O
acordo de Tsipras deixou os gregos “desapontados, zangados e
ansiosos”
MARIA JOÃO
GUIMARÃES (em Atenas) 13/07/2015 - PÚBLICO
O
primeiro-ministro grego regressou a Atenas, depois da maratona
negocial em Bruxelas, com um compromisso que mais parece uma
capitulação. Mas agora, o importante é avançar, dizem os
analistas.
Agora o mais
importante é votar as medidas, e que abram os bancos, diz o
jornalista Argiris Panagopoulos, do Avgi, o jornal ligado ao Syriza.
Agora o mais importante é que se vote, e se forme um governo de
unidade nacional para aplicar as medidas, diz George Tzogolopoulos,
do centro de estudos Eliamep.
O jornalista e o
analista não podiam ser mais diferentes, mas estão juntos na defesa
do acordo que chegou de madrugada em Atenas e que ainda deixava os
gregos atónitos. Porque foi o acordo possível, dizem. Apesar do
Banco Central Europeu não ter aumentado o financiamento aos bancos
gregos, que vão continuar fechados até quarta-feira, anunciou o
ministério das Finanças.
O facto de exigir
ainda mais medidas do que as anteriores propostas, de obrigar a
reverter medidas contrárias ao acordo, de deixar Atenas sob
supervisão apertada da troika, e de fixar garantias em caso de
incumprimento, tudo isto sem conseguir uma declaração inequívoca
de restruturação da dívida, faz com que seja um acordo difícil de
aceitar para uma facção do Syriza, que deverá partir-se. O
primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, cuja imagem de marca tem
sido o ar bem-disposto nas cimeiras, parecia abatido depois das 17
horas de negociação. Os jornais gregos faziam eco de um sentimento
de profunda derrota: “Afundem o país, ordena Schäuble”, diz o
Efimerida Ton Syndakton (esquerda). No Twitter, foi criada e
replicada uma hashtag (uma espécie de palavra para um assunto):
“ThisIsACoup” – isto é um golpe de Estado.
Na votação
anterior no Parlamento, que autorizou o Governo a negociar, 17 entre
149 deputados do Syriza não apoiaram o primeiro-ministro: votaram ou
contra (dois), ou abstiveram-se (oito) ou estiveram ausentes (sete).
Outros 15 deputados anunciaram que rejeitariam as reformas. E nesta
segunda-feira, os parlamentares da chamada Plataforma de Esquerda, a
facção mais radical no Syriza, anunciaram que rejeitarão as
medidas. Serão cerca de 30 deputados.
Em desacordo com
Tsipras, Manolis Glezos figura histórica - foi quem tirou a bandeira
nazi da Acrópole em 1941 - anunciou a sua demissão antecipada de
deputado do Syriza no Parlamento Europeu.
Entre os 13 dos
Gregos Independentes (Anel), não é claro o que poderia acontecer. O
seu líder, Panos Kammenos, disse que não aprovaria o acordo mas
continuaria no Governo, uma aparente contradição. Encontrou-se na
segunda-feira com Tsipras e reúne-se esta terça com o grupo
parlamentar do seu partido, populista e nacionalista, que se separou
do partido Nova Democracia quando este começou a defender o
memorando. A posição mais provável seria a abstenção ou
ausência.
Apesar disto, as
medidas serão certamente aprovadas, diz George Tzogopoulos, no seu
gabinete no centro de estudos de relações internacionais Eliamep. E
uma vez que o plano seja aprovado e a primeira ronda de medidas passe
no Parlamento, será altura de formar o novo Governo, acrescenta.
“Era bom que este Governo fosse o mais inclusivo possível, para
que governe mesmo os três anos e meio que faltam. Precisamos disso”,
sublinha. “Tsipras terá de se livrar das vozes radicais, e formar
um governo rapidamente.”
Um cenário de novas
eleições seria um pesadelo, diz Tzogopoulos. “Já votámos em
Janeiro, já votámos agora… Com cada nova eleição, vamos ter de
aceitar ainda mais medidas.”
Já Dimitris
Rapidis, do centro de estudos Bridging Europe, está mais convencido
de que as eleições antecipadas são mesmo um cenário a considerar
- se não já, muito em breve. “Nestas circunstâncias de ruptura
significativa no Syriza, Tsipras será forçado a eleições
antecipadas porque perderá o apoio do seu partido”. Rapidis põe a
hipótese de Tsipras não o fazer de imediato. “Mas os partidos da
oposição vão questionar a maioria do Governo, e forçá-lo a
eleições mais tarde ou mais cedo.”
A Nova Democracia
tem um líder interino depois da demissão do anterior, e
ex-primeiro-ministro, Antonis Samaras. O Pasok tem também uma líder
nova, depois da demissão de Evangelos Venizelos após o desastroso
resultado do partido nas eleições de Janeiro. Não é claro o que
poderão querer para entrar num Governo.
O partido liberal To
Potami disse que apoiaria o Governo mas não quer participar. Um dos
seus deputados, Harry Theoharis, defendeu mais tarde a ideia de um
executivo liderado por “personalidades capazes de ser muito
técnicas mas também com um sentimento político”, segundo o
diário francês Le Monde – o jornal nota que Theoharis, que esteve
à frente do Secretariado-Geral de Informação do Ministério das
Finanças, o organismo responsável pela modernização fiscal e luta
contra a fuga ao fisco, poderia estar a falar de si próprio.
E analistas
sublinham que uma coisa é a aprovação no Parlamento das medidas,
outra coisa é a sua concretização. “A linha dura [europeia] quer
dizer que os riscos políticos de um lado ou outro não conseguirem
concretizar são grandes”, diz a revista britânica The Economist.
O processo vai ser
difícil. O jornalista Nick Malkouztis, do diário Kathimerini e do
site de análise Macropolis, refere que o Governo “tem de aprovar
quatro leis até quarta-feira e outras duas até 22 de Julho, que é
provavelmente mais do que o que legislaram desde a vitória
eleitoral”.
Tsipras notou, no
seu discurso após acordo, que várias medidas a aprovar vão criar
inevitavelmente tendências de recessão, embora assegurasse que a
decisão “vai manter a estabilidade financeira da Grécia e dar
potencial de recuperação”.
Muitos gregos
estavam em choque com as medidas anunciadas. Mas mesmo entre muitos
dos que defenderam o “não” no referendo da semana passada, há
quem tenha compreensão e tente “vender” o acordo, como o
jornalista do Avgi, ecoando o primeiro-ministro: “Vai ser difícil,
mas conseguimos algumas vitórias na questão da restruturação da
dívida”, defende Panagopoulos. “O mais importante é que
evitámos um golpe de Estado contra um Governo democraticamente
eleito e evitámos também um executivo com técnicos, que já
mostrou que é um desastre, tanto aqui como em Itália”, defende. E
com um tom combativo, acrescenta que agora é a vez de todos
ajudarem: “Temos de fazer muitas coisas e ajudar a mudar o país”.
Tsipras finalizou o
seu discurso com uma nota de que as medidas serão aplicadas “com
justiça social”, e que “desta vez, os que evitaram pagar, vão
pagar, vão partilhar o fardo”. Finalmente, prometeu “livrar-se
dos interesses escondidos no país, fazer reformas radicais a favor
das forças sociais, e contra a oligarquia que deixou o país neste
estado” – um “compromisso que começa amanhã”.
Tudo isto acontece
com os bancos ainda fechados e sem perspectivas de abrirem tão cedo.
O Ministério das Finanças disse que ficarão encerrados até
quarta-feira, mas analistas dizem que poderá ser que seja mais
tarde. “E mesmo quando reabrirem, deverão manter-se alguns
controlos de capitais, por exemplo limites nos levantamentos, limites
nas transferências, e limites nas transferências para o
estrangeiro”, enumerou Tzogopoulos.
Começaram a ser
anunciadas greves: das farmácias, e ainda uma greve geral do sector
público para quarta-feira, o dia da votação no Parlamento. Também
tem havido manifestações, primeiro muito restritas a grupos de
extrema-esquerda e anticapitalistas, mas a começar a ganhar fôlego
pouco a pouco – a desta segunda-feira à noite já era maior, com
música em vez de apenas palavras marteladas por activistas ao
megafone.
“É muito difícil
ter noção do que será a reacção da sociedade. Até agora,
especialmente depois do grande ‘não’ no referendo, que vai
contra o memorando devastador, as pessoas estão extremamente
desapontadas, zangadas e ansiosas”, nota Rapidis.
Se essa frustração
sairá em forma de votos nas próximas eleições, antecipadas ou
não, é muito provável. “Poderão aparecer novas formações
políticas, como a Plataforma de Esquerda sair do Syriza, ou, por
outro lado, outros partidos vindos do centro. A Aurora Dourada vai
aumentar o seu poder de atracção, mas não tanto assim”,
antecipa. “O que antevejo é uma continuação da instabilidade
política na Grécia”, conclui: “E posso dizer é que os
defensores de uma saída do euro vão certamente aumentar, um partido
ou grupo de políticos que apoiem essa opção poderão receber apoio
substancial.”
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