O Observador
e seus “muchachos” contínuam, numa argumentação de “8 ou 80”, a defender a ideia de que uma cidade se
determina e define únicamente através da Lei do Mercado, sem regulamentação,
sem planeamento, sem gestão, sem escolhas éticas e humanas.
Nesta óptica,
só existem protagonistas . Não existem Pessoas.
OVOODOCORVO
Lisboa
envelhecida e em ruínas é mais típica?
Rui Ramos
7/4/2017, 4:36
O mercado do arrendamento em Lisboa ainda não funciona para
todos, e está a ser perturbado pelo turismo. Mas um novo congelamento de rendas
só poderá ter o resultado funesto dos anteriores.
A lei de arrendamento urbano de 2012 não teve sequer as
melhores origens: reflectiu apenas a ideia da troika de penalizar a propriedade
e favorecer o aluguer, como meio de limitar o endividamento das famílias. Mas
mesmo assim, foi provavelmente a maior medida de renovação urbana desde o
marquês de Pombal. Depois de décadas de congelamento de rendas, começou a haver
investimento na recuperação de prédios no centro de Lisboa e voltou a haver
casas para alugar.
Em Portugal, porém, tudo o que diz respeito à habitação tem
de correr mal, mesmo quando corre bem. Por coincidência, a partir de 2013-2014,
os centros históricos de Lisboa e do Porto tornaram-se os Algarves de um novo
turismo. De repente, as agências imobiliárias passaram a anunciar em inglês, e
como a oferta nos velhos bairros é ainda pouca, os preços subiram. A situação
está confinada a umas quantas freguesias. Mas tanto bastou para os
especuladores políticos voltarem ao palco com as suas velhas banhas da cobra.
Desde 1910, nenhum regime político resistiu aos
congelamentos das rendas. Houve-os em 1910-1914, em 1943, em 1974. Pareceu
sempre um meio expedito de angariar popularidade. Em vez de construírem bairros
sociais, os governos acharam mais fácil tornar a cidade um enorme bairro
social, à custa dos proprietários. O que não impediu que a era das rendas
congeladas fosse também a grande época dos bairros de lata em Lisboa. E como os
congelamentos coincidiram com períodos de inflação, criaram por fim a curiosa
figura do senhorio pobre de inquilinos ricos.
Houve sempre, no meio deste processo, descongelamentos
parciais, que serviram sobretudo para aumentar a complexidade legal. A partir
de 1990, entrou-se numa dessas fases. Mas então já a procura e o investimento
se orientavam para a aquisição a crédito de casas nos subúrbios. O
congelamento, reforçado pela dificuldade de despejo, ajudou assim a fazer de
muitos bairros do centro de Lisboa sítios tão envelhecidos e abandonados como
algumas aldeias das serras da Beira.
Enquanto Roma ardia, Nero tocava lira. Em Lisboa, enquanto
os prédios eram entaipados e caíam, a oligarquia política divertia-se com
“planos de reabilitação”. Deram sempre em nada. A lei das rendas de 2012 fez
mais pela reabilitação do que todos os “planos” juntos. Neste ponto da
discussão, é costume proclamar: acima do mercado, estão as pessoas. Mas as
pessoas são o mercado, que consiste nas relações entre quem investe e quem
procura habitação. Foram essas relações que a arbitrariedade do Estado
transtornou, sempre com maus resultados.
Há histórias para todos os gostos. A história do jovem que
agora não arranja casa no centro de Lisboa porque os franceses alugam tudo, é
tão dramática como a história do jovem que outrora não arranjava casa no centro
de Lisboa porque os prédios estavam a cair e não havia casas para alugar. O
importante é isto: nos últimos anos, começou-se a criar um mercado de
arrendamento. Esse mercado é ainda incipiente, não funciona para todos, e está
a ser perturbado, em áreas limitadas, por uma procura inesperada. Mas concedam-lhe
uma oportunidade para amadurecer e equilibrar-se. Há problemas? Não façam mais
leis, criem apoios. Se for verdade que a Câmara Municipal de Lisboa tem “1600
casas de habitação social fechadas”, muitas delas “emparedadas”, podem começar
por aí. Porque um novo congelamento, seja qual for a sua forma e alcance, só
pode ter os mesmos efeitos funestos dos anteriores.
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