Aprenderam alguma coisa? Não aprenderam nada |
OPINIÃO
Aprenderam alguma coisa? Não
aprenderam nada
JOSÉ PACHECO
PEREIRA 31/05/2014 - PÚBLICO
Os eleitores deram uma bofetada nos vultos dos grandes gabinetes das
instituições europeias, mas em vez de perceberem por que é que isso aconteceu,
vão mas é comprar um capacete para proteger a cara.
É um ritual dos
partidos e dos governos depois de derrotas eleitorais dizerem que ouviram as
pessoas, perceberam a lição, aprenderam alguma coisa. Na verdade, estas frases
significam que não aprenderam nada e que vão continuar na mesma. Quando um
partido tem uma derrota estrondosa e a atribui a “erros de comunicação”, não
quer aprender nada, quer apenas salvar a pele dos responsáveis. Quando um
partido tem uma vitória tangencial, que para nada lhe serve, e a festeja como
“enorme”, não quer aprender nada, quer apenas salvar a pele dos responsáveis.
Não é a excepção,
é a regra. Aprendeu o PS com a derrota a e maldição pública de Sócrates? Não.
Aprendeu o PSD com as duas catastróficas derrotas eleitorais da actual direcção
política de Passos? Não. Aprenderam o PS e o PSD o que significavam os sucessos
das listas independentes nas últimas autárquicas? Não. Aprenderam o PS e o PSD
com o aumento de votos brancos e nulos e as abstenções por protesto,
desinteresse ou revolta contra a “oferta” política que é dada ao eleitor? Não.
Aprenderam o PS e o PSD com a quebra cada vez mais acentuada dos votos do
chamado “arco governativo” em relação ao conjunto dos votos expressos? Não.
Aprenderam o PS, o PSD e o CDS com o divórcio já profundo entre eleitores e
eleitos, entre os portugueses e a sua representação política? Não. Aprenderam o
PSD e o PS o que significam resultados como os de Marinho e Pinto? Aprenderam o
PSD e o PS com a cada vez maior dúvida sobre o mérito da democracia para
resolver os problemas dos portugueses? Não.
Eles sabem, mas
não aprendem. Sim, porque quer o PS quer o PSD sabem bem o que aconteceu em
todos os casos enunciados em cima e compreendem o que se está a passar entre os
portugueses e os seus partidos. O PS sabe muito bem que a responsabilidade de
Sócrates no descalabro de 2011 é grande e que os portugueses não o esqueceram.
Podem vir com lutas entre “narrativas”, que a convicção da maioria dos
portugueses não muda sobre Sócrates. E Sócrates ainda mantém uma sombra de
influência, porque convém à direita alimentá-lo como papão, que ele já não é de
todo. Quando Rangel e Nuno Melo fizeram a campanha que fizeram, foram buscar o
único fantasma que lhes podia dar leverage. Foi uma campanha pior que má, mas
em que a Aliança Portugal se agarrou à única coisa que ainda podia mobilizar os
fiéis, a recusa veemente de Sócrates.
Por seu lado, a
desculpa dos “erros de comunicação”, que é alimentada pelos comentadores na
área governamental, ilude o fundo dos problemas que é de outra natureza: o dos
erros políticos, incompetência, mentira e logro como método, desprezo pelas
dificuldades dos portugueses em nome de uma “revolução” dos “empreendedores”
contra os “piegas”, que só pode ter origem na ignorância e impreparação
ideológica e política. E, tendo como pano de fundo a captura da governação
pelos interesses económicos, que impõem intransigência total na sua defesa. Não
admira que o primeiro-ministro use a fórmula dos “erros de comunicação”, para
fugir a assumir as responsabilidades dos erros cometidos da sua governação e
para fazer uma tão cómoda como falsa autocrítica.
Mas se a diferença
entre “saber” e aprender pode pôr em causa a partidocracia, eles não querem
tirar nenhuma conclusão e muito menos actuar contra os interesses instalados
dentro dos partidos. Essa é uma enorme força de bloqueio que os mecanismos cada
vez maiores de profissionalização política a partir das jotas tendem a
reproduzir e a ampliar no PS e PSD.
Alguém dizia-me
“mas há o cheiro do poder” e isso pode beneficiar na actual contenda do PS
António Costa, mais bem posicionado em todos os estudos de opinião. Discordei.
Até há uns anos o “cheiro do poder” era uma forte motivação para as escolhas
partidárias “para fora”, hoje penso que o único “cheiro do poder” que funciona
nos partidos é o de dentro. Ou seja, a motivação para escolher um “ganhador”
potencial dentro dos aparelhos instalados é muito menos importante do que a
sobrevivência da casta, desde que a derrota não mexa muito no pool de lugares
que se podem manter seja no poder, seja na oposição. Se jogar tudo numa vitória
eleitoral pode reforçar um “inimigo” interno e desequilibrar os poderes “de
dentro”, a opção é muito mais definida pela estabilidade dos poderes internos.
Este processo de
fechamento explica o que aconteceu nas últimas eleições autárquicas no PSD e no
PS, em que no Porto, em Gaia, em Sintra, em Oeiras e em Matosinhos se fizeram
escolhas na base da fidelidade à nomenklatura interna do partido, mesmo que
fossem eleitoralmente desastrosas. E isso ainda mais se torna evidente quando
ninguém tira qualquer conclusão crítica interna das derrotas eleitorais e tudo
continua na mesma, senão pior, com uma mentalidade de bunker para manter
lugares no grupo parlamentar, nas distritais e federações, nos cargos de
nomeação governamental. Alguém se demitiu devido às escolhas que fez no PSD no
Porto, em Sintra, Gaia, Oeiras, ou no PS em Matosinhos? Pelo contrário,
acelerou-se o processo de expulsões, para reforçar o poder interno, o único que
conta. É por isso que só os partidos que ainda têm um eleitorado interior não
inteiramente controlado pelo aparelho instalado podem mudar pela pressão
externa da opinião, os outros não. Seja qual for o “cheiro do poder”.
O mesmo se passa,
por razões ainda maiores, logo mais graves, a nível da Europa. Aprenderam os
governos da União Europeia o que significou a derrota da Constituição Europeia
na Holanda e França? Não. Aprenderam os governos com o facto de que cada vez
que há um referendo as propostas do mainstream europeu chumbam ou passam por um
fio? Não. Aprenderam os governos o desastre das políticas das troikas dos últimos
anos? Não. Aprenderam os governos e os partidos europeístas com a enorme
abstenção que há muito atinge a legitimidade do Parlamento Europeu? Não.
Aprenderam os governos e os partidos centristas e de esquerda com o ascenso da
extrema-direita xenófoba por toda a Europa? Não. Aprenderam os governos
nacionais e os partidos europeístas com o crescimento de forças anti-União
Europeia ou apenas eurocépticas por toda a Europa? Não.
Eles sabem, mas
não aprendem, porque não podem aprender. Dão apenas desculpas e falsas causas.
O curso antidemocrático da União nos últimos anos dificilmente pode ser
revertido sem pôr em causa políticos e partidos que têm mandado na Europa nos
últimos anos, principalmente o PPE e o PSE. Ambos são responsáveis pela
transformação da União numa burocracia autoritária e numa hierarquia de
“dominação” entre países de primeira e de segunda. Eles não podem aprender sem
pôr em causa a enorme e privilegiada burocracia que tem crescido em Bruxelas,
no Luxemburgo, em Estrasburgo e em múltiplos gabinetes e “centros” nacionais, e
que precisa de enfraquecer os parlamentos nacionais e os povos para poder
crescer e consolidar-se.
Para voltar a ter
pés que não sejam de barro, a União deveria aprender com os milhões de
eleitores que consideram que o Parlamento Europeu não serve para nada, e nem
sequer vão votar, e com os milhões que votaram no UKIP e na Frente Nacional.
Sim, também com os eleitores que votaram na Frente Nacional, porque de uma
forma perversa estes partidos falam mais dos problemas, dos receios, das
defesas do homem comum do que os politicamente correctos PPE e PSE que mandam
na Europa. Os eleitores deram uma bofetada nos vultos dos grandes gabinetes das
instituições europeias, mas, em vez de perceberem por que é que isso aconteceu,
vão mas é comprar um capacete para proteger a cara.
Aprenderam alguma
coisa? Não, não aprenderam nada.
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