Serviço
europeu antifraude diz que há ilegalidades no caso Tecnoforma
Ao
fim de dois anos de trabalho, os investigadores da Comissão Europeia
fizeram uma participação ao Ministério Público sobre os fundos
atribuídos à empresa que foi gerida por Passos Coelho
José António
Cerejo / 23-7-2015 / PÚBLICO
O Organismo Europeu
de Luta Antifraude (OLAF) detectou a prática de infracções penais
e financeiras na aplicação e/ou na atribuição de fundos europeus
à Tecnoforma — empresa que teve Pedro Passos Coelho como consultor
e administrador. O relatório final do inquérito aberto pelo OLAF no
início de 2013 ficou concluído em Maio, altura em que foi remetido
ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) —
onde decorre um inquérito global sobre o caso Tecnoforma —e à
Direcção-Geral do Emprego da Comissão Europeia.
De acordo com o
Gabinete de Imprensa do OLAF, o relatório enviado ao DCIAP foi
acompanhado por uma “recomendação judicial” ( judicial re
commendation),
enquanto o exemplar remetido à Direcção-Geral do Emprego incluía
uma “recomendação financeira” ( financial recom
mendation). A missão
do OLAF — um organismo independente integrado nos serviços da
Comissão Europeia — consiste, segundo o seu site, em “proteger
os interesses financeiros da União Europeia, investigando casos de
fraude e de corrupção e outras actividades ilegais”. As suas
competências estão, no entanto, circunscritas à emissão de
recomendações “sobre as medidas a tomar pelas autoridades
nacionais ou da União Europeia, com base nas suas investigações”.
Relatórios
confidenciais
Em resposta ao
PÚBLICO, o OLAF sublinha que os seus relatórios finais não são
tornados públicos, de modo a “proteger os direitos das pessoas e
as obrigações de confidencialidade” a que está sujeito, bem como
a “não prejudicar eventuais inquéritos subsequentes”. Apesar de
nada dizer sobre a natureza das suas conclusões sobre a Tecnoforma,
o organismo explica, na versão portuguesa do seu
site, que as suas
“recomendações judiciais” são emitidas “se existirem provas
de uma eventual infracção penal”. Nesses caso, “o OLAF
transmitirá um relatório às autoridades nacionais competentes,
recomendando uma acção judicial”. Quanto às “recomendações
financeiras”, elas têm por finalidade a recuperação de “verbas
indevidamente utilizadas”.
Quer isto dizer que
os investigadores do OLAF — que se deslocaram várias vezes a
Portugal e mantiveram um estreito contacto com os procuradores do
DCIAP durante os dois anos do inquérito — entendem que a
Tecnoforma e os seus dirigentes e/ou as entidades responsáveis pela
atribuição dos financiamentos que a empresa recebeu do programa
Foral cometeram actos susceptíveis de ser sancionados do ponto de
vista financeiro e criminal.
O Foral foi lançado
em 2001 com o objectivo de promover a formação profissional dos
funcionários das autarquias e foi tutelado entre 2002 e 2004 por
Miguel Relvas, então secretário de Estado da Administração Local.
Nesse período, a empresa de que Passos Coelho era consultor para o
Foral — e que tinha entre os seus três donos o advogado João Luís
Gonçalves, um amigo do actual primeiroministro e antigo
secretário-geral da JSD — conseguiu um quarto dos contratos
aprovados em todo o país, a empresas de formação, no quadro
daquele programa. Só na região centro, a Tecnoforma ficou nesses
anos com 76% das verbas atribuídas pelo Foral a empresas privadas.
Na sequência da
revelação deste caso pelo PÚBLICO, no final de 2012, a
eurodeputada socialista Ana Gomes apresentou uma queixa ao OLAF, que
deu origem à abertura do inquérito agora concluído. A queixosa não
foi até agora notificada do termo das investigações, pelo que já
requereu as suas conclusões ao OLAF.
O PÚBLICO perguntou
à Procuradoria-Geral da República em que fase é que se encontra o
inquérito do DCIAP, tendo sido informado de que ele “se encontra
em investigação e está em segredo de justiça”.
Falsificação
prescreveu
Um outro inquérito
relacionado com a Tecnoforma foi aberto no Departamento de
Investigação e Acção Penal de Coimbra e foi arquivado em Junho de
2014, por não terem sido encontrados indícios criminais. Esse
inquérito, que ao contrário daquele que prossegue no DCIAP foi
encerrado antes do fim da investigação do OLAF, incidiu apenas
sobre uma acção de formação da Tecnoforma para técnicos de
aeródromos e heliportos municipais da região centro. No despacho de
arquivamento, o procurador titular concluiu pela regularidade formal
de todo o processo, baseando-se fundamentalmente na avaliação
efectuada pelos próprios dirigentes da Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento da Região Centro (CCDRC) que o aprovaram.
Ainda assim, o
magistrado escreveu que “não pode afastar-se” que os
responsáveis da Tecnoforma “tenham tido um acesso facilitado (ou
próximo dos decisores políticos) a toda a informação necessária
a assegurar o sucesso” da candidatura. E acrescentou que os mesmos,
“através de processos ou termos não completamente esclarecidos,
poderão ter influenciado o estabelecimento das condições (...) que
naturalmente favorecessem a admissão da candidatura da empresa em
termos de ser garantido o financiamento pretendido, desde logo
através do compromisso para a sua integração no programa Foral”.
O procurador
entendeu, contudo, que essa actividade “não tem de ter um
enquadramento necessariamente ilícito do ponto de vista penal (que
não ético ou moral), sendo susceptível de ser tratada no quadro de
uma actividade legítima de participação dos administrados nas
decisões da administração”. O despacho nota, todavia, que foram
encontrados no processo documentos adulterados “através de métodos
grosseiros”, sendo “facilmente perspectivável” que tais
adulterações “tenham sido levadas a cabo no seio da Tecnoforma
por ser a quem aproveitam directamente”. Apesar disso, o procurador
determinou o arquivamento dos autos na parte que se refere a estes
factos, uma vez que o crime de falsificação de documento prescreve
ao fim de cinco anos.
Toda a documentação
relativa ao pedido de pagamento de saldo deste projecto, que decorreu
entre 2004 e 2006, foi entregue pela Teconoforma à CCDRC em Março
de 2007 com as assinaturas de Pedro Passos Coelho e Francisco
Nogueira Leite (actual presidente da Parvalorem), então
administradores da empresa.
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