Os
abelhões estão a desaparecer e a culpa é das alterações
climáticas
Por
razões que ainda não foram esclarecidas, estes cruciais insectos
polinizadores estão a declinar muito mais rapidamente do que outros.
E isso deve-se “claramente” ao aquecimento global, conclui um
estudo
Ana Gerschenfeld /
10-7-2015 / PÚBLICO
Todos sabemos que a
sobrevivência das abelhas está ameaçada a nível global, sobretudo
devido a fungos e ao uso de pesticidas, mas também ao aumento das
temperaturas e à destruição dos habitats ao longo dos últimos 50
anos. Mas, no caso dos abelhões, que também são polinizadores
vitais para a agricultura e para muitas espécies vegetais
silvestres, uma equipa internacional de cientistas acaba de descobrir
que o principal factor responsável pelo abrupto declínio das suas
populações são, de longe, as alterações climáticas.
Esta é a principal
conclusão de um estudo, realizado a escalas temporal e espacial sem
precedentes, da distribuição geográfica de dezenas de espécies de
abelhões ao longo de décadas. Os resultados foram publicados na
revista Science com data de hoje.
O trabalho mostra
que, ao contrário de muitos outros insectos terrestres da Europa e
da América do Norte, que, para compensar o aumento das temperaturas,
têm conseguido aproximar-se do Pólo Norte à medida que se afastam
das zonas mais próximas da linha do equador — e, portanto mais
quentes —, isso não tem acontecido com os abelhões. E, como se
não bastasse, também mostra que os habitats naturais dos abelhões
situados mais a Sul têm encolhido, com os insectos a perderem uma
faixa de cerca de 300 quilómetros de terreno desse lado.
“Imaginem um torno
e imaginem o habitat dos abelhões preso nesse torno”, diz o líder
do estudo, Jeremy Kerr, da Universidade de Calgary (Canadá), em
comunicado daquela instituição. “À medida que o clima aquece, as
diferentes espécies de abelhões são esmagadas por esse ‘torno do
clima’, que comprime as zonas geográficas onde habitam.”
Para realizar o
estudo, os cientistas criaram uma enorme base de dados
georreferenciados a partir de espécimes de abelhões conservados em
museus ou colhidos por coleccionadores europeus e norteamericanos. No
total, são cerca de 420.000 itens, relativos a 67 espécies (31 do
Novo Mundo e 36 do Velho Continente), que contam uma história ao
longo de mais de cem anos — de 1901 a 2010. A seguir, utilizaram os
dados referentes ao período 1901-1974 — altura em que o clima era
menos quente — como base de referência e compararam a distribuição
geográfica de cada espécie nessa altura com a que elas vieram a ter
nas décadas mais recentes, de forma a acompanhar a evolução dos
seus territórios.
“Ficámos
surpreendidos com os resultados”, diz o co-autor, Leif Richardson,
especialista em abelhas da Universidade de Vermont (EUA), citado
noutro comunicado. “Os abelhões estão a perder terreno na sua
fronteira sul e não estão a conseguir ganhar terreno na fronteira
norte — portanto, o seu habitat está a encolher.” A sul, os
insectos estão a colonizar terrenos mais elevados, mas isso não
resolve o seu problema de sobrevivência, uma vez que a vegetação
se vai tornando mais escassa quando a altitude aumenta.
Os autores também
analisaram o impacto sobre os abelhões da ocupação e utilização
humana das terras, bem como do uso de pesticidas, mas não
encontraram qualquer correlação significativa entre estes factores
e o abrupto declínio dos abelhões. “Os efeitos não se devem aos
pesticidas nem à perda de habitat”, salienta Kerr. “A razão
parece ser, simplesmente, que o clima ficou demasiado quente.”
Migração
assistida
O declínio
verifica-se à escala continental e a uma maior velocidade do que
noutras espécies de insectos, como o mostra a evolução dos últimos
50 anos: “No que respeita às espécies de abelhões da América do
Norte com as quais trabalho”, diz Sheila Colla, co-autora da
Universidade de York (Canadá), em respectivo comunicado, “sabemos
que cerca de um terço tem declinado, nalguns casos em proporções
gigantescas, superiores a 90%”. E passa a citar o caso de uma
espécie de abelhões que, nos anos 1970 e início dos anos 1980, era
comum no Ontário do Sul, mas da qual só avistou dois espécimes nos
últimos 10 anos. E não por falta de os ter procurado, tanto no
Canadá, como nos EUA.
O que é que estará
a impedir a migração dos abelhões para latitudes mais frias? “Não
sabemos”, explica o co-autor, Paul Galpern, também da Universidade
de Calgary. “Eles deveriam ser capazes de formar novas colónias em
sítios que nunca ocuparam até aqui.” Umas das razões avançadas
pela equipa seria o facto de, ao contrário de muitos outros
insectos, que evoluíram em regiões tropicais, os abelhões terem
evoluído em climas mais frios, sendo-lhes, portanto, mais difícil
adaptar-se às novas condições climáticas.
Uma solução
radical que a equipa sugere para tentar lidar com este problema
consistiria em operar uma “migração assistida”, deslocando
artificialmente populações de abelhões para novas áreas onde
poderiam persistir. Esta ideia, que tem vindo a ser proposta por
especialistas da conservação ao longo da última década, ainda é
controversa. Mas poderá vir a ganhar apoio, lê-se num dos
comunicados.
“Os polinizadores
são vitais para a alimentação e para a economia”, diz ainda
Kerr. “Por isso, precisamos de encontrar maneiras de melhorar o
futuro destes insectos à escala continental. Mas a coisa mais
importante que podemos fazer é começar a tomar medidas sérias para
reduzir o ritmo das alterações climáticas.”
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