Temos conhecimento de situações,
por exemplo, em Alfama, de famílias que dormem na cozinha para poderem alugar o
resto da casa aos turistas e, assim, obterem rendimento”, diz.
Texto: Samuel Alemão
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