quinta-feira, 9 de julho de 2015

Os abelhões estão a desaparecer e a culpa é das alterações climáticas


Os abelhões estão a desaparecer e a culpa é das alterações climáticas

Por razões que ainda não foram esclarecidas, estes cruciais insectos polinizadores estão a declinar muito mais rapidamente do que outros. E isso deve-se “claramente” ao aquecimento global, conclui um estudo

Ana Gerschenfeld / 10-7-2015 / PÚBLICO

Todos sabemos que a sobrevivência das abelhas está ameaçada a nível global, sobretudo devido a fungos e ao uso de pesticidas, mas também ao aumento das temperaturas e à destruição dos habitats ao longo dos últimos 50 anos. Mas, no caso dos abelhões, que também são polinizadores vitais para a agricultura e para muitas espécies vegetais silvestres, uma equipa internacional de cientistas acaba de descobrir que o principal factor responsável pelo abrupto declínio das suas populações são, de longe, as alterações climáticas.
Esta é a principal conclusão de um estudo, realizado a escalas temporal e espacial sem precedentes, da distribuição geográfica de dezenas de espécies de abelhões ao longo de décadas. Os resultados foram publicados na revista Science com data de hoje.
O trabalho mostra que, ao contrário de muitos outros insectos terrestres da Europa e da América do Norte, que, para compensar o aumento das temperaturas, têm conseguido aproximar-se do Pólo Norte à medida que se afastam das zonas mais próximas da linha do equador — e, portanto mais quentes —, isso não tem acontecido com os abelhões. E, como se não bastasse, também mostra que os habitats naturais dos abelhões situados mais a Sul têm encolhido, com os insectos a perderem uma faixa de cerca de 300 quilómetros de terreno desse lado.
“Imaginem um torno e imaginem o habitat dos abelhões preso nesse torno”, diz o líder do estudo, Jeremy Kerr, da Universidade de Calgary (Canadá), em comunicado daquela instituição. “À medida que o clima aquece, as diferentes espécies de abelhões são esmagadas por esse ‘torno do clima’, que comprime as zonas geográficas onde habitam.”
Para realizar o estudo, os cientistas criaram uma enorme base de dados georreferenciados a partir de espécimes de abelhões conservados em museus ou colhidos por coleccionadores europeus e norteamericanos. No total, são cerca de 420.000 itens, relativos a 67 espécies (31 do Novo Mundo e 36 do Velho Continente), que contam uma história ao longo de mais de cem anos — de 1901 a 2010. A seguir, utilizaram os dados referentes ao período 1901-1974 — altura em que o clima era menos quente — como base de referência e compararam a distribuição geográfica de cada espécie nessa altura com a que elas vieram a ter nas décadas mais recentes, de forma a acompanhar a evolução dos seus territórios.
“Ficámos surpreendidos com os resultados”, diz o co-autor, Leif Richardson, especialista em abelhas da Universidade de Vermont (EUA), citado noutro comunicado. “Os abelhões estão a perder terreno na sua fronteira sul e não estão a conseguir ganhar terreno na fronteira norte — portanto, o seu habitat está a encolher.” A sul, os insectos estão a colonizar terrenos mais elevados, mas isso não resolve o seu problema de sobrevivência, uma vez que a vegetação se vai tornando mais escassa quando a altitude aumenta.
Os autores também analisaram o impacto sobre os abelhões da ocupação e utilização humana das terras, bem como do uso de pesticidas, mas não encontraram qualquer correlação significativa entre estes factores e o abrupto declínio dos abelhões. “Os efeitos não se devem aos pesticidas nem à perda de habitat”, salienta Kerr. “A razão parece ser, simplesmente, que o clima ficou demasiado quente.”

Migração assistida
O declínio verifica-se à escala continental e a uma maior velocidade do que noutras espécies de insectos, como o mostra a evolução dos últimos 50 anos: “No que respeita às espécies de abelhões da América do Norte com as quais trabalho”, diz Sheila Colla, co-autora da Universidade de York (Canadá), em respectivo comunicado, “sabemos que cerca de um terço tem declinado, nalguns casos em proporções gigantescas, superiores a 90%”. E passa a citar o caso de uma espécie de abelhões que, nos anos 1970 e início dos anos 1980, era comum no Ontário do Sul, mas da qual só avistou dois espécimes nos últimos 10 anos. E não por falta de os ter procurado, tanto no Canadá, como nos EUA.
O que é que estará a impedir a migração dos abelhões para latitudes mais frias? “Não sabemos”, explica o co-autor, Paul Galpern, também da Universidade de Calgary. “Eles deveriam ser capazes de formar novas colónias em sítios que nunca ocuparam até aqui.” Umas das razões avançadas pela equipa seria o facto de, ao contrário de muitos outros insectos, que evoluíram em regiões tropicais, os abelhões terem evoluído em climas mais frios, sendo-lhes, portanto, mais difícil adaptar-se às novas condições climáticas.
Uma solução radical que a equipa sugere para tentar lidar com este problema consistiria em operar uma “migração assistida”, deslocando artificialmente populações de abelhões para novas áreas onde poderiam persistir. Esta ideia, que tem vindo a ser proposta por especialistas da conservação ao longo da última década, ainda é controversa. Mas poderá vir a ganhar apoio, lê-se num dos comunicados.

“Os polinizadores são vitais para a alimentação e para a economia”, diz ainda Kerr. “Por isso, precisamos de encontrar maneiras de melhorar o futuro destes insectos à escala continental. Mas a coisa mais importante que podemos fazer é começar a tomar medidas sérias para reduzir o ritmo das alterações climáticas.”

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