A
Grécia gritou NÃO
MARIA JOÃO
GUIMARÃES (Atenas) 06/07/2015 - PÚBLICO
Os
gregos festejaram a vitória da "dignidade" numa consulta
que mostrou “que a democracia não pode ser chantageada”. Tsipras
quer “uma frente nacional de unidade” com todos os partidos para
representar Atenas em Bruxelas. E quer recomeçar já a negociar.
Cimeira da UE marcada para terça-feira.
“Não”, e agora?
Na praça Syntagma quem festejava a expressiva vitória do “não”
dizia que quer um acordo com a União Europeia. Ao dirigir-se aos
gregos, o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, assegurou: “Estou
completamente consciente que o mandato que me deram foi para negociar
dentro da Europa.”
O resultado do
referendo foi de 61,31% para o Não, 38,69% para o Sim, com uma
abstenção de 37-38%. A vitória do “não” foi maior do que o
antecipado por todas as sondagens, e esperava-se que a cada dia de
controlo de capitais, o “sim” avançasse. Não foi isso que
aconteceu. Na praça Syntagma, ouvia-se uma e outra vez: ganhou a
dignidade.
A alegria era maior
do que a ansiedade, a esperança era que, como prometeu o Governo, a
sua posição saia fortalecida para as negociações com os credores.
O ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, disse que poderia haver
um acordo em 24h. Segundo outra fonte do Syriza, Atenas tem uma
proposta pronta a assinar, mas não explicitou qual.
No plano externo,
Tsipras telefonou a uma série de líderes europeus para assegurar
que quer negociar e pedir conversações rápidas. A sua principal
reivindicação é o alívio da dívida. No plano interno, quer criar
“uma frente nacional de unidade”. Logo depois de falar ao país,
reuniu-se com o Presidente, que convocou um encontro com os líderes
da oposição para as 10h.
Enquanto isso, a
chanceler alemã, Angela Merkel, marcou viagem para Paris para
discutir a situação com o Presidente francês, François Hollande,
segunda-feira à tarde. Pouco depois foi ainda anunciada uma cimeira
europeia extraordinária para terça-feira. Horas antes, vai reunir o
Eurogrupo, cujo presidente Jeroen Dijsselbloem, considerou o
resultado do referendo “muito lamentável para a Grécia”.
Segunda-feira será ainda dia de um encontro que juntará
Dijsselbloem aos presidentes do Conselho Europeu, Donald Tusk,
Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, e Parlamento Europeu, Martin
Schulz.
Ao mesmo tempo, será
o BCE a ter de decidir sobre a continuação da assistência de
emergência (ELA) aos bancos gregos, sem a qual estes só deverão
conseguir manter-se alguns dias. Tsipras diz ter a certeza que o
banco vai “perceber não só as implicações económicas mas
também a dimensão humanitária”. Na vertente política, “todos
sabemos que não há soluções fáceis, mas há soluções justas,
viáveis – assim queiram os dois lados.”
O BCE já tinha
sinalizado que o resultado do referendo teria influência na sua
análise por tornar mais improvável um acordo com os credores.
Robert Peston, editor de economia da BBC, antevê que o BCE assuma um
papel central nos próximos dias não só na decisão em relação à
Grécia, mas ainda para evitar um contágio aos países mais
vulneráveis e para travar uma subida dos juros da dívida dessas
economias. “Os banqueiros esperam um grande contágio do ‘não’
grego nos mercados: o BCE pode não querer financiar a Grécia mas
pode ter de intervir em grande nos mercados de dívida”, escreveu
Peston no Twitter.
Berlim vê "pontes
queimadas"
Da Alemanha, a
primeira reacção não foi neste sentido. O ministro da Economia e
vice-chanceler, Sigmar Gabriel (do SPD), considerou que Tsipras
“queimou todas as pontes com a Europa” e que é “difícil
imaginar novas negociações”. Gabriel descreveu o resultado do
referendo como “a recusa das regras do jogo da zona euro”. Uma
sondagem recente no país indica que a maioria dos alemães era a
favor de uma saída da Grécia do euro.
Mas em Roma, o
ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Paolo Gentiloni,
considerou, por seu turno, que este é o momento para reiniciar
esforços e alcançar um acordo com a Grécia. “Agora, devemos
começar a tentar de novo um acordo”, disse, contrapondo no entanto
que “não há escapatória para o labirinto grego numa Europa fraca
que não está a crescer”.
A vitória do “não”
apanhou o primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, numa
visita oficial a Cabo Verde e a caminho da Guiné-Bissau. Na sua
reacção oficial, o PSD garante que a iniciativa, agora, deve partir
de Atenas. "A realidade torna-se muito simples: o referendo
coloca agora nas mãos do governo grego o dever de apresentar uma
solução para o impasse a que se chegou”, afirmou Marco António
Costa, vice-presidente do partido.
Quase todas as
outras reacções oficiais, em Portugal, apontaram a necessidade de
haver, também, uma mudança na política europeia de Lisboa.
Porfírio Silva, do secretariado nacional do PS, afirmou que "
as negociações têm de recomeçar", já que em causa está "o
futuro da Europa".
Outros líderes
políticos gregos reagiram rapidamente ao resultado. Antonis Samaras,
antigo primeiro-ministro e líder do partido conservador Nova
Democracia, demitiu-se. Stavros Theodorakis, do pequeno partido
centrista pró-europeu To Potami, pediu à União Europeia para
“ajudar a Grécia e não a castigar” por este resultado. Também
disse que “Tsipras tem de saber o que fazer com esta vitória”, e
“tem de prometer não pôr em risco a permanência da Grécia no
euro.”
Depois da grande
divisão dos gregos ao longo da semana passada, Tsipras agradeceu “a
todos, independentemente do voto – de agora em diante somos todos
um”. O referendo mostrou “que a democracia não pode ser
chantageada”. Na praça Syntagma, gritava-se “bravo”.
Apesar de tudo
Aos gregos
juntavam-se estrangeiros, militantes ou turistas. Havia italianos do
Movimento 5 estrelas, espanhóis de férias. O primeiro grande
burburinho em frente à televisão veio com o ministro das Finanças,
Yanis Varoufakis, o primeiro a reagir. “Os gregos acabaram de dizer
‘não’ a cinco anos de hipocrisia”, disse Varoufakis no ecrã,
enquanto alguns filmavam e se abraçavam. "O coração da Europa
bate na Grécia, esta é uma Europa democrática", declarou
Varoufakis. "Com este 'não' tentaremos cooperar com os nossos
parceiros, chegar a um acordo.
Para Rosa, tradutora
de 56 anos em semi-emprego, o mais importante de tudo é que “o
‘não’ venceu apesar de tudo – dos bancos fechados, da campanha
de terror da televisão, do que vinha do estrangeiro, de empresas a
ameaçar pessoas”. As pessoas “mostraram que não têm medo”.
Rosa quer sublinhar
uma coisa: “Adoramos a Europa. Mas a questão não é essa. É que
o programa não está a resultar. A austeridade não é a única
solução. Melhor: não é a solução.” Também culpa – e logo
desculpa – o partido de Alexis Tsipras. “Não sou do Syriza, mas
votei neles. São novos, não têm experiência”, diz. “Mas
tentaram, foram os únicos que tentaram obter um acordo melhor.”
Esperança também é
a razão de Lukas e Chris, dois estudantes de cozinha. “Portugal,
Espanha e Itália têm problemas semelhantes – agora para eles nós
somos o problema. Mas na Europa somos família. Não queremos ser
livres, não queremos deixar a família. Mas também não queremos
ser escravos. E é assim que nos querem – sem dinheiro e sem
sonhos.”
Com Paulo Pena,
Pedro Crisóstomo e Sofia Lorena
Sem comentários:
Enviar um comentário