Ministério
Público não queria prisão domiciliária de Ricardo Salgado
MARIANA OLIVEIRA
26/07/2015 - PÚBLICO
Procuradores
pediram apenas que o ex-banqueiro ficasse proibido de se ausentar do
país e de contactar com algumas pessoas. Além de quererem afectar
ao processo sobre o colapso do BES a caução de três milhões de
euros já prestada no inquérito Monte Branco.
Os procuradores
titulares do processo que investiga o colapso do banco e do grupo
Espírito Santo não pediram a prisão domiciliária do ex-presidente
executivo do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado. A medida
de coacção foi decretada por vontade do juiz de instrução, Carlos
Alexandre, que considerou que as sugestões do Ministério Público
não acautelavam os perigos existentes, nomeadamente o perigo de
fuga.
Os procuradores
queriam que o ex-banqueiro ficasse apenas proibido de se ausentar do
país e de contactar com algumas pessoas. Além disso, propunham que
a caução de três milhões de euros, já prestada no inquérito
Monte Branco, fosse afectada a este processo. Esta informação foi
avançada ao PÚBLICO pela própria Procuradoria-Geral da República
(PGR), na sequência de um pedido de esclarecimento feito pelo
jornal.
A possibilidade de o
juiz de instrução aplicar uma medida de coacção mais gravosa que
a pedida pelo Ministério Público, que dirige a investigação, é
bastante polémica nos meios universitários, entre os especialistas
em Direito Penal. Mas está expressamente prevista na lei desde 2010.
Isto depois de a
reforma penal de 2007 ter vedado expressamente esta possibilidade ao
juiz de instrução, apelidado em muitos manuais de Direito Penal
como o juiz das liberdade e das garantias. A reforma de 2010, já
levada a cabo nesta legislatura, veio acabar com aquela restrição,
mas, mesmo assim, limitou o poder do juiz de instrução a dois
casos: quando está em causa o perigo de fuga; ou quando há o risco
de continuação da actividade criminosa.
Neste caso, adianta
a PGR num comunicado divulgado este sábado, as medidas de coacção
foram “aplicadas com fundamento na existência de perigo de fuga e
de perigo de perturbação do inquérito e da aquisição e
conservação da prova”. A nota confirma a informação que tinha
sido avançada sexta-feira à noite pelo advogado de Ricardo Salgado,
Francisco Proença de Carvalho, de que o cliente ficara obrigado a
permanecer na habitação, sem vigilância electrónica.
Não era claro o que
levou o juiz Carlos Alexandre a não decretar a vigilância
electrónica, o meio de fiscalização que habitualmente acompanha a
prisão domiciliária. Mas, por vezes, tal acontece quando existem
problemas de saúde incompatíveis com o uso do aparelho. Em
alternativa, o juiz Carlos Alexandre comunicou à PSP as medidas
aplicadas, “tendo solicitado a vigilância adequada a assegurar o
cumprimento das obrigações impostas”, lê-se na nota da
Procuradoria. Mal recebeu a comunicação, a PSP destacou agentes
para a casa de Ricardo Salgado, em Cascais. A decisão não adianta
qualquer justificação para o facto de Ricardo Salgado não ter
ficado com uma pulseira electrónica, uma situação com a qual o
ex-banqueiro teria de concordar.
O subintendente
Paulo Flor, porta-voz da PSP, garantiu que a polícia está a cumprir
a decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal, assegurando a
vigilância da habitação “em permanência”. Sem querer comentar
as dificuldades da esquadra de Cascais em assegurar mais este
serviço, Paulo Flor refere que “a informação ou a análise”
sobre as condições da vigilância serão comunicadas ao tribunal,
que poderá, se entender, alterar o modo de fiscalização ou a
própria medida de coacção.
Contactado pelo
PÚBLICO, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da
Polícia, Paulo Rodrigues, não tem dúvidas de que a vigilância
policial da casa de Salgado terá implicações na qualidade do
policiamento no concelho de Cascais. “Alocar recursos humanos, ou
seja, polícias, à vigilância de uma residência implica retirá-los
ao patrulhamento normal, o que provoca necessariamente prejuízos a
nível da qualidade do serviço prestado”, afirma Paulo Rodrigues.
O dirigente sindical considera muito positivo que desde 2002, quando
foi lançado o sistema de vigilância electrónica, se tenham
reduzido gradualmente este tipo de serviço e, nos últimos anos,
Paulo Rodrigues só se lembra de uma situação similar a esta, no
caso do antigo presidente do Benfica João Vale e Azevedo.
Na manhã de sábado
estiveram quatro agentes da PSP a policiar a casa de Salgado e à
tarde, quando o PÚBLICO esteve no local, eram visíveis duas
viaturas, cada uma com um polícia, junto às duas entradas da
habitação. Ora, mesmo que só sejam mobilizados dois polícias de
cada vez, a vigilância do local ao longo de todas as 24 horas do
dia, implicará pelo menos seis homens, em três turnos.
Questionado pelo
PÚBLICO, o Ministério Público não esclareceu porque não houve
recurso à vigilância electrónica neste caso.
Na nota que
divulgou, a PGR adianta que Ricardo Salgado está “indiciado por
factos susceptíveis de integrarem os crimes de burla qualificada,
falsificação de documentos, falsificação informática,
branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no sector
privado”.
Francisco Proença
de Carvalho considerou, à saída da audição de Salgado, que a
prisão domiciliária era "bastante desproporcional" e
ponderava recorrer dela. Além da obrigação da permanência na
habitação, o juiz decidiu ainda proibir Salgado de contactar com os
restantes arguidos no processo.
Salgado esteve a ser
interrogado pelo juiz Carlos Alexandre um dia depois de a Polícia
Judiciária terminar uma operação com buscas na Esegur, uma empresa
de segurança da qual o BES detinha quase metade das acções. Fonte
da PJ adiantou ao PÚBLICO que, durante a operação, os inspectores
da Unidade Nacional de Combate à Corrupção encontraram no cofre
daquela empresa inúmeros documentos e centenas de quadros,
entretanto apreendidos, que serão propriedade do Grupo Espírito
Santo.
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