quinta-feira, 16 de julho de 2015

Marido da ministra das Finanças arguido por ameaçar e insultar jornalista / A jurisprudência do palavrão


Marido da ministra das Finanças arguido por ameaçar e insultar jornalista
ANA HENRIQUES 16/07/2015 - PÚBLICO

António Albuquerque não gostou de artigo de opinião de antigo colega e enviou-lhe sms: "Tira a minha mulher da equação ou vou-te aos cornos"

O marido da ministra das Finanças, António Albuquerque, foi constituído arguido e deverá responder em tribunal pelos crimes de injúria, difamação e coacção depois de ter insultado, por mensagem de telemóvel, um jornalista do Diário Económico, que também ameaçou.

O mais recente desenvolvimento do caso foi revelado esta quinta-feira pela revista Sábado, e confirmado pelo PÚBLICO. A António Albuquerque, que na altura dos acontecimentos já tinha saído do Económico, onde desempenhara funções de director executivo, não agradou um artigo de opinião escrito por um antigo colega da mesma publicação em Setembro passado, intitulado “O que acontece se o Novo Banco for vendido com prejuízo?", onde o seu autor expressava dúvidas sobre a forma escolhida pelo Governo e pelo Banco de Portugal para resgatar o Banco Espírito Santo.

"Tira a minha mulher da equação ou vou-te aos cornos", dizia um dos sms enviados pelo marido de Maria Luís Albuquerque ao antigo colega. "Tu não sabes quem eu sou. Metes a minha mulher ao barulho e podes ter a certeza que vais parar ao hospital", podia ler-se noutro.

Mas não ficou por aqui. "Vai para o caralho cabrão" e “Vai para o caralho seu merdas" são outras das injúrias que deram origem ao processo aberto pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, depois de o jornalista Filipe Alves ter apresentado queixa. “Reafirmo, tu e o teu director são uns cabrões fdp", escreveu também António Albuquerque, que neste momento não presta declarações sobre o assunto. O mesmo sucede com a sua advogada, Carla Alves Ferreira.

O marido da ministra nunca negou a autoria das mensagens. Mas Filipe Alves só aceitava desistir da queixa se o ex-colega lhe pedisse desculpas publicamente, enquanto António Albuquerque apenas se disponibilizou para o fazer por sms. Como a representante legal do marido da ministra não pediu abertura de instrução do processo, o caso deverá agora seguir directamente para julgamento.

Entre as testemunhas do jornalista queixoso está outro profissional da comunicação social, Filipe Garcia, que irá contar como também foi agraciado com um email do marido da ministra depois de escrever que Maria Luís Albuquerque não mentira quando dissera, no Parlamento, não possuir poupanças. Parafraseando o antigo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, António Albuquerque mandou-o "levar respeitosamente no cu".

"Lamento que a situação tenha chegado a este ponto, mas não tive alternativa" senão apresentar queixa, diz Filipe Alves, que pede em tribunal uma indemnização nunca inferior a três mil euros. "Até este incidente nunca tinha havido problemas pessoais entre nós os dois". No Facebook, o jornalista acrescenta não admitir ameaças nem outras tentativas que visem impedi-lo de fazer o seu trabalho. "Muito menos vindas de alguém que se diz jornalista e tinha obrigação de respeitar o direito à liberdade de expressão".

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de imprensa da ministra das Finanças não fez, até agora, qualquer comentário sobre o assunto. Apesar de a moldura penal dos crimes em causa apontar para o julgamento ser feito por um colectivo de magistrados, o facto de o marido da ministra não ter antecedentes criminais e se encontrar socialmente integrado fez o Ministério Público requerer que a resolução do processo fique a cargo de um único juiz, uma vez que dificilmente será aplicada ao arguido, caso seja condenado, uma pena superior a cinco anos de prisão.

Um caso com alguns contornos idênticos a este, embora sem ameaças nem grosserias, envolveu, em Abril passado, o candidato a primeiro-ministro António Costa, a quem desagradou um artigo de opinião em que o director-adjunto do Expresso João Vieira Pereira falava da "ausência de pensamento político consistente" dos socialistas. O jornalista divulgou publicamente a mensagem de telemóvel que o ex-ministro da Justiça lhe enviou, onde o acusava de ter recorrido ao "insulto reles e cobarde" e de pertencer a uma profissão "degradada por desqualificados".

"Quem se julga para se arrogar a legitimidade de julgar o carácter de quem nem conhece?", escreveu António Costa. "Envio-lhe este sms para que não tenha a ilusão que lhe admito julgamentos de carácter, nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito".


Três antes, em 2012, o então ministro Miguel Relvas tinha ameaçado divulgar supostos factos da vida privada de uma jornalista do PÚBLICO que então investigava o chamado caso das "secretas". Perante um protesto formal da direcção do jornal, o governante acabou por pedir desculpa pelo seu comportamento.


A jurisprudência do palavrão
ANA HENRIQUES 16/07/2015 - PÚBLICO

Juízes e procuradores são volta e meia chamados a pronunciar-se sobre subtilezas de linguagem.

Decidir se certas liberdades de linguagem constituem meros desabafos inconsequentes, graves ofensas ao bom nome ou crime de ameaça é tarefa nem sempre fácil para os juízes.

Em 2011 o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, por exemplo, que a ameaça “Fodo-te os cornos”, proferida numa discussão entre vizinhos, não era, afinal, lesiva da honra do seu destinatário, muito embora o Ministério Público tenha defendido o seu carácter ofensivo, comparativamente com o mais generalista “Vou foder-te todo” – expressão que, no entender do procurador que analisou a situação, é menos graduada no ranking dos insultos por não remeter para uma traição.

“A prática do crime de injúrias não se pode confundir com a utilização de expressões rudes, apenas utilizadas como muleta de linguagem. Assim sucede com expressões como ‘Você tem um feitio do caralho’ ou ‘Você é fodido’, que não extravasam da violação de normas morais, religiosas e de costume”, escreveu.

Um ano depois, o Tribunal da Relação do Porto era chamado a pronunciar-se sobre o verdadeiro significado de um antigo ditado regional, “Ó putas do Rio Doiro ide lavar ao Mondego, se não tiverdes sabão tirai-o do cú com o dedo”, usado numa discussão entre duas irmãs, e se ele era susceptível de afectar a honra da visada. Decidiu que sim.

Esta quinta-feira ficou a saber-se que o Supremo Tribunal Administrativo confirmou a pena disciplinar de advertência aplicada a um procurador que insultou um agente da PSP, após ter sido apanhado a conduzir e a falar ao telemóvel. O episódio aconteceu em 2009, no Seixal.

"Não pago nada, apreenda-me tudo, caralho. Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança, então ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho", disse ao polícia.

Apesar da advertência disciplinar, o Ministério Público considerou não haver aqui nenhum crime de injúrias ou ameaças: "Não obstante integrar um termo português de calão grosseiro, foi proferido como desabafo e não como injúria.

O autor da expressão desabafou sem que tenha dirigido ao autuante o epíteto, chamando-o ou sequer tratando-o por ‘caralho'. Tal expressão equivale a dizer-se, desabafando 'Caralho, estou lixado'. Admite-se que houve falta de correcção na linguagem, mas não de molde a beliscar a honorabilidade pessoal e funcional do agente".

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