Futuro
da Grécia e do euro mantém-se incerto
Merkel
disse que não haverá “acordo a qualquer preço”. Hollande
“disposto a tudo”. Resultado humilhante pode abrir crise política
em Atenas
“A Grécia pode
dobrar-se até certo ponto. Mas depois disso, só pode quebrar“
João Manuel Rocha e
Miguel Castro Mendes, em Bruxelas / 13-7-2015 / PÚBLICO
Vai, ou não, a
Grécia permanecer no euro? A saída de um país da moeda única, uma
questão que pela primeira vez se põe na história da união
monetária europeia, e que atravessou todo o dia de domingo,
continuava, noite dentro, sem resposta, apesar da urgência de uma
solução para evitar a total asfixia financeira do país.
A possibilidade de
adiar uma decisão sobre um acordo para a negociação de um terceiro
resgate à Grécia, para permitir que, até quarta-feira, o
Parlamento grego aprovasse um primeiro conjunto de reformas —
designadamente sobre pensões e a subida do IVA — chegou a estar em
cima da mesa.
Mas a escassa
liquidez dos bancos gregos levou Atenas, segundo fonte helénica
citada pela AFP, a manifestar-se contra tal cenário porque
“quinta-feira será demasiado tarde”. “Foi o presidente do BCE
[Banco Central Europeu], quem o disse”, acrescentou.
Num quadro de grande
incerteza, a Grécia teve um importante apoio para travar o que
poderia ser uma saída temporária da moeda única, ideia alemã que
começou a circular no sábado: “Não há Grexit, temporário ou
não. Há a Grécia na zona euro, ou há Grécia já fora da zona
euro, mas nesse caso é uma Europa que recua e que não avança mais.
E isso eu não quero”, declarou François Hollande. Mas o
Presidente francês não destoou do coro que reclama mais reformas da
parte de Atenas.
A correspondente do
The Guardian na Grécia noticiou que deputados e ministros do Syriza
ficaram “estupefactos” com a dureza do documento apresentado
pelos ministros das Finanças, que incluía a referida aprovação de
leis sobre reformas até quarta-feira e foi recebido como
“chantagem”. Um resultado que aos olhos dos gregos seja visto
como humilhante dificilmente evitará uma grave crise política em
Atenas.
O analista político
Aristides Hatzis, citado pelo jornal britânico, deixou um aviso: “A
Grécia pode dobrar-se até certo ponto. Mas depois disso, só pode
quebrar. O ponto de ruptura pode muito bem chegar quando Tsipras
perceber que perdeu a maioria do seu grupo parlamentar.”
Da reunião-maratona
do Eurogrupo acabou por sair um documento para a reunião de chefes
de Estado e de Governo, para os quais a bola passava. O presidente da
Comissão, Jean-Claude Juncker, manifestava a sua determinação em
lutar por um acordo que se adivinhava difícil. “Bater-me- ei até
ao último milissegundo para que haja um acordo [...] estou com
espírito combativo”, disse.
Os olhares
viraram-se para Angela Merkel e François Hollande, que entraram na
cimeira com posições claramente divergentes. A chanceler alemã
deixou claro que não haveria “acordo a qualquer preço”, o
Presidente francês disse que o seu país ia “fazer tudo para
chegar a um acordo” que permitisse à Grécia manterse na zona
euro.
Merkel anteviu
“negociações árduas” e repetiu no mote dos que mais reservas
têm colocado a um entendimento com Atenas: “Perdeu-se a moeda mais
importante, a confiança”, afirmou. Hollande disse ao que ia:
recusou qualquer hipótese de um Grexit temporário e deixou claro
que a Europa tinha de decidir se a Grécia estará “amanhã”
[hoje] no euro.
O documento enviado
pelos ministros das Finanças aos líderes da zona euro, e a que o
PÚBLICO teve acesso, confirma que o Euro grupo propôs um
endurecimento do programa de reformas, em matérias como pensões ou
o IVA. Previa também que só depois de essas medidas adicionais
serem adoptadas pelo Parlamento grego — o que deveria ser feito
“até 15 de Julho”, quarta-feira — fosse discutido um terceiro
programa de assistência financeira à Grécia.
Segundo o documento,
as instituições credoras estimam as necessidades de financiamento
da Grécia para os próximos três anos em 82 mil milhões a 86 mil
milhões de euros, e o programa teria de incluir uma almofada de 10
mil milhões a 25 mil milhões para recapitalizar o sector bancário.
Para os chefes de
Governo foi também remetida a decisão de acatar ou não a ideia do
ministério das Finanças de Berlim de transferir activos do Estado
grego para um fundo externo, para serem privatizados de modo a abater
dívida. Em caso de ausência de acordo o documento prevê “que
sejam oferecidas à Grécia negociações rápidas sobre uma saída
temporária da zona euro, com uma possibilidade de reestruturação
da dívida”.
Esta passagem
evidencia bem a grande influência alemã no Euro grupo, ainda que a
hipótese tenha sido publicada entre parêntesis rectos — indicação
de que a discussão dessa matéria, e de outras, ficaria ao critério
dos chefes de Estado e de Governo.
Por fim, o documento
deixou ainda em aberto a questão de uma rees-
truturação da
dívida, ao incluir um parágrafo que diz que poderiam ser
consideradas “períodos de carência e prazos de reembolso mais
longos”, mas apenas no âmbito de um novo programa de resgate, como
aliás já tinha sido dito pelo presidente da Comissão Europeia,
Jean-Claude Juncker. A discussão da reestruturação apenas teria
lugar depois da primeira avaliação à execução do programa,
provavelmente em Outubro.
O Grexit temporário
de cinco anos — possibilidade posta pelo ministério das Finanças
da Alemanha e que deixou evidentes as reservas da “linha dura” a
um entendimento com Atenas — seria, segundo fontes contactadas pelo
PÚBLICO em Bruxelas, uma hipótese que a Alemanha teria preparada
para o caso de a Grécia reclamar um perdão de dívida.
Mas esse cenário
contou com a oposição aberta de Hollande, concertada com outros
líderes socialistas europeus e apoiada — segundo informação
obtida pelo PÚBLICO junto de fonte diplomática em Bruxelas — pelo
chefe do Governo italiano, Matteo Renzi, e até pelo vice-chanceler
alemão e líder do SPD, Sigmar Gabriel. “A Grécia já fez
esforços”, insistiu o Presidente francês.
Na reunião prévia
que tiveram antes do Conselho Europeu, os socialistas concordaram na
necessidade de um prazo mais alargado para o Governo de Atenas
conseguir a aprovação parlamentar de algumas reformas — dez dias
foi o tempo que consideraram razoável — e defenderam a criação
de um fundo greco-europeu em que seriam colocados activos a
privatizar.
Exigências “muito
más”
As exigências dos
ministros das Finanças foram consideradas “muito más” pela
parte grega, mas o executivo de Atenas disse que se estava a esforçar
para encontrar soluções, afimrou à AFP fonte governamental em
Bruxelas. Há “muitas coisas difíceis para nós” na proposta que
está em cima da mesa dos líderes da zona, mas, “dadas as
circunstâncias”, o Governo grego quer um acordo e está confiante
que poderia conseguir aprovar medidas adicionais no Parlamento.
Num encontro num
intervalo da cimeira, com o presidente do Conselho Europeu, Donald
Tusk, Angela Merkel e François Hollande, o primeiro-ministro grego,
Alexis Tsipras, terá, segundo um membro da delegação helénica,
abordado os três principais problemas que vê no documento
apresentada pelo Eurogrupo: o papel do Fundo Monetário Internacional
(FMI) — que a Alemanha quer que participe num eventual terceiro
resgate —; o fundo para o qual seriam transferidos 50 mil milhões
de euros de activos do Estado; e a aprovação pelo Parlamento grego
de novas medidas até dia 15 de Julho.
A mesma fonte disse
a um grupo de jornalistas, incluindo do PÚBLICO, que Tsipras terá
insistido na urgência de obter um acordo a tempo de nesta
segunda-feira o Banco Central Europeu (BCE) poder voltar a abastecer
os bancos gregos com liquidez. Mas as horas passaram sem que houvesse
fumo branco.
Quanto à questão
do fundo para o qual seriam transferidos 50 mil milhões de activos
do Estado, é um problema “muito grande” para Tsipras. “Não há
50 mil milhões de propriedade pública na Grécia”, disse.
A resposta grega à
eventualidade de uma saída temporária da Grécia da zona euro —
posta em cima da mesa pela Alemanha mas que recebeu uma clara
oposição do Presidente francês, à entrada da reunião — “é
um não absoluto”, afirmou também.
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