A
mais difícil decisão da chanceler
TERESA DE SOUSA
07/07/2015
1. Nunca a chanceler
alemã esteve perante uma decisão tão dramática e de tão pesadas
consequências. Cinco anos depois do início da crise do euro, tem
nas suas mãos uma decisão da qual dependerá, em boa medida, o
futuro da Europa. Há duas maneiras de olhar para essa decisão. A
primeira, que hoje ainda parece dominar, é aceitar que não haverá
problemas de maior se a Grécia sair. Não era assim que a chanceler
pensava antes do referendo grego. A segunda é que se trata de uma
questão política de enorme relevância, que terá consequências
pesadas no médio e longo prazo.
Na segunda-feira, na
declaração conjunta com Angela Merkel no Eliseu, François
Holllande deixou cair uma frase que estabelece toda a distância em
relação a Berlim. O destino da Grécia “é também uma questão
de credibilidade europeia.” A seu lado, a chanceler foi
suficientemente vaga para não se comprometer. Aceitou que era
preciso uma solução “duradoura”. E o que é mais preocupante é
que conseguiu ser mais moderada do que o “número dois” da
coligação, Sigmar Gabriel, líder do SPD.
Nesta terça-feira,
Gabriel compareceu na habitual reunião dos líderes socialistas que
precede as cimeiras europeias e de que não era grande frequentador.
Foi criticado e prometeu aos seus pares uma posição mais positiva.
Assinou a declaração comum de quatro pontos: evitar o Grexit;
defender menos austeridade e mais investimento; e, finalmente,
ajustar o serviço da dívida ao ciclo económico. O seu problema é
que as sondagens mais recentes dizem que 85% dos alemães preferem um
Grexit. A reunião também serviu para confirmar que, entre os
líderes socialistas que estão no poder, a França e a Itália são
os únicos que parecem dispostos a travar uma batalha pela Grécia.
Matteo Renzi continua a defender uma solução política, à altura
dos valores europeus. François Hollande não quer desperdiçar a
oportunidade de regressar ao centro da integração europeia, como o
salvador da Grécia. Vai medir a sua capacidade de influenciar a
chanceler, lembrando-lhe que é mais fácil liderar a Europa com ele
do que sozinha.
2. Percebe-se a
dificuldade de Merkel para enfrentar uma situação extrema que ela
própria não foi capaz de prever. O resultado do referendo na Grécia
foi, porventura, a maior derrota que sofreu desde que é chanceler. O
que vai acontecer é um teste final à forma como geriu a crise. Se
falhar com a Grécia, pode sempre dizer que a sua política teve
resultados positivos em Portugal ou na Irlanda. Já não é esse o
ponto. Como ela própria muitas vezes disse, o fim do euro seria o
fim da União Europeia e ninguém consegue prever até onde o euro
resistiria à sua própria reversibilidade. Quanto a Portugal, basta
ouvir os comentários dos analistas americanos para perceber até que
ponto a dívida portuguesa pode passar de sustentável para
insustentável com uma enorme rapidez.
Faltou-lhe sempre a
dimensão política da crise. Nenhuma democracia europeia é
compatível com uma queda do PIB de 25% ou com um desemprego de
idêntico valor. O efeito mais devastador deste resultado foi
político. Os partidos do sistema, clientelares e corruptos mas
dispostos a dançar ao som da música de Berlim, fracassaram um a
seguir ao outro, deixando o campo aberto ao populismo de esquerda. A
paisagem política europeia está a mudar de forma acelerada no mesmo
sentido. Os apelos populistas que se ouvem em quase todos os países,
venham da direita ou da esquerda, comungam do mesmo nacionalismo que
Alexis Tsipras esgrimiu para ganhar esmagadoramente o referendo. É
esse o mais sério problema da Europa neste momento: o regresso de um
espírito nacionalista que não hesita em ressuscitar os mitos e as
realidades de uma História que teima sempre em regressar.
3. O mal, aliás,
não é só da chanceler. Basta olhar para as reacções de uma
maioria de pequenos e médios países da zona euro para perceber até
que ponto a Europa está a desaparecer pelas frestas abertas pela
crise. A AFP dava conta da reacção dos países de Leste que
pertencem à moeda única (Estónia, Letónia, Lituânia e
Eslováquia). Ninguém está disposto a ajudar a Grécia. “Ouço
dizer que alguns gregos têm pensões de mais de mil euros. É um
ultraje. Recuso-me a pagar pelas suas dívidas, quando estão a
ganhar fortunas comparando com o meu salário”, diz à AFP uma
empregada de restaurante em Bratislava. Nada de muito diferente do
que os líderes políticos, nomeadamente em Berlim, andaram a dizer
nos últimos anos.
Como é possível
reverter os efeitos desse discurso? Em Lisboa, a frase mais repetida
pelo Governo é que “Portugal não é a Grécia”. Não é. Mas
também não é a Finlândia ou a Áustria ou a Holanda, que não
fazem essa distinção entre gregos e portugueses: para eles, os
países do Sul comungam das mesmas fraquezas e dos mesmos vícios,
que apenas servem para enfraquecer o euro onde nunca deviam ter
entrado. Criou-se um perigoso preconceito. As consequências de uma
saída grega para Portugal são óbvias. Se um sai, outros podem sair
no futuro. É só ficar à espera da próxima crise. Se Merkel quiser
seguir pelo mesmo caminho estreito de intransigência, tem
infelizmente muitos companheiros de jornada.
“A tragédia é
que o governo grego e os seus credores não estão a avaliar
devidamente os seus próprios interesses”, diz Gideon Rachman, no
Financial Times. “Os líderes da zona euro sentem que têm de ser
duros com a Grécia” para desencorajar outros potenciais
“incumpridores das regras.” Deviam fazer o contrário, na Grécia
como em Bruxelas: “Olhar para o voto dos gregos como uma
oportunidade”. Quanto a Merkel, arrisca-se a enfrentar o seu maior
pesadelo: ficar na História como a chanceler que veio do Leste para
acabar com a Europa.
Esta terça-feira
foi inconclusiva mas teve uma vantagem: está toda a gente com
vontade de negociar outra vez.
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