Análise:
O que esperar depois do referendo grego?
Inês Domingos /
1/7/2015, OBSERVADOR
Não
é fácil prever o que acontecerá depois do referendo de domingo,
quer na hipótese de vitória do sim, quer na de vitória do não.
Mas há muita nova mitologia grega que merece ser desmontada.
A mitologia Grega
está repleta de mortais que nas suas tentativas de escaparem ao
destino que lhes é transmitido mais ou menos enigmaticamente pelo
oráculo, caem ainda mais depressa nos seus braços.
Tal como na sua
mitologia, a Grécia está também condenada a mudar. Num mundo
globalizado e cada vez mais competitivo, um oráculo moderno teria
dito aos governantes gregos, muitas vezes descendentes de antigos
senadores, que economia grega teria sempre de se reformar e
preparar-se melhor para os embates da globalização. A decisão do
atual Governo grego de tentar adiar estas reformas através de
negociações desajeitadas, intermináveis e infrutíferas poderá
levar a um ajustamento mais rápido do que alguma vez qualquer credor
da Grécia desejou.
As notícias mais
recentes sugerem que o primeiro-ministro Tsipras terá concordado
esta manhã com a maioria das reformas propostas pela Comissão no
passado fim de semana para prolongar o programa de assistência
financeira que tinha sido estendido até o final de junho. Por outro
lado, Tsipras solicitou um terceiro resgate aos seus parceiros
Europeus, agora excluindo o FMI. O Eurogrupo deverá reunir esta
tarde para falar sobre estas evoluções, mas tudo aponta para que os
restantes países Europeus optem por esperar até saberem o resultado
do referendo.
A particularidade
dos desenvolvimentos dos últimos dias é que o referendo que se
prepara este fim de semana parece saído de uma nova mitologia Grega,
em que as histórias que lemos têm um significado real muito
diferente do que aparentam.
Futuro-da-Grécia
O primeiro mito
começa logo pela pergunta a que o povo Grego vai responder no
domingo sobre o acordo proposto pela Comissão Europeia no passado
fim de semana. Essa pergunta na realidade já não se põe, porque o
programa de assistência financeira terminou no dia 30 de junho. O
Governo de Tsipras já se avançou e enviou um pedido para um
terceiro programa, mas aparentemente não é esse que quer
referendar. Por isso, o resultado do referendo não terá significado
nenhum. O que irá acontecer é que um voto a favor da proposta da
Comissão será interpretado pelos restantes países da Zona Euro
como o desejo do povo Grego de permanecer na União Monetária, o que
provavelmente os levaria a considerar retomar negociações com o
Governo Grego para implementar um terceiro resgate. Um voto contra
significaria que o povo grego rejeita a condicionalidade de um novo
programa, o que provavelmente impediria um novo acordo e conduziria
ao incumprimento quase total da dívida pública Grega.
O segundo mito é
que a Grécia não tem de sair da Zona Euro ainda que rejeite a
proposta dos credores. O ministro das Finanças Varoufakis argumenta
que não existe mecanismo legal para expulsar a Grécia, o que é
verdade. No entanto, as consequências de não haver resgate seriam
de tal forma gravosas para a Grécia que, mais cedo ou mais tarde, o
país acabaria por ter de usar outra moeda.
Por um lado, o
Estado grego, que já não tem praticamente acesso ao financiamento
nos mercados internacionais, deixaria também de ter acesso a
financiamento da UE e do FMI. Ainda que entrasse em incumprimento
relativamente à totalidade da dívida, neste momento provavelmente
já não tem receitas suficientes para pagar a totalidade dos
salários e das pensões em a partir de julho. Isto obrigaria o
Estado a pagar a sua despesa corrente excluindo juros em
títulos/bilhetes de dívida a partir de julho.
Por outro, em caso
de incumprimento generalizado e sem perspetiva de um novo acordo, o
BCE teria de limitar fortemente o acesso do sistema financeiro grego
à liquidez do banco central. Neste cenário vários bancos gregos
não teriam condições para sobreviver. Os gregos procurariam
guardar debaixo do colchão as notas e moedas de euros que
conseguissem obter e optariam por voltar a um sistema de trocas, para
preservar os euros
Esta situação
exigiria, para a simples sobrevivência quotidiana, a emissão de um
novo sistema de pagamentos, seja ele através de títulos de dívida
pública ou de trocas diretas de bens e serviços. Um sistema desta
natureza poderia subsistir durante algumas semanas mas teria
eventualmente de ser substituído por nova moeda, para a vida poder
simplesmente funcionar com alguma normalidade.
O terceiro mito é
que, se os gregos votarem a favor das propostas dos credores, o
primeiro-ministro Tsipras irá respeitar a vontade deles e
implementar um terceiro programa de assistência financeira. Nada nas
negociações dos últimos dias sugere que é possível confiar neste
Governo para levar a bom porto as reformas necessárias para a
economia grega. Por outro lado, vários governantes do Syriza já
anunciaram que poderá ser necessário convocar eleições, porque
não estão dispostos a aceitar um novo programa.
Ainda que os gregos
votem a favor dos pedidos dos credores oficiais da Grécia no
referendo de domingo, os desenvolvimentos dos últimos dias já
causaram danos que serão difíceis reverter. Os controlos de
capitais que foram introduzidos no espaço de algumas horas e que têm
causado dificuldades enormes para as pessoas que o próprio Syriza
diz querer proteger, deverão levar meses (possivelmente anos) a
eliminar. Os depósitos e ativos que têm saído da Grécia poderão
eventualmente regressar, mas só se um novo governo for
suficientemente credível na implementação de medidas que restaurem
a estabilidade macroeconómica do país. Mas existe alguma esperança
que a Grécia retome alguma estabilidade e prosperidade que tinha
conseguido antes das eleições de janeiro. Já um voto contra terá
consequências difíceis de prever e poderá resultar em mais uma
década perdida para a Grécia em termos de crescimento, de bem-estar
e de estabilidade política e social.
Economista,
Macrometria
Sem comentários:
Enviar um comentário