Investigações
judiciais lançam o caos na política do Brasil
Presidente
da Câmara de Deputados é envolvido no escândalo da Petrobras e
anuncia ruptura política com o Governo. Dificuldades anunciadas para
a Presidente Dilma Rousseff, que vê a sua base de apoio cada vez
mais diminuída
Segundo
um levantamento feito pel’O Estado de São Paulo, 199 deputados
estaduais, 178 deputados federais, 16 senadores e 17 governadores têm
os financiadores das suas campanhas eleitorais presos
Rita Siza /
18-7-2015 / PÚBLICO
Sem ter sido ainda
acusado de nada, o ex-Presidente do Brasil Luis Inácio Lula da Silva
está agora formalmente sob investigação do Ministério Público,
suspeito do crime de tráfico de influências por causa da sua
associação com a construtora Odebrecht, uma das empresas implicadas
no esquema de corrupção que envolve a petrolífera estatal
Petrobras — o “Petrolão”.
UESLEI
MARCELINO/REUTERS
A Justiça
brasileira confirmou que foi aberta uma investigação formal para
apurar se depois de abandonar a Presidência, em 2009, o homem forte
do Partido dos Trabalhadores (PT) aproveitou as suas conexões
políticas a nível internacional para ilicitamente beneficiar a
Odebrecht, a maior empresa de construção do país e uma das maiores
do mundo, com uma carteira de negócios que se estende até Portugal.
Em menos de uma
semana, as investigações da justiça brasileira à teia de
corrupção em torno da Petrobras atingiram dois antigos Presidentes
da República — o agora senador Fernando Collor de Mello foi
implicado —e o actual presidente da Câmara de Deputados, Eduardo
Cunha, que alegadamente terá reclamado uma “propina” de cinco
milhões de dólares para viabilizar um contrato de navios-sonda da
Petrobras. O poderoso chefe de fila do PMDB no Congresso nem esperou
pela sua agendada declaração televisiva ao país (na madrugada
passada) para anunciar o rompimento da aliança com o Governo.
“A apuração de
irregularidades na Petrobras varreu nesta semana três instituições
para o tapete da Lava Jato. De uma só vez, Senado, Câmara [de
Deputados] e Tribunal de Contas da União foram atingidos por novas
suspeitas e acusações. O Judiciário virou alvo de investigados.
Ministério Público e Polícia Federal preparam-se contra
retaliações. O Governo teme que a ira do presidente da Câmara,
Eduardo Cunha, paralise o país politicamente e abra caminho para um
pedido de destituição [da Presidente]”, resumia o jornal Folha de
São Paulo, condensando o desenvolvimento da intriga nesta semana.
As consequências
políticas dos acontecimentos dos últimos dias, quer para a
Presidente Dilma Rousseff, quer para o próprio sistema brasileiro,
são imprevisíveis. Pelo menos 12 legisladores do Senado e 22 da
Câmara de Deputados (além de 12 ex-congressistas e uma
ex-governadora), pertencentes a cinco partidos, foram já apanhados
na rede da investigação Lava Jato: Collor de Mello foi um dos
últimos a ser implicados, num depoimento do empreiteiro Ricardo
Pessoa, que informou ter pago 20 milhões de reais em luvas para que
o senador influenciasse negócios com uma subsidiária da Petrobras,
a BR Distribuidora.
As notícias dizem
que “centenas de outros políticos” poderão ser os próximos
alvos. Segundo um levantamento feito pel’O Estado de São Paulo,
199 deputados estaduais, 178 deputados federais, 16 senadores e 17
governadores têm os financiadores das suas campanhas eleitorais
presos. A Operação Politeia, um novo ramo da investigação Lava
Jato (o nome é uma alusão à “cidade perfeita” descrita na
República de Platão, onde a ética se sobrepõe à corrupção),
deixou o Congresso à beira de um ataque de nervos. O ambiente é de
perplexidade, receio e suspeição generalizada.
O Governo esteve
reunido esta semana para delinear uma estratégia de resposta ao
adensar da crise política. “Preparem-se, que o pior ainda vem aí”,
avisou o ex-Presidente Lula da Silva, que também participou no
encontro. Nos relatos da imprensa brasileira, Lula referia-se aos
efeitos de choque da mais do que previsível revolta de Eduardo Cunha
contra a Presidente: nos bastidores de Brasília, já se discutia
abertamente a agenda de retaliação do deputado, que passara de
aliado a inimigo de Dilma, no retorno dos trabalhos parlamentares
depois de uma pausa de duas semanas.
Mas no mesmo dia em
que Cunha era efectivamente denunciado como corrupto pelo consultor
Julio Camargo, também Lula se via na circunstância de defender a
honra, perante o anúncio do inquérito da Procuradoria de Brasília
ao seu envolvimento com a Odebrecht, que poderá ter financiado cerca
de uma centena de deslocações suas ao estrangeiro. O ex-Presidente
não falou, mas o Instituto Lula deu conta da “surpresa” com a
iniciativa, ao mesmo tempo que reafirmou “a certeza da legalidade e
lisura” de todas as suas actividades — que incluíram também uma
conferência realizada em Portugal em Setembro de 2011, sob o
patrocínio de uma outra empresa brasileira implicada no “Petrolão”,
a Camargo Corrêa.
De acordo com
documentação obtida pela revista Época, as averiguações da
Procuradoria têm a ver com “supostas vantagens económicas
obtidas, directa ou indirectamente, da Odebrecht pelo ex-Presidente
Luis Inácio Lula da Silva, entre os anos de 2011 e 2014, com
pretexto de influir em actos praticados por agentes públicos
estrangeiros, notadamente os governos da República Dominicana e
Cuba, este último contendo obras custeadas, directa ou
indirectamente, pelo BNDES” (o Banco Nacional de Desenvolvimento
Económico e Social). Para a investigação, a procuradoria de
Brasília solicitou o acesso às informações da Lava Jato, que é
conduzida pelo juiz Sergio Moro, a partir do estado do Paraná.
O “campo minado”
de Dilma
Enquanto isso, a
sociedade civil mobilizava-se para um novo “panelaço” (nome dado
à acção de protesto que consiste em bater em panelas) durante a
declaração televisiva de Eduardo Cunha. A iniciativa é incomum,
mas não inédita: em 2011 e 2013, os anteriores líderes da Câmara
dirigiram-se ao país, em mensagens natalícias. A “fala” de
Cunha, que foi pré-gravada e produzida por um dos “marqueteiros”
da campanha presidencial do social-democrata Aécio Neves, incidirá
sobre as realizações do órgão legislativo desde o início do ano:
em seis meses, a Câmara bateu o recorde de votações de projectos
de lei e propostas de emendas constitucionais.
A Presidente Dilma
Rousseff, que esperava aproveitar a pausa na actividade legislativa
para recuperar um pouco de fôlego depois de um primeiro semestre de
Governo particularmente difícil (como atesta a taxa de aprovação
do seu desempenho, que não chega aos 10%), vê, pelo contrário, a
pressão, o confronto e o desgaste a aumentar. Até aqueles que não
encontravam argumentos válidos ou legítimos para sustentar um
pedido de impugnação da Presidente começam a manifestar dúvidas
de que Dilma consiga chegar até ao fim do mandato — a sensação é
de que tudo está em desagregação.
As opções para
Dilma são cada vez mais limitadas, tal como a sua margem de manobra
para escapar do que o jornal El País descreve como o “campo
minado” em que se movimenta, com as denúncias explosivas do
escândalo da Petrobras, as suspeitas de irregularidades nas contas
públicas e os efeitos da crise económica. Além disso, a Presidente
vive debaixo do “fogo cruzado” das ameaças de cisão no interior
do seu Partido dos Trabalhadores e da rebelião aberta dos aliados no
Congresso, que enfraquece a sua capacidade de defesa dos gritos de
“impugnação! destituição! demissão!” com que a oposição
reage a qualquer novo facto ou notícia.
O Palácio do
Planalto já se estava a preparar para possíveis acções
beligerantes no Congresso, como por exemplo a abertura de novas
comissões parlamentares de inquérito de “potencial crítico”,
com o objectivo de fragilizar a posição da Presidente. Mas,
acossado, Eduardo Cunha subiu a parada. “Essa lama, em que está
envolvida a corrupção da Petrobras, cujos tesoureiros do PT estão
presos, essa lama eu não vou aceitar estar junto dela”, declarou,
para justificar o rompimento político com o Governo. O presidente da
Câmara acusou o executivo de perseguição política — “o
Governo sempre me viu como uma pedra no sapato” — mas garantiu
que não deixaria de cumprir o seu papel constitucional e de dirigir
os trabalhos legislativos. “Não há aqui nenhum gesto que possa
dizer que acabou a governabilidade”, considerou.
Na agitação contra
o Governo, Eduardo Cunha conta com a cumplicidade do seu
correligionário de partido e presidente do Senado, Renan Calheiros,
que também já viu o seu nome associado a irregularidades na Lava
Jato.
Os dois partilham a
tese de que as denúncias são falsas e não passam de vendettas
orquestradas pelo executivo, que estará a instrumentalizar a acção
da Procuradoria-Geral da República. Além das denúncias de ter
embolsado cinco milhões de dólares para influenciar o negócio de
compra dos navios, que poderão dar origem a acusações por
corrupção e lavagem de dinheiro, Cunha foi ainda incriminado pelo
“doleiro” (termo que designa quem faz transferências de dinheiro
para o estrangeiro sem as declarar ao fisco) Alberto Youssef de
tentativas de coacção e intimidação de testemunhas da Lava Jato.
“O que está
ocorrendo no Congresso é um movimento articulado de sobrevivência
dos presidentes das duas casas, de dezenas de deputados e senadores
investigados e de centenas de outros que podem ser implicados na Lava
Jato”, contextualiza o analista político d’O Estado de S. Paulo,
José Roberto de Toledo. “Se a situação do Planalto já era
duríssima, a Operação
Politeia tornou
ainda mais frágeis as condições de governabilidade de Dilma
Rousseff ”, acrescenta o painel de comentadores da Folha de S.
Paulo: a capacidade de acção da bancada aliada ficou
significativamente tolhida, comprometendo ainda mais a já
conflituosa articulação política entre a presidência e o
Congresso.
Apesar de falar na
governabilidade, Eduardo Cunha defendeu a quebra de solidariedade
institucional do PMDB — o maior partido no Congresso e exemplo
maior do funcionamento “fisiológico” do sistema brasileiro —
com o Governo. “Eu vou tentar que o meu partido vá para a
oposição. E se o partido decidir que tem de sair, acho que tem que
entregar os ministérios”, insistiu o deputado, que alguns
jornalistas brasileiros já designam ironicamente por “líder do
PSDB na Câmara”, para assinalar a colagem dos sociais-democratas,
maior partido de oposição, às derrotas políticas impostas por
Cunha à Presidência.
O vice-presidente
Michel Temer (que é o presidente nacional do PMDB), veio depois pôr
água na fervura, sublinhando que Cunha falava apenas em nome pessoal
e não do partido, que se mantém firmemente na base aliada. Para
Temer, o rebuliço provocado pelas denúncias da Lava Jato contra
políticos do Congresso “atrapalha” o país e “abala a natural
tranquilidade que sempre permeou a actividade do povo brasileiro”.
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